quarta-feira, 15 de novembro de 2017

ARTE-ENLEVO . 400 curtidas

E chegamos às 400 curtidas na página do facebook. É um prazer e uma honra contar com a presença de vocês na minha página ARTE-ENLEVO. Em breve teremos novidades. Estou aguardando receber o registro de direitos autorais de um texto que segue abaixo. Um grande abraço a todos. Paz e luz.



ARTE-ENLEVO

A arte-enlevo propõe uma arte em que se transpasse o atributo de ser simplesmente arte da prática artística.  A arte-enlevo transpassaria a condição de arte porque estaria em dinamicidade com expressões artísticas no êxtase, no enlevo.  Propõe o elevar de mentes, consciências e espíritos tanto na pura crítica reflexiva, quanto no puro deleite de sensações e em âmbitos de maior apreciação estética plena.

Arte-enlevo, arte egóica e arte da neutralidade

Como havia diferenciação entre a serpente boa e a serpente má entre povos da Antiguidade, particularmente no Egito Antigo, entre boa e má arte, é lógico, há uma grande diferença.  Entre o Agathodaemon e o Kakodaemon, a serpente boa e a serpente má, segundo Blavastky no livro A Doutrina Secreta, ocorrem diferenças enormes.
Só na Idade Média passou-se a considerar as serpentes exclusivamente como más, como símbolos do mal.  Mas como os povos antigos chamavam os grandes sábios de serpentes ou dragões, hoje os grandes mestres, artistas, atletas ou intelectuais, por vezes, são chamados de “monstros sagrados”.  Por que serpente ou dragão?  Por que “monstro sagrado”?  Porque havia pensadores gregos que usavam a metáfora de comer o coração e o fígado das serpentes para adquirir a sabedoria, advinda da própria lenda ou mito ou construção filosófico-religiosa de Adão e Eva no Paraíso e as suas quedas por meio da maçã oferecida pela serpente à Eva.  O conhecimento do bem e do mal.  Suas palavras foram tomadas como verdadeiras e o sábio tem seus ensinamentos consumidos – ou assimilados – pelos adeptos para adquirir a sabedoria.
A arte egóica se contrapõe diretamente ou indiretamente à arte-enlevo.  É a arte em estado isolado, o sonho profundo, a escuridão, a inércia.  A arte da neutralidade como o próprio nome diz, propõe relações de troca entre o elevado e o negativo, entre o ego e a aniquilação do ego, sem opôr-se nem a um nem a outro.  Freneticamente ela propõe a atividade, seja essa atividade voltada para o elevar-se ou voltada para a baixeza, ao mesmo tempo, ou ora para um lado, ora para outro lado. 
Tamas (arte egóica), Rajas (arte da neutralidade) e Sattva (similar ou igual à arte-enlevo) seriam as correspondências dessas classificações de acordo com a Ayurveda em conjunto com a consciência elevada ou consciência cósmica, apontada por orientalistas e adeptos de religiões orientais e pensadas artisticamente, segundo nossa visão.
A arte egóica se concentra, em grande parte de sua atuação, no grotesco e no espalhafatoso, no exagero e na ilusão.  Mais comumente encontrada em obras de arte da arte pop e do mid-cult, mas pode ser encontrada até no cult e no erudito, quando pensamos em certas “degenerações” desse próprio movimento sem direção das elites/vanguardas ou pseudo-elites/vanguardas.
A arte da neutralidade se concentra, na maioria das vezes, em dubiedades e em subjetivismos, em conexões e em velocidades.  Mais comumente encontrada em obras de arte do cult e do mid-cult, mas pode ser encontrada, também, tanto na arte pop quanto na arte erudita, senão totalmente, mas parcialmente.
A arte-enlevo, por sua vez, se concentra na pureza e no equilíbrio, na vigília e na causa.  Mais comumente encontrada na arte erudita, mas pode igualmente ser encontrada no cult e no mid-cult, novamente salientando-se que nem sempre de forma total, mas apenas parcialmente.
Em nada interfere na qualidade de uma obra de arte ser erudita ou arte pop, cult ou mid-cult.  Dentro das proximidades ou afastamentos da cultura dita oficial ou do status quo, percebe-se uma grande mescla entre tais classificações.  Porém, não se pode deixar de dizer que a recorrência da arte-enlevo na arte erudita em muito a torna “recomendável” ou “preferível” frente a qualquer outra expressão de nível “inferior” como o cult, o mid-cult e a arte pop.

Relações de contato da arte-enlevo

A arte visionária pretende lançar mão de visões com experimentos em estados não-ordinários de consciência (ENOC) traduzidas para as artes visuais. A literatura do maravilhoso pretende mostrar o mágico e o místico com a rica realidade numa epifania individual. Qual a relação entre essas diversas tendências – e muitas outras – e a arte-enlevo?  A resposta, seja ela qual for, deve se situar num lugar de meio termo entre o transe meditativo e a imaginação espiritual sem ter tais elementos como definidores de sua poética e sem negá-las ao mesmo tempo. A rigor, a arte-enlevo possui relação direta ou indireta com a espiritualidade. O espiritualismo ou a espiritualidade evoca sensações, devoções e práticas muitas e desemboca, artisticamente, em estados poéticos vários, com n matizes, desde o misticismo xamânico até o pietismo religioso, de modo amplo.  Mas não usa de métodos quaisquer para os experimentos em ENOC que desembocarão em arte, como na arte visionária.  Para a arte-enlevo, o método para ser suscitador realmente de enlevo, tem que ser natural: meditação, mantra, oração, recitação, tai-chi-chuan, yoga mas não jejum, nem uso de psicoativos ou drogas, com exceção das usadas nas seitas Santo D´aime ou União do Vegetal, que possuem um contexto espiritual em torno do ingerir substâncias próprias, em determinados ambientes espiritualizados e com acompanhamento adequado. A bem da verdade, a exceção é apenas uma espécie de “desencargo de consciência”, porque este autor que fala não experimentou nem pretende experimentar nenhuma substância “para ter visões” ou para “expansão de consciência” em tempo algum.  Também, por outro lado, não faço nenhum favor a ninguém de registrar tal exceção, visto que as crenças e os tipos de crença são diversos e vários em suas formas e, inclusive, em sincretismos muito afeitos à brasilidade e à nossa realidade contemporânea mundial.
                De modo que, a arte-enlevo pode suscitar realidades no terreno da arte visionária e do maravilhoso, sem ser ou tornar-se, propriamente, arte visionária ou literatura do maravilhoso, sendo mais voltada a uma experiência estética que, generalizante ou generalista, por natureza, não se atêm a uma independência ou subjetividade própria, inerentes. Ao contrário, pode se juntar e/ou se plasmar com outras tendências – desde o anti-design, na comunicação visual até o neoísmo na experimentação artística e cultural; desde o expressionismo abstrato até a literatura fantástica – sem deixar de apresentar ou demonstrar sua preocupação maior em elevar mentes, consciências e espíritos. Sendo esta característica presente como a mola propulsora ou a pedra de toque do processo criativo ou ainda, o alvo a ser alcançado no resultado final da sua prática e teoria. Em qualquer desses três momentos a arte-enlevo propõe o espiritualismo, em essência, mas não descarta o materialismo sendo, nesse sentido, um ponto de contato entre o planejamento (projeto), prática (práxis) e teoria (conceito) no qual a arte possa ser plenamente vivenciada numa apreciação rica e elevada – necessariamente rica em desdobramentos e elevada em apreciação – que possa torna-la próxima do mid-cult, do cult, do erudito e da pop art, sem ser ou tornar-se, totalmente, qualquer uma dessas classificações.
                  Também não será arte objetiva ou arte sacra, no sentido espiritual do termo e nem arte-terapia ou arte-educação porque não possui compromisso com as agendas terapêuticas, espirituais ou educacionais de modo estrito. No entanto, apresenta um víés de exploração filosófico que, se não é açambarcante, em termos totalizantes, é, ao menos, realizado em primeira instância, a partir desse pensamento: dos “porquês”, dos “comos”, dos “ondes” e dos “quandos” no terreno da apreciação que suscita realidades ou que possa suscitar realidades questionadoras e de impulso ao elevar de apreciações antes ocultas e/ou ausentes do rol de percepções do homem e da mulher contemporâneos.
Por exemplo, porque não buscar compreender, artisticamente:

. O conceito de virgindade como sendo o olhar do ato amoroso (sexual) como a primeira vez e não como a ausência de prática amorosa (sexual).
. O conceito de alma-mundo como experienciar do planeta Terra do qual fazemos parte inextricavelmente.
. O conceito de honra, dignidade e valores como sendo inerentes aos seres humanos e não como “adendos” que nos são negados, muitas vezes, no mundo contemporâneo.
. O conceito de beleza, bondade e verdade como poética da vida e não como ideais que nada significam – ou significam muito pouco – para o cidadão médio e mesmo para muitas elites.
. O conceito de compaixão e de caridade como verdadeiras aventuras espirituais e/ou religiosas que levam a um aprofundamento da fé verdadeiramente e não como meros instrumentos apaziguadores ou atenuantes para a consciência pesada ou má consciência da classe média ou de muitas elites.
. O conceito de contemplação e do transcender definido como o sentir e o estar no mundo e não como um breve momento que é intercalado pela maior parte do dia, corrido e cheio de urgências.

