A arte visionária pretende lançar mão de visões com
experimentos em estados não-ordinários de consciência (ENOC) traduzidas para as
artes visuais. A literatura do maravilhoso pretende mostrar o mágico e o
místico com a rica realidade numa epifania individual. Qual a relação entre
essas diversas tendências – e muitas outras – e a arte-enlevo?
A resposta, seja ela qual for, deve se situar num lugar de meio termo entre o
transe meditativo e a imaginação espiritual sem ter tais elementos como
definidores de sua poética e sem negá-las ao mesmo tempo. A rigor, a
arte-enlevo possui relação direta ou indireta com a espiritualidade. O
espiritualismo ou a espiritualidade evoca sensações, devoções e práticas muitas
e desemboca, artisticamente, em estados poéticos vários, com n matizes, desde o
misticismo xamânico até o pietismo religioso, de modo amplo.
De modo que, a arte-enlevo pode suscitar realidades no terreno da arte
visionária e do maravilhoso, sem ser ou tornar-se, propriamente, arte
visionária ou literatura do maravilhoso, sendo mais voltada a uma experiência
estética que, generalizante ou generalista, por natureza, não se atêm a uma
independência ou subjetividade própria, inerentes. Ao contrário, pode se juntar
e/ou se plasmar com outras tendências – desde o anti-design, na comunicação
visual até o neoísmo na experimentação artística e cultural; desde o
expressionismo abstrato até a literatura fantástica – sem deixar de apresentar
ou demonstrar sua preocupação maior em elevar mentes, consciências e espíritos.
Sendo esta característica presente como a mola propulsora ou a pedra de toque
do processo criativo ou ainda, o alvo a ser alcançado no resultado final da sua
prática e teoria. Em qualquer desses três momentos a arte-enlevo propõe não o
materialismo ou o espiritualismo, mas, em essência, um ponto de contato entre o
planejamento (projeto), prática (práxis) e teoria (conceito) no qual a arte
possa ser plenamente vivenciada numa apreciação rica e elevada –
necessariamente rica em desdobramentos e elevada em apreciação – que possa
torna-la próxima do mid-cult, do cult, do erudito e da pop art, sem ser ou
tornar-se, totalmente, qualquer uma dessas classificações.
Também não será arte objetiva ou arte sacra, no sentido espiritual do termo e
nem arte-terapia ou arte-educação porque não possui compromisso com as agendas
terapêuticas, espirituais ou educacionais de modo estrito. No entanto,
apresenta um víés de exploração filosófico que, se não é açambarcante, em
termos totalizantes, é, ao menos, realizado em primeira instância, a partir
desse pensamento: dos “porquês”, dos “comos”, dos “ondes” e dos “quandos” no
terreno da apreciação que suscita realidades ou que possa suscitar realidades
questionadoras e de impulso ao elevar de apreciações antes ocultas e/ou
ausentes do rol de percepções do homem e da mulher contemporâneos.
Por exemplo, porque não buscar compreender, artisticamente:
. O conceito de virgindade como sendo o olhar do ato amoroso (sexual) como a
primeira vez e não como a ausência de prática amorosa (sexual).
. O conceito de alma-mundo como experienciar do planeta Terra do qual fazemos
parte inextricavelmente.
. O conceito de honra, dignidade e valores como sendo inerentes aos seres
humanos e não como “adendos” que nos são negados, muitas vezes, no mundo
contemporâneo.
. O conceito de beleza, bondade e verdade como poética da vida e não como ideais
que nada significam – ou significam muito pouco – para o cidadão médio e mesmo
para muitas elites.
Os exemplos citados são considerações pessoais minhas e podem, logicamente e
subjetivamente, variar conforme a individualidade de cada artista.
Tais conhecimentos ou considerações ciclicamente desaparecem ou reaparecem das
percepções humanas de tempos em tempos e podem ser mais facilmente ou mais
dificilmente acessadas por estéticas artísticas e culturais, por pensamentos
filosóficos e morais ao longo das épocas. A arte-enlevo propõe a permanência de
temas, estilos ou tendências de atitudes “fora de moda” ou “fora de contexto”
no arsenal estético artístico, independente da classificação ou denominação da
vertente utilizada, mesmo se tais atitudes e/ou pensamentos não forem
diretamente ou claramente identificáveis em determinada obra de arte.
