Alguém e ninguém
Tentando
justificar a ausência de escritores liberais e conservadores na Festa
Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano, assim se
pronunciaram seus mais destacados representantes:
Miguel Conde, curador: "Não acho que escritores associados à direita sejam numerosos. Tenho até dificuldade em pensar em nomes."
Sérgio Miceli, membro da principal mesa de debates: "Bons pensadores à direita são peça rara no País."
Milton Hatoum, conferencista encarregado da palestra de abertura do
evento: "De escritor importante no Brasil, não me lembro de nenhum de
direita."
Dada a relevância dos personagens, não creio exagerar ao supor que suas
opiniões e seu nível de cultura exemplificam a média dos participantes,
excetuada a hipótese, hedionda mas plausível, de que ela vá daí para
baixo.
Nesse sentido, a FLIP é a mais espetacular amostra viva da completa
destruição da alta cultura no País, substituída pela tagarelice
autopromocional de usurpadores e carreiristas barbaramente incultos e
infinitamente presunçosos, cuja sobrevivência no cenário intelectual se
deve tão e somente a três fatores: (1) proteção governamental, (2)
interbadalação mafiosa, (3) sistemática e preventiva exclusão dos
adversários reais e possíveis.
O fator 3 vem sendo aplicado com tal perseverança, que acabou por moldar
a cabeça dos seus mesmos praticantes. Primeiro eles se recusam a falar
de um autor, depois concluem, do seu próprio silêncio, que ele não
existe. Sua regra áurea é o argumentum ad ignorantiam: “Tudo aquilo que
não sei ou esqueci é inexistente, nulo ou irrelevante.”
Os três citados mostraram mais ignorância da cultura brasileira do que
se poderia tolerar – mas não aprovar – em alunos de ginásio.
Não vou discutir com esses palhaços. Vou fornecer ao leitor um breve
mostruário daquilo que eles, tomando a sua própria ignorância como
medida da realidade, dizem ser inexistente ou quase.
Eis aqui, colhidos a esmo, uns poucos nomes de escritores e outros
intelectuais brasileiros de ontem e de hoje, todos mais do que
consagrados (muitos internacionalmente), tidos como "de direita", seja
por eles próprios, seja por seus detratores esquerdistas: Afonso
d’Escragnolle Taunay, Alberto Oliva; Ângelo Monteiro; Antônio Olinto;
Antônio Paim; Arthur César Ferreira Reis; Augusto Frederico Schmidt;
Bruno Garschagen; Bruno Tolentino; Carlos Lacerda; Cornélio Penna;
Demétrio Magnoli; Denis Rosenfield; Diogo Mainardi; Dora Ferreira da
Silva; Eduardo Gianetti da Fonseca; Eduardo Prado; Eugênio Gudin;
Gerardo Mello Mourão; Gilberto de Mello Kujawski; Gilberto Freyre;
Gustavo Corção; Heitor de Paola.; Heraldo Barbuy; Ignácio da Silva
Telles; Irineu Strenger; Ives Gandra da Silva Martins; João Camilo de
Oliveira Torres; João de Scantimburgo; Joaquim Nabuco; Jorge Caldeira;
José Américo de Almeida; José Guilherme Merquior; José Osvaldo de Meira
Penna; Josué Montello; Júlio de Mesquita Filho; Leonardo Prota; Leonel
Franca (Pe.); Lúcio Cardoso; Luís Viana Filho; Luiz Felipe Pondé;
Machado de Assis; Manuel Bandeira; Maria José de Queiroz; Mário Ferreira
dos Santos; Mário Guerreiro; Mário Vieira de Mello; Maurílio Penido
(Pe.); Miguel Reale; Milton Campos; Nelson Rodrigues; Nicolas Boer;
Octavio de Faria; Oliveira Lima; Oliveira Vianna; Otto Maria Carpeaux
(primeira fase); Paulo Francis (segunda fase); Paulo Mercadante; Paulo
Ricardo de Azevedo (Pe.); Pedro Calmon; Percival Puggina; Plínio
Barreto; Rachel de Queiroz; Reinaldo Azevedo; Renato Cirell Czerna;
Ricardo Velez Rodriguez; Roberto Campos; Roberto Fendt Júnior; Rodrigo
Gurgel; Romano Galeffi; Roque Spencer Maciel de Barros; Ruy Barbosa;
Vicente Ferreira da Silva; Vilém Flusser e Wilson Martins.
Faço a lista no improviso e de memória, porque tenho alguma e porque
estudei. Os anões da FLIP não sabem nada; não são intelectuais exceto no
sentido muito elástico e gramsciano do termo, isto é, agentes de
organizações de esquerda encarregados de "ocupar espaços" na mídia, nas
universidades e no movimento editorial e ali abrir vagas para os seus
parceiros de militância, vetando o acesso de candidatos politicamente
indesejáveis.
O establishment esquerdista recompensa-os generosamente, ao ponto de
induzir cada um deles à ilusão de que é mesmo – como diria Léon Bloy –
"aquilo que se convencionou chamar de alguém" – e de que tudo o mais é
apenas um vasto ninguém.
Mais que um simples escândalo literário e editorial, a FLIP deste ano é
um delito de malversação de dinheiro público do governo do Rio de
Janeiro, da Embratel, da Petrobras e da Eletrobras. Pessoas que
desconhecem a cultura brasileira não têm nenhum direito de representá-la
e de ser subsidiadas para isso pelos já tão espoliados e exaustos
contribuintes. A FLIP não é um acontecimento da esfera intelectual, é só
mais um episódio banal da corrupção avassaladora que tomou conta deste
país.
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
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