                   Os exemplos citados são considerações pessoais minhas e podem, logicamente e subjetivamente, variar conforme a individualidade de cada artista.
                   Tais conhecimentos ou considerações ciclicamente desaparecem ou reaparecem das percepções humanas de tempos em tempos e podem ser mais facilmente ou mais dificilmente acessadas por estéticas artísticas e culturais, por pensamentos filosóficos e morais ao longo das épocas. A arte-enlevo propõe a permanência de temas, estilos ou tendências de atitudes “fora de moda” ou “fora de contexto” no arsenal estético artístico, independente da classificação ou denominação da vertente utilizada, mesmo se tais atitudes e/ou pensamentos não forem diretamente ou claramente identificáveis em determinada obra de arte.

Mauricio Antonio Veloso Duarte (Swami Divyam Anuragi)



quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Retrato de Hieronymus Holzschuher





Albrecht Dürer 



Retrato de Hieronymus Holzschuher
Óleo s/ tela
48 x 36 cm
1526
Galeria de Pintura Dahlem
Museu de Berlim
Berlim

Sufismo

Capítulo 11

Sufismo



A única religião no mundo em que devemos concluir, antes de examinar, que o espírito panteísta foi impossível, é a religião de Maomé.  O islamismo é repelente à toda especulação sobre Deus, e a todo exercício de razão em relação pertinente a fé.  O supremo Deus do profeta árabe não é um ser do qual todas as coisas emanaram e de quem todos os homens servem por contemplação, mas uma vontade absoluta da qual toda criação deve obedecer.  Ele está separado de tudo, acima de tudo, o regulador de todas as coisas, soberano real de todo o universo.  Foi a missão de Moisés ensinar a unidade de Deus em oposição à idolatria das nações que, colocando o culto da natureza, têm posto a criatura no lugar do criador.  Para isto, todas as imagens do divino Ser foram esquecidas para os hebreus, já que seus profetas fizeram uso de todas as glórias da criação para estabelecer a majestade divina e o esplendor de Deus.  Suas carruagens estavam em fogo.  Ele andava nas asas do vento.  Ele se vestia de luz como traje.  Ele estava no céu e na terra, e nas partes mais longínquas do mar – sim, até no inferno.  Nem a matéria, nem o sofrimento, nem a impureza o excluem de qualquer região do universo.  Jesus Cristo, até mais do que os profetas hebreus, dirigiu seus discípulos para o mundo natural, no qual ele mostrou o Pai; nem ele hesitou apontar os objetos naturais como símbolos de Deus e emblemas de sua glória.  São João nos diz que o arrebatamento com o qual ele se enlevou foi para repetir a mensagem que ouviu de Jesus de que “Deus é Luz.”, e estabelecer que a divindade do Logos, ele pronunciou sua luz a ser “a vida dos homens” O maometismo foi ainda mais claro em sua doutrina da divina unidade do que o judaísmo ou o cristianismo, e mais rígido também do que essas religiões, em excluir a natureza de qualquer lugar na religião. Ele não reconhecia símbolos.  Ele não aprendia nada de Deus pela criação.  O Supremo Um tinha falado por seu profeta, e sua palavra era a essência da religião. De novo, o maometismo é uma religião de dogmas e cerimônias.  Ele permanece na autoridade.  Suas doutrinas são definitivas.  O Corão é infalível; as palavras não são apenas inspiradas, mas ditadas no Céu. Encontrar o panteísmo no maometismo é achá-lo num sistema no qual, entre todos os outros, esse espírito é o mais alienígena.  Mas nele há, como em todas as outras religiões, aqueles que têm a ortodoxia para defender por doutrinas e por cerimônias, que repousam implicitamente na autoridade de uma pessoa, um livro, uma igreja; e aqueles com um espírito livre, que demandam o exercício da razão, a procura por intuições divinas e almas individuais.  Uns dizem que a religião é uma doutrina; os outros que é uma vida. Uns dizem que Deus falou a alguns no passado; os outros dizem que ele está falando conosco agora.  A última classe é representada no maometismo pelos sufis, que são seus filósofos, seus poetas, seus místicos, seus entusiastas.  Mostrar uma história deles não é fácil, já que estão divididos em muitas seitas, nem é menos difícil achar suas origens e a genealogia das suas doutrinas.  Autores maometanos admitem que havia sufis nos primeiros tempos da sua origem, provavelmente contemporâneos ao próprio profeta. Alguns traçam a origem dos sufis à Índia e identificam-nos com as seitas místicas do brahmanismo.  Outros encontram no sufismo remanescente inescrutáveis da antiga fé da Pérsia.  Essas são as mais prováveis hipóteses.  O espírito do parseísmo que sobreviveu depois da vitória da fé maometana, de novo renasceu, e seguiu uma lei, que pode ser traçada, em muitos casos similares, dando nascimento ao puritanismo (sufi significa puro) do maometismo.  Os sufis pensam que acreditam como Maomé, e gostariam de provar que ele era também um sufi – um esforço cujo estabelecimento disto para todos parece impossível, menos para eles. “Sufismo” diz um autor inglês, “surgiu do seio do maometismo como um vago protesto do espírito humano, em sua intensa jornada, depois de uma doutrina pura.  Em certas passagens do Corão os sufis erigiram seu próprio sistema professando tanto a reverência à sua autoridade quanto uma revelação divina, mas na realidade, substituindo-a pela voz oral do professor, ou os sonhos secretos do místico.  Insatisfeito com a árida letra do Corão, o sufismo apela para a consciência humana e, dela, seu natural sentimento para buscar antes esperanças nobres do que um grosseiro paraíso maometano possa preencher.”
“O grande criador”, diz Sir John Malcolm, “está, de acordo com a doutrina dos sufis, difuso em toda a criação.  Ele existe em todo lugar e em tudo.  Eles comparam a emanação da sua divina essência ou espírito aos raios do sol, que eles julgam, que são continuamente arremessados para fora e reabsorvidos.  É pela reabsorção na divina essência, a qual sua parte imortal pertence, que eles continuamente sinalizam.  Eles acreditam que a alma do homem e seu princípio de vida que existe entre toda natureza, essas doutrinas que seus adversários seguem são as mais profanas, porque calcularam estabelecer um degrau de igualdade da natureza entre o criado e o Criador.”
Essa breve descrição não apenas declara totalmente o caráter das doutrinas dos sufis concernentes a Deus, mas também apontam, ao mesmo tempo, para sua origem pela ilustração do sol e seus raios.  Deus é luz e essa luz é tudo o que é.  O mundo fenomenal é mera ilusão, uma visão que os sentidos levam a algo, mas que é nada.  Todas as coisas são o que são por uma necessidade eterna, e todos os eventos são tão predestinados que a existência do mal é impossível.  A esse respeito, algumas das seitas sufis manifestam um fanatismo selvagem que foi causa de serem consideradas ilegais, mas, com maior frequência, esse caráter apenas os deu o apelido de místicos extravagantes.  Nós viemos de Deus e nós iremos, ao final, retornar a ele de novo, este é o clamor incessante.  Mas enquanto ocorre a separação de Deus, que eles consideram a pior das misérias, eles garantem que a alma do homem tem sido dividida de Deus.  As palavras “separado” e “dividido” podem não corresponder ao significado das palavras persas, nem tornar claro para nós, a distinção que é intenção e deve ser seguida.  Quem sabe, há aqui, logicamente, uma contradição; porque uma vez é declarado que Deus criou todas as coisas por seu sopro e tudo, apesar disso, é ambos, Criador e criatura; e, noutra vez, que essa unidade de Deus e da criatura é limitada à alma iluminada.  A dificuldade é esta que nós já encontramos antes, e, embora admitamos que há inadequação das palavras, nós podemos ainda entender ou, ao menos, conjecturar o significado.  Ser reabsorvido à essência gloriosa de Deus é o grande objetivo do sufi.  Para alcançar esse meta ele tem que passar por quatro estágios.  O primeiro é o de obediência às leis do profeta.  O segundo é o do estado de batalha espiritual ligado através da obediência quando ele vive mais no espírito do que na letra.  No terceiro ele chega ao conhecimento e é inspirado.  No quarto ele se liga à verdade e é completamente reunido com a Divindade.  Nesse estado ele perde toda vontade e personalidade.  Ele não é mais criatura, mas Criador, e quando ele cultua Deus, é Deus cultuando a si mesmo.
O recente trabalho do Professor Palmer diz que esse sistema dos sufis é uma viagem para reconciliar filosofia com religião revelada.  Ele o chama de doutrina esotérica do islamismo e encontra algo de sua fundação no Corão, embora admitindo que o Corão não tem tendência ao panteísmo.  Ele descreve isto como o culto do bem e da beleza, o triunfo da alma sobre o domínio dos sentidos, e ele espera que no futuro, tenha tempo para ser capaz de provar que isto foi realmente o desenvolvimento da primavera religiosa da raça ariana.  Os sufis dizem que não há caminho do homem a Deus, porque a natureza de Deus é ilimitada e infinita.  O Corão diz que ele comporta tudo e não há um só átomo em que ele esteja ausente.  Outra seita que o Senhor Palmer distingue dos sufis, mas que parece ser essencialmente a mesma, diz que não há caminho do homem a Deus, porque não há existência independente de Deus.  Nem poderia haver, porque o que realmente existe é a própria existência e, além de tudo, é Deus.  Quando o homem imagina que ele tem uma existência diferente da existência de Deus, ele cai num erro grosseiro e em pecado, e ainda, esse erro e esse pecado são o único caminho do homem para Deus.  Até que isto seja ultrapassado, o outro estágio não pode ser alcançado.
Um poeta sufi diz:
“– Plante um pé no pescoço de si mesmo,
O outro o domínio do vosso amigo,
Em tudo sua presença vê,
Para outra visão é fútil.”