Sebastián de
Herrera Barnuevo nasceu em Madri em 1619, filho do escultor Antonio de Herrera
Barnuevo e de Sebastiana Sanchez. Ele
foi instruído por seu pai até a chegada de Alonso Cano em Madri em 1638, quando
o jovem foi atraído pela forte personalidade do artista de Granada. O primeiro conhecido e importante trabalho de
Herrera foi sua participação nas decorações para celebrar a entrada da rainha,
Mariana da Áustria na cidade em 15 de novembro de 1649. Por isto e por atividades semelhantes,
Herrera foi aceito na posição de valete por Filipe IV. Em 26 de fevereiro de 1662, ele obteve o
posto de arquiteto chefe dos projetos reais.
Em 26 de novembro de 1668 ele foi admitido como pintor da corte e em
1670 ele foi nomeado mantenedor da Escorial.
Herrera morreu em Madri no começo de 1671.
Infelizmente
quase todas as pinturas de Herrera desapareceram. Ele teve uma participação nas decorações da
Capela de Santo Isidro, Madri. Outro de
seus importantes trabalhos é o altar da Sagrada Família, cerca de 1655,
ampliando o tema das Duas Trindades nas telas principais e no teto, O Martírio
dos Jesuítas no Japão. É claro que o
soberbo projeto arquitetônico do altar é também de Herrera. Nenhum dos seus trabalhos criativos foi
inteiramente original; até o melhor deles demonstra uma clara relação com o
estilo bem conhecido de Alonso Cano. Seus
esboços são seus trabalhos mais importantes.
Alguns são meramente planejamentos para os altares da Capela de Santo
Isidro em Madri e para a Igreja da Virgem dos Reis em Toledo. Outros como Gabriel e Judith são esplendidos
roughs nos quais uma certeira e delicada utilização do lápis, bem como uma
magnífica graça e fluidez são observadas.
(Livre tradução do livro The Book of Art .
German and Spanish . Art to
1900 . Enciclopédia ilustrada de pintura, desenho e escultura . Editado por Dr.
Horst Vey e Dr. Xavier de Salas . 1967)
Desenho: Retrato de um homem (lápis). 9 7/8 x 7
7/8 polegadas . Florença, Uffizi
Como havia
diferenciação entre a serpente boa e a serpente má entre povos da Antiguidade,
particularmente no Egito Antigo, entre boa e má arte, é lógico, há uma grande
diferença. Entre o Agathodaemon e o Kakodaemon,
a serpente boa e a serpente má, segundo Blavastky no livro A Doutrina Secreta,
ocorrem diferenças enormes.
Só na Idade
Média passou-se a considerar as serpentes exclusivamente como más, como
símbolos do mal. Mas como os povos
antigos chamavam os grandes sábios de serpentes ou dragões, hoje os grandes
mestres, artistas, atletas ou intelectuais, por vezes, são chamados de
“monstros sagrados”. Por que serpente ou
dragão? Por que “monstro sagrado”? Porque havia pensadores gregos que usavam a
metáfora de comer o coração e o fígado das serpentes para adquirir a sabedoria,
advinda da própria lenda ou mito ou construção filosófico-religiosa de Adão e
Eva no Paraíso e as suas quedas por meio da maçã oferecida pela serpente à
Eva. O conhecimento do bem e do
mal. Suas palavras foram tomadas como
verdadeiras e o sábio tem seus ensinamentos consumidos – ou assimilados – pelos
adeptos para adquirir a sabedoria.
A arte egóica
se contrapõe diretamente ou indiretamente à arte-enlevo. É a arte em estado isolado, o sonho profundo,
a escuridão, a inércia. A arte da
neutralidade como o próprio nome diz, propõe relações de troca entre o elevado
e o negativo, entre o ego e a aniquilação do ego, sem opôr-se nem a um nem a
outro. Freneticamente ela propõe a
atividade, seja essa atividade voltada para o elevar-se ou voltada para a
baixeza, ao mesmo tempo, ou ora para um lado, ora para outro lado.
Tamas (arte
egóica), Rajas (arte da neutralidade) e Sattva (arte-enlevo) seriam as
correspondências dessas classificações de acordo com a Ayurveda em conjunto com
a consciência elevada ou consciência cósmica, apontada por orientalistas e
adeptos de religiões orientais e pensadas artisticamente, segundo nossa visão.
