Tropicália
A designação
de Tropicália para o movimento que mudou os rumos da cultura brasileira em
meados e fim dos anos 1960 foi dada por Hélio Oiticica. O artista que, segundo
suas próprias palavras, “não podia imaginar toda a sua extensão”, queria sim,
apesar disso, dizer implicitamente, que ele “definia um novo sentimento no
panorama cultural geral.” A tropicália com suas novas propostas em cinema,
teatro, música popular e nas artes plásticas foi uma síntese desse novo
pensamento que nas suas manifestações inter-relacionava as metas específicas de
cada uma delas.
Mas mesmo
quando se pensa de forma ampla e globalizadora a respeito do tropicalismo,
subjaz a ideia de que não havia um direcionamento único capaz de dizer-se “o
caminho” da tropicália. A ponto de existirem
opiniões como a de José Celso Martinez Corrêa que em 1977 apontava: “O
tropicalismo nunca existiu. O que existiram foram rupturas em várias frentes.”
Rupturas que foram se processando e desenvolvendo sem consciência plena de sua
interligação e abrangência ou de qualquer ideia criadora geral que norteasse todas
as manifestações que assumiu na arte e na cultura.
Das muitas
vertentes artísticas, o cinema proporcionou talvez o maior alvoroço em termos
de massificação. Um filme como Macunaíma
de Joaquim Pedro, um cruzamento do cinema novo com o tropicalismo, brotou num
contexto de dependência cultural e econômica do assim chamado primeiro
mundo. O que levou a releitura da
rapsódia radical de Mário de Andrade num viés social, político e econômico onde
o ser brasileiro foi motivo de celebração-depreciação.
O lado B do
tropicalismo, mais virulento e extremado, encarnado por Torquato Neto, Capinan,
Tom Zé, Rogério Duarte e Hélio Oiticica, por exemplo, aproxima-se pela
trajetória e atitude das artes de Rogério Sganzerla, José Agripino de Paulo,
Júlio Bressane e Ivan Cardoso. Sendo o filme síntese dessa relação, marginália
e marginal, transformando método carnavalesco em teoria de montagem, O Bandido
da Luz Vermelha de Rogério Sganzerla.
No teatro, a
1ª. Feira Paulista de Opinião reunia os principais dramaturgos brasileiros da
época, contando com Lauro César Muniz, Bráulio Pedroso, Gianfrancesco
Guarnieri, Jorge Andrade, Plínio Marcos e Augusto Boal. O espetáculo, de um
modo geral, será marcado pelo enfrentamento desaforado ao poder. Os rumos que tomava a oposição ao regime
levariam a arte, assim como todos os setores significativos da sociedade
brasileira, a se retrair e a repensar suas propostas de atuação para sobreviver
à censura.
A música popular
produziu um sem número de nomes emblemáticos tais como Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Gal Costa, Os Mutantes e muitos outros.
Mas na música, a iconoclastia e a transgressão ganhavam contornos de
apropriação do mundo mercadológico, como dizia Caetano Veloso a respeito das lições
de Gil: “(...)nós não podíamos seguir na defensiva, nem ignorar o caráter de
indústria do negócio em que nos tínhamos metido.(...)”
As artes visuais viviam o rigor e a
subjetividade do concretismo e do neoconcretismo e as experimentações da Op
arte e da Pop arte. Artistas como Rubens
Gerchman e Antonio Dias participam da exposição Nova Objetividade em março de
1967 no MAM do Rio de Janeiro. Ivan
Serpa, aderindo formalmente à abstração, ao lado de Ferreira Gullar e Mário
Pedrosa funda o Grupo Frente em meados de 1954. Lygia Pape, junto com Hélio
Oiticica, em 1959 é uma das signatárias do Manifesto Neoconcreto. A arte transformou-se em múltiplas vertentes e
pensamentos únicos e individuais, trazendo a radicalidade do subjetivo para o
centro da proposta artística.
Em
Tropicalismo, antropologia, mito, ideograma, Glauber Rocha explica que o
tropicalismo trouxe de dentro os “nostri
succhi (nossos sucos gástricos)”, trouxe uma consciência da “realidade
brasileira em todos os sentidos e a todas as profundidades”.
Podemos dizer
que a tropicália levou a uma retomada do conceito de antropofagia sem utopias nacionalistas. Com a proposição de questionamentos sobre o
que somos e o que pensamos sobre o que somos, foi uma verdadeira revolução em
todos os aspectos do viver.
Mauricio
Duarte (Divyam Anuragi)
Comentários