Enquanto o homem olha para si mesmo não pode ver Deus, mas quando ele não está procurando a si mesmo, tudo que ele vê é Deus. (Misticismo oriental por E. H. Palmer)
Dr. Tholuck no seu livro “Sufismos” tem mostrado em muitas passagens de autores maometanos que as doutrinas sufi são idênticas àquelas dos brahmas e budistas, dos neo-platonistas, dos beghards e beguines.  Há a mesma união do homem com Deus, a mesma emanação de todas as coisas de Deus, e a mesma absorção final de todas as coisas na Essência Divina – e isto realiza toda a necessária evolução do Ser Divino.  A criação da criatura, a queda delas, criaturas que se separaram de Deus e o seu final retorno, são todos eventos pré-ordenados por uma necessidade absoluta.  O chefe da escola de filosofia árabe, Gazzali, passou para o lado do sufismo, pela mesma razão que Plotinus permaneceu na sua teologia mística.  Depois de longa inquirição de algum nível superior, com a qual temos a certeza para nos basear em nosso conhecimento, Gazzali desistiu de rejeitar inteiramente toda a crença nos sentidos.  Ele então achou igualmente difícil de se certificar da acuidade de conclusões pela razão, pela qual, quem sabe, ele pensou, alguma faculdade maior do que a razão que, se nós a possuíssemos nos mostraria a incerteza da razão como a razão agora mostra a incerteza dos sentidos.  Ele se perdeu no ceticismo, e não viu nenhuma saída, a não ser a união sufi com a Deidade.  Sozinho, o homem pode conhecer o que é a verdade, se tornando a verdade ele mesmo.  “Ele foi forçado”, ele diz, “a retornar a admitir as noções intelectuais como base de toda certeza.  Isso, no entanto, não foi a razão sistemática e a acumulação de provas, mas um flash de luz que Deus enviou à minha alma.  Por quem imagina que a verdade pode apenas ser tornada evidente por provas, isto dá lugar a uma limitada compreensão da ampla compaixão do Criador.”
Bustami, um místico do século XIX, dissera que ele era um mar sem nenhum fundo, sem começo e sem fim.   Sendo perguntado sobre o que é o trono de Deus, ele respondeu, Eu sou o trono de Deus.  O que é a tábula na qual são escritos os divinos decretos?  Eu sou a tábula.  Qual é o lápis de Deus – com que palavra Deus criou todas as coisas?  Eu sou o lápis.  Quem foram Abraão, Moisés e Jesus? Eu sou Abraão, Moisés e Jesus.  O que são os anjos Gabriel, Michael e Israfil?  Eu sou Gabriel, Michael e Israfil, com os quais vem a verdade do ser absorvido em Deus, e que se torna Deus.  De novo, em outra passagem, Bustami clama, reze por mim, eu sou a verdade.  Eu sou o verdadeiro Deus. Reze por mim, eu devo ser celebrado por reza divina.
Jelaleddin, um poeta sufi, canta sobre si mesmo:

“Eu sou a doutrina, o saltério, o Corão,
Eu sou o Usa e o Lat (divindades árabes), o sino e o Dragão, 
Em dois e setenta seções do mundo dividido,
Ainda assim apenas um Deus, o fiel que acredita nele eu sou,
Vós conhecera o que é o fogo, a água, o ar e a terra,
Fogo, água, ar e terra, tudo eu sou,
Mentiras e verdade, bem, mal, duro e macio.

Conhecimento, solitude, virtude, fé,
O grau mais profundo do inferno, a mais alta tormenta das chamas,
O mais alto paraíso,
A terra e o que ela nos deu,
Os anjos e os demônios, espírito e homem, eu sou;
Qual é o objetivo do discurso, me diga oh, Schema Tebriso?
O objetivo do sentido?  Isto: Eu sou a alma do mundo.”

O senhor Vaughan, em seu “Horas com os místicos”, cita os seguintes versos dos poetas persas: –
“Todas as seitas multiplicam o eu e o vós;
Esse eu e vós pertencem a um ser parcial.
Quando o eu e o vós e vários seres desaparecem,
Então a mesquita e a igreja podem encontrar o nunca mais.
Nossa vida individual é nada mais do que um fantasma;
Faça claro o teu olho, e veja a realidade.” – Mahmud.

“Na terra vós vistes suas ações; mas seu espírito
Fez do céu seu acento, e todo infinito,
Espaço, e ilimitada duração fez seu serviço;
Como os rios do Éden moram e servem ao Éden.” – Mahmud.

“Homem, qual a tua arte que está escondida
Não conhece nada da manhã, meio-dia e da noite,
Todos estão contigo?  O nono céu da arte tua,
E das esferas no rugir do tempo
Caiam antes do enquanto, como a arte do pincel que pinta
As matizes de todo o mundo – a luz da vida
Que dispõe sua glória no nada.”

“Alegria! Alegria! Eu triunfei agora; não mais eu sei
De mim mesmo como simplesmente eu.  Eu queimo com amor.
O centro está em mim, e ele me imagina
repousando como um círculo em todo lugar sobre mim.
Alegria! Alegria! Nenhum pensamento mortal pode me penetrar.
Eu sou o mercador e a pérola de uma só vez.
Uau! O tempo e o espaço repousam abaixados sob meus pés.
Alegria! Alegria! Quando eu iria me divertir num enlevo,
Eu mergulhei em mim mesmo e passei a saber todas as coisas.” – Ferridoddin.

Nós somos idiotas? Nós somos a escravidão de Deus.
Nós somos espertos? Nós somos seu passeio.
Nós estamos dormindo? Nós estamos embriagados de Deus.
Nós estamos acordados? Então nós somos seus mensageiros. 
Nós estamos chorando?  Então somos suas nuvens de ira.
Nós estamos rindo?  Flashes do seu amor.” – Jelaleddin.

Tholuck citou esses versos de um breviário dervixe: –

“Ontem eu bati o tambor-caldeirão do domínio,
Eu elevei minha barraca no mais alto trono,
Eu bebi, coroado pelo Amado,
O vinho da unidade do copo do Poderoso.”

Alguns versos de Jami: “Salaman e Absal” que tem sido recentemente traduzidos para o inglês, podem concluir essa nota sobre os sufis.  O sujeito do poema são as alegrias do amor divino – os prazeres da vida religiosa como oposição às fascinações da vida dos sentidos. No prólogo o poeta nos apresenta a Divindade: –
            “Tempo é de
                Ampliar a beleza perfeita.  Eu seria
Esse amante, e apenas – eu, meus olhos
Lacrados na luz dele, em tudo mais dele,
Sim, na revelação dele mesmo
Perdido e sem consciência do bem e  do mal.
Movendo-se abaixo de todas as formas da verdade;
Abaixo de todas as formas das coisas criadas;
Vendo o que eu vejo, ainda sem discernir
Mas ele em todo o universo, no qual
Vós investes, e através dos olhos
Do homem, o sutil censor escrutina.
Para o Harim em divina dualidade,
Nenhuma entrada acha nenhuma palavra disto ou daquilo;
Do meu separado e derivado self
Faz-se um com o Essencial! Deixe-me nessa sala
Com o divino que não deixa sala para dois;
Em caso de, como simples curdo de quem se fala,
Eu cresça perplexamente, oh, Deus, “eu” e “vós”,
Se eu – essa dignidade e sabedoria donde seriam?
Se de vós – então que abjeta impotência?”