A arte egóica
se concentra, em grande parte de sua atuação, no grotesco e no espalhafatoso,
no exagero e na ilusão. Mais comumente
encontrada em obras de arte da arte pop e do mid-cult, mas pode ser encontrada
até no cult e no erudito, quando pensamos em certas “degenerações” desse
próprio movimento sem direção das elites/vanguardas ou
pseudo-elites/vanguardas.
A arte da
neutralidade se concentra, na maioria das vezes, em dubiedades e em
subjetivismos, em conexões e em velocidades.
Mais comumente encontrada em obras de arte do cult e do mid-cult, mas
pode ser encontrada, também, tanto na arte pop quanto na arte erudita, senão
totalmente, mas parcialmente.
A arte-enlevo,
por sua vez, se concentra na pureza e no equilíbrio, na vigília e na
causa. Mais comumente encontrada na arte
erudita, mas pode igualmente ser encontrada no cult e no mid-cult, novamente
salientando-se que nem sempre de forma total, mas apenas parcialmente.
Em nada
interfere na qualidade de uma obra de arte ser erudita ou arte pop, cult ou
mid-cult. Dentro das proximidades ou
afastamentos da cultura dita oficial ou do status quo, percebe-se uma grande
mescla entre tais classificações. Porém,
não se pode deixar de dizer que a recorrência da arte-enlevo na arte erudita em
muito a torna “recomendável” ou “preferível” frente a qualquer outra expressão
de nível “inferior” como o cult, o mid-cult e a arte pop.
Recebi ontem o exemplar da Antologia que participo: Encontro Di-Versos! Uma edição muito bem feita! 😁😀 Muito contente! Parabéns a todos os poetas, poetisas, editores, designers e demais envolvidos na realização do livro.
Fragmento do poema:
Poema do fim das águas
A lagou chorou. Mas também, pudera: O homem matou, O homem quebrou, O homem tirou, O homem cagou, O homem zerou... (...)
Esforçar-se é louvável, digno e honrado em quaisquer circunstâncias dos estudos e do trabalho. A rigor, quem aprende, quem estuda para aprender, tem, de acordo com o próprio tempo destinado, a colheita em forma de conhecimento elevado ou superficial, conforme tenha se aprofundado ou não. A rigor, também, quem trabalha, quem faz o serviço de alguma atividade profissional, também colhe frutos em matéria da recompensa, o salário ou o pró-labore e, muito mais, aos efeitos do seu trabalho como contribuição à sociedade em amplidão ou em reduzido efeito, conforme tenhamos nos dedicado mais ou menos e a depender da equipe que pertencemos e da situação laboral que enfrentamos.
A colheita do estudo e do trabalho sempre há, porque nenhum esforço é vão. Quando plantamos no estudo e no trabalho aguardamos que essa colheita seja positiva, mas nem sempre ocorre isto. Por vezes, o efeito é contrário, nos atrapalhamos e nos confundimos e o efeito positivo só será sentido muito tempo depois, talvez, até, depois da nossa morte. E, como toda atividade, o estudo e o trabalho também guardam relação com Deus. No entanto, quando nossa prática profissional se alicerça no tempo de Deus, seus frutos se estabelecem plenamente e se realizam um sem número de boas colheitas com naturalidade e sem nenhum obstáculo. Muitos esquecem disso... E querem apenas produzir sem a devida reflexão, no sentido espiritual, no sentido sagrado, sobre quais frutos aquele estudo e aquele trabalho irão ter no futuro, que bases do passado tiveram e como chegaram ao nosso presente. Muito existe, nesse sentido, no mundo, hoje em dia... mas, não se pode querer resultados sem se considerar o processo. Os fins não justificam os meios. O meio pelo qual se faz é tão importante quanto o que se faz, bem como o tempo em que se faz.
Que a nossa vida possa refletir tanto o esforço e a diligência no estudo e no trabalho, quanto à observância dos desígnios cósmicos e incomensuráveis de Deus na nossa própria existência e na dos outros, dos nossos semelhantes. Jesus disse: “(...)Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.” Ter em mente tão elevado critério, é, a um só tempo, esforçar-se e deixar Deus ser Deus na nossa vida, ao mesmo tempo. Paz e luz.
