RIO - Muita gente comum acha difícil entender cabeça de artista.
Talvez essa característica seja até um pré-requisito para fazer daquele
“espaço” uma fonte de ideias e criações. À luz da ciência, entretanto, a
explicação parece ser menos romântica e mais técnica: o cérebro dos
“virtuosos” é simplesmente diferente. Foi isso que diz ter provado um
novo estudo publicado esta semana na revista científica “NeuroImage”.
O
resultado foi alcançado por meio de uma técnica recente de
digitalização do órgão chamada morfometria baseada em voxel (MBV). A
varredura mostrou que os artistas apresentam maior presença de
substância neural em uma área responsável pelo bom desempenho motor e
pela comunicação visual, o chamado precuneus, que fica no lobo parietal.
Isso reforça a crença de que o talento dessas pessoas pode ser inato.
Entretanto,
o trabalho também verificou que treinamentos e influências do meio
desempenham papel crucial no desenvolvimento das habilidades. Ao todo,
os pesquisadores avaliaram 21 estudantes de arte. Os resultados foram
comparados aos das análises de 23 pessoas “comuns”.
— O precuneus
está relacionado a uma série de funções potencialmente ligadas à
criatividade e à capacidade de manipulação de imagens visuais — afirmou à
“BBC News” a cientista chefe do trabalho, Rebecca Chamberlain, que
disse ter realizado o trabalho para tentar descobrir se os artistas de
fato veem o mundo de maneira diferente.
Maior aptidão motora
O
participantes também foram estimulados a realizar tarefas de desenho.
Por meio dessas atividades, a equipe estudou a relação entre o
desempenho e o estado das massas cinza e branca do cérebro. Notou-se que
os voluntários que apresentaram mais habilidade tinham essas
substâncias em formas aumentadas no cerebelo e na área motora
suplementar, duas regiões que estão envolvidas com o bom controle motor e
com a realização de ações de rotina.
Os resultado do estudo,
porém, não é capaz de cravar que os aspectos que influenciam em um
determinado talento artístico são totalmente inatos ou se podem ser
adquiridos. Na visão do neurocientista Jorge Moll, presidente do
Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, exemplos de artistas que estão
“fora da curva” apresentam forte relação das duas características.
—
Qualquer habilidade de alta ordem, de alta complexidade, não pode ser
explicada de modo simplista. Elas envolvem múltiplos sistemas cerebrais e
cargas genéticas, mas também são fruto de muito treinamento — pondera.
O
especialista também classificou o estudo como inovador, por usar a
técnica de morfometria a fim de avaliar quantitativamente certas
substâncias presentes no nosso cérebro.
— O trabalho não apresenta
uma relação de causa e efeito, mas um aspecto correlacionador entre as
características da estrutura cerebral e as habilidades. Os pesquisadores
não descobriram, por exemplo, se essas características são fruto de
alguma alteração ou se já acompanham as pessoas desde o nascimento.
Artista
plástico e professor de arte no Colégio Bahiense, Alexandre Cavalcanti
se formou em desenho industrial e fez mestrado em Belas Artes em Nova
York. Ele conta que, em sua vida, desde pequeno mostrou particular
aptidão para as artes:
— Nem me lembro de quando começou esse meu
gosto. Só percebi que queria fazer da arte minha profissão quando, no
vestibular, tive que decidir qual curso faria.
Hoje, Alexandre dá
aulas de arte para crianças de 10 a 13 anos. Na sala, diz perceber
claramente quando os pequenos demonstram talento para alguma habilidade.
—
Podemos desenvolver alguma capacidade, mas dá para ver que alguns
alunos têm mais aptidão, têm a mão mais solta. Mas também tem o lado
criativo. Alguns são piores na habilidade, mas têm criatividade de sobra
e podem compensar. Ou até mesmo seguir em outro caminho da arte que não
o desenho — pondera.
‘Todos somos arteiros’
A
designer e professora de desenho da PUC-Rio Marcela Carvalho acredita
que as crianças sofrem uma hiperestimulação, o que pode prejudicar no
desenvolvimento de suas habilidades para o futuro:
— Elas precisam
da desopressão, do não estimulo, de um espaço de liberdade. A infância é
criadora, todos são artistas. Então, o desenvolvimento da habilidade e
do cérebro tem muito mais a ver com com o meio, o espaço onde se vai
trabalhar aquilo. Não tem aquela expressão “esse menino está fazendo
arte, é arteiro”? É isso mesmo. Todos nós somos.