A fábula do curdo é contada em verso.  O curdo, perplexo com os caminhos do destino deixa o deserto para ir à cidade, onde vê as multitudes todas em comoção, todo um ritmo apressado de lá para cá, daqui para lá, em seu negócio especial e seres vestindo roupas de viagem, o curdo se deita para dormir, mas teme por isso, estar entre tantas pessoas que não o conhecem e quando ele acorda, ele amarra uma abóbora em seus pés.  Um patife que o ouviu deliberando sobre a dificuldade de conhecer a si mesmo de novo, pega a abóbora e tira do pé do curdo e a amarra em seu próprio pé.  Quando o curdo acordou, ele estava desorientado, sem saber
“Se eu sou ou não,
Se eu – porque a abóbora está com você?
Se você – então onde eu estou, e quem?”

O prólogo continua: –

Oh, Deus! Este pobre desorientado curdo eu sou,
Há algum curdo que precise de mais ajuda! Oh vós,
Jogue um raio de luz na minha escuridão!
Mude pela graça essas fezes em vinho puro,
Para recrear os espíritos do bem;
Ou se não, ainda, com pequeno copo
Cujo nome eu vou pegar, não encontre proveito,
Passar da salutar vindima ao redor!”

O poeta é respondido pelo Amado: –

“Não pensa mais em rima, mas pensa em mim? –
De quem? – De quem o palácio da alma é,
A casa do tesouro – que nota e sabe
Que virá e sairá quando vier
Para preencher o estranho que foi deportado.
De quem as sombras de reis – cujos atributos
Do tipo deles – suas iras e favores –
Uau! Na celebração da sua glória
O rei, ele mesmo, vem me despir,
E, de repente, me rouba para si.
Onde mais uma vez eu pego – o melhor esquecido –
O campo do verso, o canto de oração dupla,
E nessa memória refresca minha alma
Até que eu compreenda o limite da Divina Presença.”

A seguinte fábula de Jelaleddin vai ilustrar a ideia sufi de identidade que, na imagem do amor, é colocada em Salaman e Absal: “Alguém bateu na porta do Amado; e uma voz perguntou de lá,: “Quem é?” E ele respondeu, “Sou eu”. Então a voz disse, “Essa casa não é suficiente pra mim e tu.”  E a porta não foi aberta.  Então o amante foi para o deserto e rezou em solitude.  E depois de um ano ele retornou e bateu de novo na porta.  E de novo uma voz perguntou,  “Quem é?” E ele disse, “É você mesmo!” – e a porta foi aberta para ele.”

Notas:
Livros que tratam especialmente de sufismo são: “Essai sur les Ecoles Philosophes chez les Arabes” de M. Smoelder; Sufismos de Tholock; “Misticismo Oriental” do Professor Palmer; “A História da Pérsia” de Sir John Malcolm e um ensaio do Professor Cowell em Ensaios de Oxford, 1855.


Livre tradução do livro Pantheism and Christianity de John Hunt . 1884 . Capítulo XI . Sufismo

Visite o site Panteísmo e Cristandade com todos os textos traduzidos: https://sites.google.com/site/pantheismandchristianity/

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

O ciclo cobiça, obtenção, perda e frustração

O ciclo cobiça, obtenção, perda e frustração




O que é o ciclo cobiça, obtenção, perda e frustração?  É uma bola de neve que tendemos a repetir ao longo da vida e que só aumenta se não tomarmos consciência da sua existência. É uma cegueira que nos torna vítimas de nossos desejos sem que possamos perceber o quanto estamos aprisionados sem perspectivas de mudar realmente nossas vidas.
Primeiro, cobiça: Acreditamos cegamente que se sairmos de casa e morarmos em outro lugar, com a nossa namorada, seremos felizes.  Acreditamos que se virmos o último filme do Harrison Ford, seremos muito felizes.  Acreditamos que se nos deliciarmos com aquele sorvete do fast  food, estaremos contentes e felizes.  Nossa meta e objetivo nos deixam cegos e nos levam a cobiçar inconscientemente.  Tornamo-nos apegados às coisas.
Segundo, obtenção: Todas as alegrias desaparecem depois que obtemos o que queríamos, percebemos que conseguir aquele apartamento, aquele filme ou aquele sorvete não nos preenche totalmente. Nada poderia nos preencher totalmente, na verdade.  Sentimos um vazio e tendemos a perder o que conseguimos, de modo a que possamos nos frustrar e partir para a nova cobiça e obtenção, repetidamente.
Terceiro, a perda: Não é o apartamento, o filme ou o sorvete que causam o sofrimento.  Podemos aproveitá-los enquanto estão lá.  É para isto que eles estão lá, para que os aproveitemos enquanto estão lá.  Mas preencher nosso vazio interior com essas coisas nunca vai ser possível.  E o desejo de preencher esse vazio é o que causa a frustração.
Quarto, a frustração: A partir de nossa ignorância e confusão, criamos o sofrimento.  Acreditar que a verdadeira felicidade vem através da aquisição de coisas, vem da obtenção de algum objetivo é o caminho para essa frustração.  Obter um apartamento, ver um filme ou tomar um sorvete não é nossa felicidade como um todo, nem nunca vai ser.  Quando tomamos consciência disto, nossa convicção cega de cobiça nos deixa e quebramos o ciclo repetitivo.
Não há nada de errado em ter um apartamento, ver um filme ou tomar um sorvete, mas ter o apego nessas coisas a ponto de acreditar que se não as tivermos, seremos infelizes, é o caminho para a frustração e a amargura, como já disse.  E se descobrirmos que é ótimo morar com a namorada no novo apartamento, mas seria muito melhor morar numa casa espaçosa com ela?  E depois descobrirmos que seria maravilhoso ter um carro na garagem dessa casa? E se descobrirmos que o novo filme do Harrison Ford é fantástico, mas o que queríamos mesmo é de ir em toda sessão de estreia dos seus filmes?  E se descobrirmos que ir nas sessões de estreia é um must, mas o que queríamos mesmo é ter a coleção de todos os filmes dele em DVD ou Blue-ray?  E se descobrirmos que o sorvete é muito bom, mas queríamos mesmo é tomar um sundae caramelizado?  E se descobrirmos depois que o queríamos mesmo é tomar um super milk shake? E assim por diante.  Nunca para. Nunca para.
Os desejos são fenômenos impermanentes, como dizem os budistas.  Ficar feliz com o que existe, ficar feliz e calmo com o que existe não é comodismo.  É a harmonia interior de aproveitar o momento presente.  Sem o qual, nada nos satisfará, nunca.  Paz e luz.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

Referências:
O Dharma de Guerra nas Estrelas . Matthew Bortolin. Editora Fissus . Rio de Janeiro . RJ , 2005.


Leia mais: http://www.divulgaescritor.com/products/o-ciclo-cobica-obtencao-perda-e-frustracao-por-mauricio-duarte/

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Por que o Brasil não ganha o Nobel de Literatura

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Todo ano quando é anunciado o Nobel de literatura, duas palavras
pipocam: nunca li. Quando vou me informar sobre o vencedor, outras duas
se repetem com incrível frequência: nunca lerei. Os vencedores de 2013 e
2014, Alice Munro e Patrick Modiano, bem, parei em um estágio anterior,
e, admito, muito comum: nunca ouvi falar.


Imperdoável? Jornalista tem esse cacoete de posar de sabichão. A
gente pode nunca ter lido, assistido, ido ou vivido, mas tem que fazer
de conta que sabe de tudo. Pior que nosso vício privado virou virtude
das massas. Com a internet, somos todos pseudo-especialistas
instantâneos em tudo, com direito a opinião sobre tudo, e acalorada e
radical sempre faz mais sucesso.


O prêmio é entregue desde 1901. Li 29 dos vencedores - li alguma
coisa dos 29, para ser preciso, não "a" obra. Para pegar uma amostrinha
recente, no século 21 os vencedores foram:


2017 - Kazuo Ishiguro


2016 - Bob Dylan (nunca li mas ouvi bastante)


2015 - Svetlana Alexievitch


2014 - Patrick Modiano


2013 - Alice Munro


2012 - Mo Yan


2011 - Tomas Transtromer


2010 - Mario Vargas Lllosa


2009 - Herta Muller


2008 - Jean-Marie Gustave Le Clézio


2007 - Doris Lessing


2006 - Orhan Pamuk


2005 - Harold Pinter


2004 - Elfriede Jelinek


2003 - John M. Coetzee


2002 - Imre Kertész


2001 - V.S. Naipaul


2000 - Gao Xingjian


Se sentiu ignorante? Eu sim. Devemos estar perdendo um monte de coisa
boa. Mas a academia sueca também perdeu. Porque quase nenhum dos meus
autores favoritos de todos os tempos ganhou o prêmio.