Artemisia Gentileschi, a filha de Orazio Gentileschi (1563-1639) foi uma das maiores seguidoras de Caravaggio e uma grande personalidade. Era precocemente bem dotada, conseguiu destaque na Europa e teve uma vida de independência rara para uma mulher daquela época. Nascida em Roma, em 1593, trabalhou principalmente lá e em Florença, até que se radicou em Nápoles em 1630, além de ter ido à Inglaterra visitar seu pai, de 1638 a 1640.
Em 1610 Artemisia pintou seu primeiro trabalho datado e assinado: Susanna and the Elders. Em fevereiro ou no princípio de março de 1612, Agostino Tassi, seu professor de perspectiva, foi acusado de tê-la estuprado e subseqüentemente julgado e preso. Em julho Orazio escreveu à Grande Duquesa da Toscana elogiando a mestria artística de Artemisia e requerendo o cumprimento da sentença de Tassi. Talvez para mitigar sua situação difícil, ao fim daquele ano ela casou com o florentino Pierantonio Stiattesi, saiu de Roma e mudou-se para a capital da Toscana.
A data de alguns dos seus trabalhos mais elogiados permanece controversa. Entre esses inclue-se Judith Beheading Holofernes (em Nápoles e sua última variante no Palácio Uffizi, Florença), a resposta à interpretação canônica de Caravaggio sobre o tema Lucretia (Pagano Collection, Genoa) e Judit and her Maiservant (Galleria Palatina, Florence). Artemisia assinava Lomi, o sobrenome real do seu pai, nos trabalhos florentinos tais como Gael and Sisera (1620, Museum of Fine Arts, Budapest). Grandemente considerada, ela foi aceita como o primeiro elemento feminino na Accademia del Disegno em 1616. A biografia sucinta de Baldinucci descreve sua atividade prolífica como retratista, embora poucos quadros tenham restado.
Em 1620 Artemisia escreveu a Cosimo II de Medici informando-lhe sobre a intenção de ir a Roma, e há documentação desse fato em 1621 e novamente entre 1622 e 1626. Em 1627 ela estava em Veneza, mas mais tarde radicou-se em Nápoles, onde assinou seu mais antigo trabalho napolitano seguramente datado, The Annunciation (1630, Museo di Capodimonte, Naples). Parece que morou lá até sua morte, em 1651, com exceção de uma temporada na Inglaterra, de 1638 a 1640, para dar assistência ao seu pai já idoso.
Imagem: 1612 - 1613 Judith e sua serva - Galeria Palatina, Palácio Pitti - Florença - Itália - Pintura de Artemisia Gentileschi.
A escrita leve e elegante de Rodrigo Gurgel não
esconde opiniões contundentes a respeito – é claro! – daquilo que mais
entende: livros. Professor de literatura e escrita criativa, além de
crítico literário, Gurgel é autor de Esquecidos & Superestimados, Muita retórica – Pouca literatura e o mais recente Crítica, Literatura e Narratofobia.
Sobre a importância dos clássicos para a formação, das escolas como
espaço de debate e as redes sociais como ambientes de estímulo à
leitura, o escritor conversa com a Fausto
com exclusividade. Em um país que pouco se lê, qualquer caminho que
leve à boa literatura é válido? Intelectuais no topo dos rankings de
venda não é algo a se comemorar? Com a palavra: Rodrigo Gurgel.
Rodrigo Gurgel. Foto: Matheus Bazzo. Fausto — Importante é ler, independente de qual gênero seja o livro e de qual autor?
Rodrigo Gurgel: O ideal seria viver numa sociedade em
que todos não só fossem alfabetizados, mas também encontrassem na
leitura uma forma de divertimento e conhecimento. O mero escape do
cotidiano massacrante, por meio da leitura, exercício muito mais sutil e
muito mais complexo do que, por exemplo, o comportamento passivo diante
da tevê, já representaria uma vitória cultural sem precedentes. Mas
essa afirmação não exclui o fato de que há, sim, níveis de leitores:
entre o leitor que se dedica exclusivamente a romancinhos medíocres ou
livros de autoajuda e o leitor que aprecia Homero, Dante, T. S. Eliot,
Hemingway e Henry James há enorme diferença.
Qual a principal diferença entre esses leitores?
Essa diferença não se restringe à qualidade dos leitores ou do próprio
ato de ler, mas se reflete na vida do leitor. O segundo leitor, capaz de
dedicar-se a autores que exigem apreensão mais trabalhosa, certamente
será capaz de distinguir na realidade, na convivência social, matizes
que o primeiro leitor não perceberá ou demorará a perceber.
Por que ler os clássicos é tão importante para a formação?
Um clássico é uma obra que demonstra a maturidade do seu autor.
Maturidade mental, de costumes, no uso da língua e, portanto, na
elaboração do seu estilo. São “virtudes” apontadas por T. S. Eliot.
Acrescento a elas também o caráter universal dessas obras, ou seja, a
possibilidade de serem lidas e compreendidas por todas as culturas — o
que Eliot chama de “ausência de provincianismo”. Ou seja, um clássico é
uma obra que ultrapassa seu tempo, não por ser de vanguarda, mas porque
seu conteúdo trata de questões que são essenciais para o gênero humano.
Podemos, dessas características, depreender a importância de ler os
clássicos: esses livros apresentam as paixões humanas sem esquematismos,
sem moralismos, de forma intensa e original. São obras abertas à
complexidade do homem, do mundo, da história. São obras nas quais o
leitor sempre poderá encontrar uma explicação para o sentido da sua
própria vida, que sempre ajudarão o leitor a enfrentar o complexo
exercício de viver — e também divertem, empolgam, emocionam. Livros
assim provocam efeitos singulares na mente dos leitores. Marcam nossa
vida. Iluminam nossa vida.
Só o grande romancista, ao
investigar a complexidade da existência humana, torna presente, para o
leitor, o homem integral, o homem dividido, o homem que se interroga. Um
Proust coloca no bolso do colete cinquenta, cem, duzentos pretensos
intelectuais.
Rodrigo Gurgel
Redes sociais podem ser consideradas bons espaços para a formação de um leitor?
Não. Uma rede social é apenas o que seu próprio nome expõe: um
entrelaçado de relações sociais que se formam e se desfazem no contexto
de diferentes espaços virtuais. São ótimas redes de comunicação, de
troca de ideias. Mas são ótimas também para desviar nossa atenção e
impedir que nos tornemos bons leitores, que leiamos o que realmente
importa.
É uma batalha inglória a das livrarias contra os sites de download gratuito de livros?
Não creio. O livro assumiu, em nossa cultura, um papel crucial — e
mantemos com ele uma relação sensorial e, ao mesmo tempo, de confiança
no seu poder de preservar a cultura e abrir, de forma constante, novas
perspectivas de estudo, de conhecimento. Eu próprio utilizo diferentes
aparelhos para leitura de e-books, mas o contato com o livro permanece
insuperável — em termos de prazer, de facilidade de acesso e de
indexação do conteúdo estudado. Considero o livro um objeto de riqueza
inesgotável.
É bom que intelectuais ocupem os primeiros lugares em vendas de livros?
Precisaríamos, antes de tudo, definir o que é um “intelectual”, tarefa
que escapa ao objetivo desta entrevista. Depois, seria indispensável
classificar esses intelectuais, buscando discernir quais realmente
exercitam seu intelecto na busca da verdade e não se refestelam na
segurança dos discursos ideológicos ou dos lugares-comuns das
panelinhas. Mas essa tarefa também é impossível neste espaço. Resta-me,
portanto, aguardar pelo tempo em que teremos nossos melhores romancistas
ocupando os primeiros lugares desses rankings, porque intelectuais e
filósofos de autoajuda não chegam aos pés de um grande romancista. Só o
grande romancista pode oferecer acesso à vida iluminada, à exploração da
nossa própria intimidade, das nossas lutas individuais e coletivas. Só o
grande romancista, ao investigar a complexidade da existência humana,
torna presente, para o leitor, o homem integral, o homem dividido, o
homem que se interroga. Um Proust coloca no bolso do colete cinquenta,
cem, duzentos pretensos intelectuais. É o que falta ao Brasil: mais
romances, mais ficção, ou seja, mais vida, mais experiências éticas — e
menos especulações intrincadas e artificiosas. Precisamos de romancistas
que presentifiquem, diante do leitor, a riqueza da vida — e não de
pretensos intelectuais que vivem supondo o que deve ser a vida segundo
esta ou aquela ideologia.