Kazuo Ishiguro? Quase nunca li. Escreve sobre o passado, ficção
científica, fantasia, drama. Varia de tom e tema, o que é incomum e
intrigante. Britânico nascido no Japão, escreve gostoso, pelo menos no
seu único livro que li, The Buried Giant, O Gigante Enterrado, uma
fábula arturiana com bruxas e ogros. Mas vi um filme baseado em livro
seu, Os Vestígios do Dia, chatíssimo, e ele me espaventou da obra de
Ishiguro.


Ele é a exceção que confirma a regra. A maioria dos vencedores do
Nobel escrevem no gênero "drama realista contemporâneo". Já leio muita
não-ficção, ensaios, jornalismo. Quando leio ficção, é exclusivamente
por prazer. Que também encontro neste gênero, que domina premiações e
atenção da crítica. Mas encontro mais em outros cantos.


Previ anos atrás que pela crescente estatura internacional do país,
na próxima década o prêmio não nos escaparia. Mas nossa boa fase se foi.
De qualquer forma, se um autor brasileiro vencerá por merecimento, ou
porque simplesmente terá chegado a hora do Brasil levar o prêmio, é
outra história.


O Nobel não premia "o melhor escritor do mundo do ano". No caso de
nomes consagrados que escrevem em inglês, o habitual é premiar pelo
conjunto da obra - vide Pinter, Lessing e Naipaul (os únicos deste
século que li mais ou menos, com Vargas Llosa).


Quando a obra é em língua "exótica", o Nobel premia um tanto o autor,
e muito a literatura daquela cultura, país, continente. Você não vai
ver autores africanos ganharem três anos seguidos, ou asiáticos, ou
latino-americanos. O que nos leva à eterna questão: e o Brasil, por que
nunca ganhou, e quando vamos ganhar?


Adoraria encontrar um autor conterrâneo que abrace nossa complexidade
social. Meio Naipaul e meio Philip K. Dick. Com ginga e humor. Nem
precisa tanto: alguém que não faça feio do lado de Pinter e
Vargas-Llosa. De cabeça, não me ocorre ninguém. Ninguém que dê conta do
mundo além de nossas fronteiras; ninguém que dê conta de nossa realidade
única, radical, improvável. Talvez sejamos melhores biógrafos,
ensaistas, cronistas, piadistas e tuiteiros que romancistas e, aliás,
contistas.


A melhor explicação é a mais simples: o escritor brasileiro é um
chato. É homem, branco, tem diploma universitário, mora no eixo Rio-São
Paulo, e uns 50 anos. O protagonista de seu romance é homem, branco, tem
diploma universitário, mora em metrópole etc. etc.


Dos nossos autores, 36% trabalham como jornalistas. Pois as
profissões mais comum dos protagonistas da literatura brasileira são,
pela ordem, escritor, criminoso, artista, estudante e jornalista. E a
maioria das histórias se passam no presente, ou no máximo dos anos 80
para cá.


O assunto da literatura brasileira é o escritor brasileiro e seu
mundinho. É um coroa diletante e seu tema é a própria juventude e
meia-idade, reimaginadas dramaticamente. Este é o resumo curto e grosso
da pesquisa feita pela professora Regina Dalcastagnè, da UNB. Ela
analisou 258 romances de 165 escritores diferentes, de 1997 a 2012, de
editoras variadas. É mostra significativa.


Regina conclui que não há na literatura nacional o que chama de
"pluralidade de perspectivas sociais". Nossos livros não incluem
brasileiros de várias cores, classes, religiões, idades. Bidu. É e
sempre foi assim. Não há gays, velhos, deficientes, umbandistas e tal
nos nossos livros.


A ausência mais escandalosa em nossa literatura, personagens negros,
tem razão bem concreta. Não há negros nas redações, na universidade, nas
posições de comando do País. O típico escritor brasileiro simplesmente
não convive com negros de igual para igual. Mas há mais discriminação
nos nossos livros que no Brasil não-ficcional. Em 56% dos romances,
todos os personagens são brancos. Negro, quando aparece, é miserável,
bandido e, principalmente, coadjuvante.


Faz sentido que 36% dos nossos escritores sejam jornalistas. Tirando
jornalista, poucos brasileiros têm português legível. Jornalista não
sabe grande coisa, mas aprende a encaixar uma frase na outra, respeitar
concordâncias, economizar nas vírgulas.


Dashiell Hammett recomendou: escreva sobre o que você conhece. Donde
que temos jornalistas escrevendo sobre jornalistas. Um bando de rato de
redação se imaginando como herói: uma vez na vida, a notícia sou eu!
Bem, sou exatamente o perfil do romancista brasileiro, jornalista,
branco, cinquentão, e passo muito bem sem ler sobre mim. Nem em versão
romantizada, e muito menos realista...


A pesquisa de Regina explica a desconexão de muitos, e a minha, com a
literatura brasileira atual. Me recomendam este e aquele autor
nacional. Compro, leio quinze páginas e despacho pro sebo, raríssimas
exceções.


O problema não é o País de origem nem a profissão dos autores. É o
universo ficcional e existencial dos autores e personagens. Poucos
leitores se interessam pelos problemas dos brasileiros letrados de
classe média e meia-idade, suas neurinhas, fantasias e infidelidades.


Em todo lugar o gênero "problemas sexuais-existenciais da classe
média intelectualizada" tem longa tradição. É um gênero, como livros de
vampiro ou histórias de detetive. Nos Estados Unidos, é o que garante
prêmios, convites para lecionar e confete em festivais literários. É o
favorito de escritores que não vivem de escrever.


Ganham a vida como professores, quase sempre. Quem sabe faz, quem não
sabe ensina... Não, sacanagem. Tá cheio de professor por aí que manda
muito bem nas mal-traçadas. A desgraça é quando os escritores começam a
escrever para impressionar outros escritores (e isso vale também para
músicos, pintores, arquitetos e qualquer atividade criativa).


No Brasil literatura é segunda profissão ou hobby. Um autor ganha uns
três reais por exemplar vendido, e as tiragens aqui raramente passam de
3.000 exemplares. Pouco importa sobre o que o escritor brasileiro vai
escrever, e muito menos se vai escrever bem: meia dúzia vai ler. E ele
não vai ganhar dinheiro nenhum com isso.


Escrever em tempo parcial não precisa ser problema. Muitos usam bem
as conexões acadêmicas e mesadinhas variadas, de fundações, esse e
aquele programa governamental etc. O problema é quando a profissão do
escritor não é escrever, é “ser escritor”. Cobrar cachê pela
participação. Cavar verbinha do diretor de marketing do banco. Preparar a
palestra para a o próximo festival corporativo. É como esses roqueiros
picaretas que pegam dinheiro público via Lei Rouanet para gritar contra o
sistema.


Cada um se vira como pode? Escritor não tem esse direito. Sardinha na
brasa: escrever está acima de qualquer outra atividade artística.
Aprender a escrever é aprender a pensar. Ter o que dizer é o melhor do
humano. Dizer de maneira poderosa é divino.


Escritor que depende do poder político e econômico se assume
subalterno. O que nossos romancistas dizem sobre nós? Pouco ou nada. O
que perdemos com esse silêncio? Muito, tudo. As exceções reforçam a
regra. A cultura do Brasil é dominada pelo consenso que compensa.


Graham Greene cravou: "A Itália, durante trinta anos sob os Borgias,
conheceu a guerra, o terror, o assassinato e o derramamento de sangue.
Mas produziu Michelangelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Suíça,
eles têm o amor fraternal e quinhentos anos de democracia e paz - e o
que produziram? O relógio de cuco."


Falta de tempo e dinheiro para escrever frequentemente foi bem
estimulante. James Joyce, para pegar o mais celebrado autor do século
passado, criou Ulisses num miserê de dar gosto, exilado mundo afora,
casado com uma mulher que zoava suas veleidades de artista e dois filhos
pequenos pra criar. Na ponta oposta da respeitabilidade crítica, igual.
A fábrica de best-sellers Stephen King pariu Carrie, seu primeiro
sucesso, quando labutava como zelador e morava em um trailer,
datilografando até altas horas, os nenês chorando.


Podemos e devemos fazer melhor. Ficção exige imaginação e
encantamento; um tanto de história, outro de jornalismo; e variedade.
Hoje festins pantagruélicos, amanhã snacks para devorar aos nacos.