Qual seria a sua definição de intelectual? Ainda que uma definição breve…
Nossa ideia de intelectual está, desgraçadamente, presa à do acadêmico —
quase sempre um sociólogo — que, figura carimbada dos programas
jornalísticos, aparenta ter uma opinião formada sobre os mais variados
assuntos. Contudo, nada pode estar mais distante da vida intelectual do
que esse esse falso expert que tem soluções mágicas para todos os
problemas. Um intelectual é alguém que, ao mesmo tempo, se interroga e
interroga o seu tempo; questiona-se e questiona a sua cultura, os
valores da sua época, as escolhas e o modo de viver dos seus
contemporâneos; investiga o que o passado nos legou e realiza o diálogo
crítico entre essa tradição e o presente. Ou seja, ele transcende a
ordem imediata das coisas e busca a verdade que nasce desse diálogo com o
conhecimento universal, com a inteligência. O comentarista da tevê ou
do rádio é, quase sempre, o servidor de um partido ou de uma ideologia —
ele se traveste de intelectual, mas, por ser quem é, só consegue
repetir fórmulas prontas, tem o desempenho de um ilusionista das
palavras. O verdadeiro intelectual está em busca de respostas que
independem da ideologia dominante ou dos modismos acadêmicos. O que ele
busca é um encontro pessoal com a verdade.
Não é possível levar em conta que tais livros, os do topo dos
rankings, sejam considerados uma porta de entrada ao universo dos
clássicos, por exemplo, ou de obras mais densas?
Tudo é possível. Alguém que hoje lê o repetitivo e pegajoso autor de
vinte manuais de autoajuda pode, amanhã, motivado pelas mais diversas
influências, ler Platão ou Cecília Meireles. Mas, perceba: estamos no
campo do que é possível, do que pode ou não ocorrer, daquilo que é
eventual. Um acaso feliz é sempre bem-vindo, mas continua sendo um
acaso.
Acredita que há uma demanda para boas discussões literárias e filosóficas?
Sempre haverá. É assim desde que o homem é homem.
A pergunta de 1 milhão de dólares é então como torná-las
viáveis para quem fala, ou seja, os escritores e comentadores; assim
como para quem ouve, leitores, público em geral?
Mas as boas discussões — e também as inúteis — já são exequíveis e
permanentes. Hoje, a Web antecipa e realiza as discussões, predispondo
seus participantes ao encontro real, físico. Todas as condições estão
dadas. Talvez o que falte, como sempre faltou em muitos projetos, é uma
vontade de concretização, uma predisposição ao ato de consumar, em
termos concretos, o que se realiza via internet. Falta o que sempre
faltou aos sonhos que não se realizaram: vontade e coragem. Mas falta a
alguns. A outros, sobra.
O politicamente correto em sala de aula pode causar danos irreparáveis a curto, médio ou longo prazos no leitor?
O politicamente correto já causa danos irreparáveis. Neste exato
momento, em milhares de salas de aula, no mundo inteiro, crianças são
condicionadas a acreditar, por exemplo, que o sexo das pessoas é uma
escolha meramente cultural e não uma imposição biológica. Milhões de
crianças aprendem que Che Guevara foi um herói e não um criminoso. Ou
seja, milhões de crianças são treinadas para desconhecer a realidade e
acreditar numa fantasia ideológica. Este já é um “admirável mundo novo”.
E nós, que ainda enxergamos a realidade, somos considerados
“selvagens”.
Se a sala de aula não abrir espaço para a discussão de ideias, quem abraçará essa demanda ou ela tende a deixar de existir?