Escrever bem é técnica, e escrever divinamente é talento e suor. Mas a
prova dos nove é escrever sobre a realidade. Ainda que no formato de um
romance histórico, ficção científica, horror ou humor ou o que for.


Escrever sobre a realidade não é escrever sobre a minha vida. E muito
menos um livro é melhor ou pior porque se passa na São Paulo de hoje, e
não em Saturno no século 30. O que existem são livros mais e menos
ambiciosos, e mais e menos bem-sucedidos, em relação ao tema, à trama, à
linguagem, ou na criação de ambientes e personagens. Alta e baixa
literatura é papo de crítico cretino.


A pesquisa de Regina explicita que o assunto central da ficção
brasileira é o umbigo do seu autor. Não é problema localizado. Em todo
lugar, cada vez mais os escritores estão caraminholando sobre seu
mundinho particular, reciclando fantasias de aventura e consumo,
revisitando seus livros e filmes e ícones culturais prediletos.
"Influence is Bliss", resume Michael Chabon, que faz isso melhor que a
maioria.


A possibilidade de celebridade propiciada pelas redes sociais acentua
a tendência. Todos vivemos escrevendo e lendo devaneios narcisistas.
Boa parte do que passa por literatura é tão verdadeira quanto essas
fotos supostamente displicentes, mas cuidadosamente planejadas e
retocadas, que colocamos em nossos perfis no Facebook.


A ambição da ficção, e da ficção brasileira, pode e deve ser maior.
Escritores são faróis na neblina. Vivem na escuridão. Tateiam. Tropeçam.
Mas apontam rumos. Sinalizam um norte. E sem eles, nos perdemos.


A vencedora do Nobel de literatura de 2015 foi uma jornalista e das
boas, Svetlana Alexievich. Vive no mundo, não em seu mundinho. Repórter,
lhe importa mais a voz dos outros que a sua. Seu tema é a dor de parto
de um mundo pós Guerra Fria, uma Rússia pós soviética, num continente
quietamente deflagrado. Nunca tinha ouvido falar.


Onde estão nossas Svetlanas? Cadê os escritores de que o Brasil
precisa? Nossos guias, intérpretes, espelhos? Cadê o grande romance
sobre nossa miséria e nossa fortuna? A Itália do século XV é um nada de
sacanagem perto do Brasil do século 21.


Hammett estava errado. A literatura que importa não é sobre o autor, é
sobre o leitor. Quero, exijo, um livro que me hipnotize, e me leve para
outro lugar, e para dentro de mim mesmo. O que importa em literatura é
fitar o desconhecido. E não conseguir desviar o olhar.



























fonte:



Por que o Brasil não ganha o Nobel de Literatura – André Forastieri – R7







quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Lançamento: portal e-cêntrica . 25 de outubro .

Lançamento: portal e-cêntrica . 25 de outubro .


Sobre nós
A circulação da produção gráfica e literária independente é um dos maiores desafios para autores/autoras, coletivos criativos e pequenas editoras, em todo o mundo.
Quando escolhemos trabalhar de maneira alternativa, deixamos de apoiar práticas do mercado formal, optamos pelos caminhos da inovação.
Não existe uma fórmula de sucesso, um modelo de reinvenção sistêmica, no entanto, referências diversas e ferramentas já estão disponíveis. De forma geral, elas se orientam pelo conceito de rede para traçar estratégias de ação.
A e-cêntrica é uma dessas iniciativas.
Sob a coordenação da Casa da Cultura Digital (GO) e com o apoio da Lei Goyazes, a e-cêntrica propõe a conexão entre agentes estratégicos (autores/autoras, coletivos criativos e pequenas editoras), em todo o Brasil, para a construção coletiva de alternativas para a difusão e comercialização da produção gráfica e literária de todas as regiões do País.
Ao mesmo tempo, esta ação se propõe a colaborar com iniciativas que buscam amenizar a invisibilidade histórica da produção gráfica e literária das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do território nacional, sem a exclusão do trabalho que é feito no sudeste e no sul.
Também interessa à e-cêntrica apoiar o fortalecimento e a ampliação da visibilidade do trabalho da mulher, cis e trans, no mercado editorial, em todo o mundo.
Consequentemente, ações de estímulo à leitura têm nosso apoio incondicional.

Mapeamento
O mapeamento é a primeira etapa de trabalhos da e-cêntrica, iniciativa que busca alternativas para a circulação da produção gráfica e literária independente no Brasil.
A coleta de dados continua, mas cumpriu sua primeira etapa no primeiro semestre de 2017. Agora colocamos à sua disposição informação que nos foi encaminhada de todas as regiões do País.
Tem poeta de Roraima, ilustrador do Piauí, romancista de Goiás, editora do Espírito Santo. E muito mais! Porque livros lindos, zines, HQs, revistas, jornais de arte, prints diversos estão sendo produzidos em todo lugar e podem chegar até você.
A Casa da Cultura Digital e apoiadores deste projeto desejam que esta pesquisa estimule a articulação de redes produtivas e ofereça subsídios para a produção artística e intelectual, que dialoga com as economias exponenciais: criativa, colaborativa, compartilhada e multimoedas.
Conheça agora a síntese de dados coletados na primeira fase do mapeamento e quem são as autoras/autores, coletivos criativos e nanoeditoras que já integram esta rede.
Para não ficar de fora, apresente-se.

Quem idealizou esta iniciativa?
A e-cêntrica é uma iniciativa da Casa da Cultura Digital, idealizada pela escritora e editora Larissa Mundim, fundadora da ONG e criadora da Nega Lilu Editora.
Apoio: Lei Goyazes.

Por que participar do mapeamento de produção gráfica e literária independente?
Para traçar estratégias que verdadeiramente impactem no mercado gráfico e literário, é necessário conhecer o potencial desta cadeia produtiva.
Quem são os agentes estratégicos no mercado editorial independente?
O que está sendo produzido de maneira qualifica em todas as regiões do Brasil?
Por onde circula esta produção?
Como ampliar a comercialização do produto?
Quais são as iniciativas inovadoras que colaboram para rotas alternativas de distribuição?
Respostas a questões como estas vão nos ajudar a esboçar o cenário de atuação da e-cêntrica.
Se você ainda não integra este mapeamento, vem!

Por que apoiar a produção gráfica e literária do norte, nordeste e centro-oeste e apoiar o fortalecimento da produção da mulher no mercado editorial? Sexo masculino, branco e residente nas regiões Sudeste e Sul. Este é o perfil da maioria dos autores literários publicados por editoras brasileiras influentes, segundo pesquisa realizada pela professora da Universidade de Brasília, Regina Dalcastagnè.
Um cenário assim evidencia prejuízos à identidade sociocultural de um país que tem a diversidade como uma de suas maiores riquezas − tanto pela ausência representativa de escritoras no circuito literário mais prestigiado, quanto pela limitação da produção considerada relevante, pelo mercado, ao território geográfico onde estão as maiores editoras, distribuidoras e livrarias. A professora pesquisou o comportamento de três grandes editoras brasileiras (Record, Companhia das Letras e Rocco), observando características de obras eleitas para publicação, ao longo de 15 anos. Regina Dalcastagnè incluiu 165 escritoras e escritores no corpus de sua pesquisa e, neste universo investigativo, chamou a atenção o fato de que 72,7% dos livros publicados têm homens como autores. Ainda mais crítica que a baixa presença feminina entre autores publicados é a homogeneidade racial: 93,9% dos autores e autoras estudados são brancos, 3,6% não tiveram a cor identificada e os “não brancos” somam 2,4 pontos percentuais. Entre tantas outras nuances, a pesquisa informa também que 70% dos escritores e escritoras pesquisados nasceram e residem em estados do Sudeste e do Sul do Brasil. A região Norte estava representada por apenas dois escritores (1,2%), ambos do estado do Amazonas. E a região Centro-Oeste, com sete (4,2%), todos do Distrito Federal. Os 4,8% restantes era autores e autoras residentes no nordeste brasileiro.
Os dados estão disponíveis no livro “Literatura brasileira contemporânea: um território contestado” (Editora Horizonte, 2012).

Ainda posso integrar o mapeamento?
Sim. Todas e todos são bem-vindos. O mapeamento segue aberto. No entanto, a prioridade de publicação de informações é de quem se apresentou, ainda no primeiro semestre de 2017, quando a fase 1 da pesquisa foi concluída.
Dados coletados posteriormente serão inseridos, gradativamente.

Quem pode participar?
Autoras e autores independentes, coletivos criativos e pequenas editoras brasileiras.