Tenho sérias dúvidas em relação ao papel e à importância da escola. Um
mero sistema de alfabetização jamais assegurou, como pretendiam os
revolucionários de 1789, a criação da verdadeira cidadania, do
verdadeiro senso crítico. O que vemos são milhões de alfabetizados
ignorantes sendo pastoreados por demagogos e populistas. Na verdade, a
escola, em todos os níveis, oferece muito pouco. A escola sempre
ofereceu e sempre oferecerá apenas o suficiente para, na maioria dos
casos, formar cidadãos submissos ao Estado e à ideologia dominante. Olho
para minha própria formação e vejo uma evidência muito clara: se não
fosse o impulso constante da minha família, principalmente as
intermináveis discussões que mantive com meu pai, e meu desejo de
conhecimento, minha voracidade de leitor, eu seria apenas mais um idiota
útil — bem alfabetizado, mas idiota. Da mesma forma, quando olho o
passado e revejo meus professores, quantos permanecem, quantos realmente
me marcaram? Dois ou três, no máximo.
Uma explosão de cores! Força, dinamismo, originalidade... Em uma palavra... audácia! Assim é a pintura de Spiga. Criação que nos remete às vicissitudes e agruras da vida, às dificuldades, mas sobretudo ao gesto transversal da vida, a vida levada aos extremos, engolida aos grandes pedaços; com uma garra inquebrantável...
Pigmentos sobre pigmentos. A mancha do “deformismo” – palavra criada pelo próprio artista – que enlaça e desenlaça ao mesmo tempo... Criatura e criador num só universo; interagindo como numa dança que pode ser tanto o balé clássico como uma festa do congado, passando pelo frevo pernambucano ou pelo samba de uma escola de samba carioca. A composição é fluída, é sempre fluída, sempre nos leva de uma ponta a outra da tela, em expressividade fora do comum.
A cor é o próprio tema de muitas composições do artista, como em Paul Klee e em Miró. E são cores intensas, como em Kandinsky. Mas que não se engane quem vislumbra suas peças: Spiga é original, não há nem nunca houve igual... Autodidata por natureza, vocação e escolha própria, o pintor não se inspira em nenhum outro. “Sou adepto de minhas criações”, dispara certeiro quando perguntado sobre alguma influência. Para ele, “a arte não tem restrição.” E tudo pode ser testado, experimentado, questionado e... deformado. “Quero encontrar um ponto entre o abstrato e o deformismo”, conclui mais longamente sobre obras atuais.
Spiga tem uma trajetória muito rica de 45 anos na pintura! Sua maestria das formas, cores e linhas transpassa cada pincelada, cada mirada ao longo da criação... E nada escapa ao seu olhar...
Juazeiro do Norte, cidade dos romeiros de Nossa Senhora das Candeias, possui uma nova/antiga luz, a luz de Spiga, filho querido do Ceará, que ilumina e engrandece o olhar de quem se detém em suas criações... Longa vida ao nosso experimentador/artista/pintor do alto de sua maturidade artística!
Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
Contatos com o artista:
Telefone : (88) 988072953
Atelier: Rua Pio X 937 – Centro – Juazeiro do Norte, Ceará
Linhas, cores,
formas, pontos, tudo que envolve uma composição de artes visuais precisa,
necessita, requer, pede um porquê; não só um significado, mas um porquê. Não estou com isto querendo valorizar o
império do funcionalismo ou da funcionalidade... Não, longe disso. O porquê estético é tão bom – ou até melhor,
na maioria das vezes ou em grande parte das vezes – do que o porquê funcional quando
se trata de arte.
Como uma linha
será: sinuosa, reta, grossa, fina, leve, pesada, rápida, lenta, elétrica,
serena, são todas questões também de suma importância para o artista que se
debruça sobre sua obra.
Significado e
significante estão entrelaçados insofismavelmente, mesmo que não nos reportemos
à semiótica. A composição, seja ela qual
for, possui forças que guiam o olhar do observador, de dentro para fora, de
fora para dentro, da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, no
sentido horário, no sentido anti-horário.
Em n direções. Contrastes e
semelhanças, proximidade e distância influenciam essa trajetória da visão. E para que esse caminho visual possa se dar
com mais ou menos autenticidade, com mais ou menos beleza, com mais ou menos
força, o significante necessita ter relação direta com o significado. No design gráfico, o conceito: forma e
conteúdo. Nas artes plásticas, a expressividade: fatura e poética.
Nesse sentido,
pesquisar as artes visuais pressupõe um olhar direcionado e atento ao que
queremos, desejamos ou ansiamos como artistas para que não nos contentemos com
o início ou o meio da jornada, mas cheguemos ao seu final para completar nossa
visão autoral de forma plena.