Quais são os primeiros resultados deste trabalho?
O mapeamento é o primeiro serviço prestado pela e-cêntrica. Por meio do banco de dados que está sendo construído e disponibilizado aqui, curadores, leitores, pesquisadores, publishers poderão localizar autoras e autores, coletivos criativos, bem como pequenas editoras e profissionais autônomos (ilustradores, designers, fotógrafos, editores, revisores, erc) atuantes de forma independente, em todas as regiões brasileiras.
Para estimular a articulação entre os integrantes desta rede, a e-cêntrica lança, ainda em 2017, o número zero da revista eletrônica malunga.
Iniciativa da Casa da Cultura Digital, lançada pelo Selo Ç3, a malunga é uma que visa buscar alternativas de circulação da produção gráfica e literária independente no Brasil.
Quais são os rumos futuros desta iniciativa?
Apesar de ter seus objetivos traçados, os rumos desta rede não estão definidos, são imprevisíveis e serão determinados pela observação do movimento coletivo.

Coordenação Geral: Larissa Mundim

https://www.facebook.com/events/814558138716886/

Mais info:
www.facebook.com/e-centrica
em breve: www.e-centrica.com.br

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Paulo Caldas

Paulo Caldas



Até que ponto o real é real mesmo ou é apenas um espelho de sonho no qual a verdade é um ponto de vista?  A ambiguidade dos nossos anseios nos trazem inquietações filosóficas e espirituais porque são dúplices e tríplices ou as inquietações filosóficas e espirituais nos trazem anseios ambíguos porque são dúplices e tríplices?  Paulo Caldas, exímio artesão das artes plásticas, propõe uma “flecha mensagem” que nos atinge no peito, no coração...
Como em René Magritte, para quem as ambiguidades de um quadro seu “vêm da sua natureza profundamente introspectiva e são a resposta de um pensativo observador para a vida superficial ao redor de si”, nas palavras de Edmond Swinglehurst, Paulo Caldas pensa o mundo filosófica e espiritualmente, tanto quanto ideológica e socialmente.  Suas influências, segundo suas próprias palavras, vêm mais do que leu e do que ouviu do que propriamente do que viu.  As leituras de Richard Bach (Fernão Capelo Gaivota, Longe é um lugar que não existe), Khalil Gibran (O Profeta), Hermann Hesse (Sidarta, O Lobo da Estepe), Jiddu Krishnamurti (Sobre a liberdade), Lobsang Rampa (A Terceira Visão) e Manoel de Barros (O livro das ignorãças) alimentaram e alimentam sua arte surrealista ao lado de Pink Floyd, Vangelis, Tom Jobim e Chico Buarque, na música.
Profundo conhecedor do desenho e das suas possibilidades, o artista leva o observador de suas obras às indagações e conjecturas sérias a respeito da sua existência com jogos extremamente elaborados de figura e fundo. Também se utiliza de formas que se transformam e se metamorfoseiam numa verdadeira dança imagética onde as cores têm o papel fundamental de atrair o espectador.
A viagem que M. C. Escher – um irmão e mestre para Caldas – realizou à Granada, na qual foi fortemente impactado pelos azulejos mouros, de onde surgiram nele as inspirações para os padrões geométricos, transfigurados ao serem repetidos, formando novos desenhos, Paulo Caldas explorou nos recônditos da sua própria psique, da sua alma.  Suas pinturas são verdadeiras viagens fantásticas que estruturam realidades oníricas em concomitância com imaginações concretas, feitas no real palpável do pictórico e do gráfico.
Do modo de Iberê Camargo, o artista segue a linha do “não nasci para fazer berloques, enfeitar o mundo... eu pinto por que a vida dói.” Paulo conhece como poucos a arte de instigar e provocar, sendo um virtuoso desenhista que constrói pontes entre a imaginação e a realidade sem fazer falsas concessões aos modismos de qualquer natureza midiática.
Salvador Dalí, em sua grande voracidade surrealista, inspirou também fortemente Paulo Caldas, que soube extrair da arte delirante, alucinada, deliciosamente cativante e magnífica do catalão, seu substrato para uma criação autônoma e original que nada deve a nenhum dos pintores surrealistas de todos os tempos.
A situação atual do país o inquieta muito e o pintor deixa uma mensagem para todos os brasileiros e brasileiras: “Ser bom é mais barato.  Quando somos bons, economizamos energia positiva para o nosso país.  Vejam o que está sendo desperdiçado em decorrência da ação dos maus que infestam nosso Brasil.”

Mauricio Duarte

Referências:
A Arte dos Surrealistas . Edmund Swinglehurst . Ediouro . Rio de Janeiro . 1997
M. C. Escher . Artista gráfico holandês . http://www.ebiografia.com/m_c_escher/ . visitado em 16-10-2017
M. C. Escher . O artista das construções impossíveis .
M. C. Escher . Wikipédia . https://pt.wikipeida.org/wiki/Mauritis_Cornelis_Escher / visitado em 16-10-2017

Contatos com o artista:
Telefone: 82 999552464
E-mail: cordao-nordeste@hotmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/paulo.caldas.125

Endereço: Rua Marco Aurélio, 146 - Jd. Petrópolis II - Tabuleiro dos Martins, Maceió . AL

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Portinari


Portinari

Candido Torquato Portinari nasceu numa fazenda de café, próximo de Brodowski, interior de São Paulo, em 1903. Tendo pouco estudo e não completando nem o ensino primário, aos 14 anos de idade foi recrutado como ajudante por uma trupe de pintores e escultores italianos que realizavam restauração de igrejas e que passavam pela região de Brodowski.  Aos 15, deixa São Paulo e parte para o Rio de Janeiro para estudar na Escola Nacional de Belas Artes.  Recebe vários elogios de professores e da própria imprensa e aos 20 anos de idade já participa de muitas exposições, sendo destaque em vários jornais.  Interessa-se pelo modernismo e a partir da vitória da medalha de ouro no Salão da ENBA, com uma tela deliberadamente acadêmica e tradicional, parte para Paris e tem contato com artistas como Van Dongen e Othon Freisz, além de conhecer Maria Martinelli, com quem passaria toda a sua vida.
De volta ao Brasil, em 1931, muda completamente a estética da sua obra, valorizando as cores e as ideias nas pinturas.  Defende a necessidade da criação no Brasil de uma arte nacional e moderna, como Mário de Andrade já o fazia.  Nas telas O Mestiço e Lavrador de Café (as duas de 1934) os personagens são pintados em composições monumentais com campos cultivados ao fundo. 
Em 1940, após a visão de Guernica, de Picasso, seu trabalho passa a apresentar mais dramaticidade, expressando a tragédia e o sofrimento humanos, enfocando questões sociais brasileiras.  A catástrofe dos retirantes, por meio de gestos crispados das mãos e das lágrimas de pedra, são retratadas de modo magistral.
Em 1941 realiza painéis para a Biblioteca do Congresso em Washington D.C. (Estados Unidos) em têmpera, com grande luminosidade e com trabalhadores novamente como figuras centrais, como já fazia frequentemente em outros trabalhos.  Entre 1953 e 1956, realiza os murais Guerra e Paz para a sede da ONU em Nova York, obras de grande dimensões, em que trabalhou com uma sobreposição de planos.
Em 1954, Portinari apresentou uma grave intoxicação pelo chumbo presente nas tintas que usava e, desobedecendo ordens médicas, continua pintando e viajando com frequência para os EUA, Europa e Israel.  Em 1962 vem a falecer de intoxicação pelas tintas que utilizava nas telas.
Pintor, gravador, ilustrador e professor, o artista pintou quase cinco mil obras, desde pequenos esboços e pinturas de proporção padrão até gigantescos murais.  É considerado o pintor brasileiro a alcançar maior projeção internacional em todos os tempos.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)


Leia mais: http://www.divulgaescritor.com/products/portinari-por-mauricio-duarte/

domingo, 15 de outubro de 2017

Livro no Brasil não é caro coisa nenhuma


Uma longa resposta para a pergunta que não quer calar

A
ideia de que livro é caro no Brasil é repetida à exaustão, até por
pessoas que não costumam comprar livros. Desde sempre ouço gente dizer: livro é caro aqui.
Da hora.

Então, por que defendo que livro no Brasil não é caro?


adianto que a resposta para isso é imensa. E vou enumerar cada um dos
motivos pelos quais tenho plena convicção de que, não só para mim como
para qualquer pessoa razoável, o preço do livro no Brasil é bastante
justo.
Em
primeiro lugar, muitas pessoas acham o livro caro por causa do valor
que atribuem a ele — e aqui falo de valor agregado, valor psicológico, e
não monetário. Explico. O preço médio de uma promoção BigMac
no McDonald’s é vinte reais. É raro ouvir uma pessoa questionar o valor
do lanche. Até pode acontecer de dizerem que é caro em relação a outras
comidas; raramente, em relação ao seu preço no exterior.
De todo modo, por que falei disso? Porque o valor do BigMac é o valor do BigMac.
Ou você compra ou você não compra e vai comer em outro lugar, gastando
mais ou gastando menos. (Mas o McDonald’s continua lotado, e sempre é o
mais cheio de todos os restaurantes de um shopping, pelo menos em São Paulo.)
Com
vinte reais compra-se um livro em qualquer livraria, ou até dois, se
houver uma daquelas megapromoções no Submarino. Ou algumas edições pocket.
Ao comentar o assunto no Facebook, recebi várias respostas dando exemplos como esse. O escritor Eduardo Spohr
veio com um ótimo: é muito difícil gastar menos de cinquenta reais numa
balada (em São Paulo ou no Rio, ao menos, para onde, aliás, as lojas
virtuais costumam oferecer frete grátis de livros). Já o escritor José Roberto Vieira acrescentou que, somando tudo, incluindo estacionamento, não é incomum o preço de tudo chegar a cem reais.
Bem,
há livros nessa faixa de preço, mas, considerando a maioria dos títulos
no preço de lançamento, seria possível comprar pelo menos três com esse
dinheiro.
A também escritora Ana Lúcia Merege
mencionou o preço da entrada de cinema. Spohr nos lembrou também do
valor de um jantar em restaurante. Se pararmos para refletir sobre as
pequenas coisas supérfluas (que consumimos) do dia a dia, quase tudo
alcança ou até ultrapassa o preço médio de um livro.
Só observando você dizendo que livro é caro enquanto come todo sábado no McDonald’s.
Vou
dar um exemplo de quando estava trabalhando no estande da Vermelho
Marinho, numa feira de livros. Falo de uma feira destinada
principalmente a alunos e professores da rede municipal da cidade em
questão, público esse que recebe vales da prefeitura para comprar
livros. Como os vales de cada criança totalizam vinte e cinco reais,
todas as editoras participantes descem o preço dos livros o máximo
possível, para que todos possam comprar livros bons e baratos (vale
notar que nessa feira participam editoras de qualidade e fama
inquestionável como os selos do grupo Autêntica, Cosac Naify, Biruta e
Aleph, para citar apenas algumas).
Pérolas que ouvi:
  • Nossa, quanto livro caro! [de dez a quinze reais]. Cadê os de cinco? — diz a professora, ultrajada.
  • Vocês
    não trocam isso aqui [os vales] por dinheiro de verdade não,
    né? — professora pergunta, e, ante a resposta negativa: — Aff, nem dá
    pra ir no shopping. Vou ter que comprar livro. Que que eu vou fazer com
    livro?
  • Minha
    professora falou que só era pra comprar livro de cinco reais — diz
    criança do primeiro ano, meio assustada, meio incerta, segurando todos
    os vales contra o peito.
Gritando internamente.
Claro
que lá havia muitas professoras legais e maravilhosas, mas vamos pensar
nos exemplos acima, porque não são exceção e sim a regra em todas as
esferas sociais, e não apenas nas mais carentes. Muitos dos expositores
da feira eram editoras bastante gabaritadas, com obras infantis
premiadas no Jabuti, com obras detentoras do selo “Altamente
Recomendável”.
O
valor atribuído a um livro pelos editores parecia, àquelas pessoas,
alto demais, mesmo que o pagamento fosse realizado com vales dados pela
prefeitura. Não é por falta de incentivo do governo que muita gente não lê. Agora o pior é que essas pessoas têm influência sobre as crianças para quem dão aula, e incentivam esse tipo de pensamento.
Eu
cheguei a falar para uma professora mais grosseira que ela nunca devia
ter entrado numa livraria. De olhos arregalados, ela tentou negar, mas
eu disse: “Não, professora, eu sei que você nunca entrou numa livraria.
Se tivesse entrado, ia estar maravilhada por conseguirmos pôr tantos
títulos a dez ou quinze reais”. Não se trata de uma cidade sem
livrarias, nem distante da capital de São Paulo. Na verdade, é uma
cidade da grande São Paulo.
Bem, saindo dessa tragédia, ainda há mais a ser dito.

O que compõe o preço do livro?

A maior parte das pessoas não faz a menor ideia da quantidade de gente que trabalha num livro. Não tem problema, eu conto.
Começamos com o autor. Esse é óbvio, né?
Ok,
vamos adiante. Se o livro é nacional e inédito, quando aprovado pela
editora, depois de assinado o contrato com o autor, ele vai para um
copidesque. É comum que esse trabalho seja executado pelo editor, ou
assistente editorial. Essa pessoa mexe na estrutura do texto. É quem
manda o autor tirar uma personagem, aumentar a participação de outra,
tirar cenas, acrescentar outras, reescrever outras. Entre editor e
autor, essa troca pode acontecer várias vezes, ao longo de meses.
Engana-se quem pensa que o livro sai como o autor mandou.
Depois
que o texto foi retalhado e reconstruído, vai para um preparador de
texto. Essa pessoa vai tirar repetições, incoerências, corrigir erros de
coesão e dar uniformidade ao texto, em nível textual.
Seguindo-se
ao preparador, vêm as revisões. Digo no plural porque é uma verdade
universalmente reconhecida que, ao se mexer muito em um mesmo texto,
você deixa erros passarem e não consegue mais vê-los todos. Se a
preparação e o copidesque tiverem sido muito trabalhosos, o texto passa
idealmente por dois revisores; o primeiro limpa o grosso e o segundo
passa o pente fino. Em muitos casos pode haver um terceiro; às vezes até
um quarto revisor.
Adivinhe só: todas essas pessoas são pagas. Sendo funcionários da editora ou freelas, o valor do trabalho dela será incluso no preço final do livro.
Há mais coisas depois, mas antes quero fazer o percurso até aqui no caso de uma tradução.
Em
traduções não alteramos nada na estrutura do original (presume-se que
já tenha passado por tudo isso na editora de origem), mas a etapa é
substituída pela tradução em si. Antes disso, a editora paga um
adiantamento ao autor. Lembrando que, se o livro é estrangeiro, o custo
pode vir a ser pago em dólares ou euros, moedas bem mais valorizadas do
que a nossa. Só depois disso, os agentes literários (pois os gringos,
sempre os têm para conduzir as negociações) passam os arquivos para a
tradução.
Então
segue para o tradutor. Eu, enquanto tradutora, sempre faço uma revisão
de tradução antes de enviar a minha parte ao revisor de tradução
propriamente dito, mas isso não é a regra geral (até porque é comum
prazos de tradução serem IN-SA-NOS). O livro então sai do tradutor e vai
para o revisor de tradução, que vai pôr o original e o texto traduzido
lado a lado e ver se o tradutor não pulou nenhuma frase, ou se deu uma
escorregada em alguns pontos, o que é trabalhosíssimo.
Daí
vem um peso gigante sobre o revisor de tradução, porque recai sobre ele
a tarefa de pescar coisas que possam escapar ao tradutor. Só que ele também trabalha com as duas línguas.
Depois
do revisor de tradução, a obra vai para o preparador de textos, porque
não basta a tradução estar boa; ela tem que parecer um livro escrito em
português (gente, sigam meu perfil aqui no Medium, porque eu escrevo
textos sobre tradução e explico melhor esses detalhes do processo da
tradução, e o motivo de cada coisa).
O
preparador não costuma ver a obra original (a menos que vá fazer também
a revisão de tradução), só a traduzida, e seu trabalho consiste
principalmente em dar cara de língua portuguesa a ela. Dependendo do
tradutor, esse trabalho é mais difícil ou mais fácil.
Após o preparador, o texto passa por dois revisores, pelos mesmos motivos de que já falei no caso das obras nacionais.
Adivinhe? É, toda essa galera é paga.
Se
o livro tiver ilustrações internas, o ilustrador entra no processo.
Então vem a diagramação, que não é feita por mágica, mas sim por uma
pessoa. O livro costuma passar por uma revisão depois que a prova é
impressa, em seguida o diagramador faz as correções necessárias.
Entram os responsáveis pelas orelhas e quarta capa, o capista…
Ufa! Acabou?
Ora,
a coisa toda só começou. Até aqui não temos exatamente um produto. O
livro diagramado e a capa vão para a gráfica (que tem custos de papel,
tinta, máquinas…), e de lá ele sai como uma coisa física, real,
comercializável.
Sai como? Andando? Não. De transportadora — de onde virá para a editora a conta do frete.
Bem,
e quando os livros chegarem, para onde vão? Para um estoque, cujo
espaço é pago pela editora, porque nada é de graça nessa vida.
É
bom ressaltar que até aqui a editora só pagou e ainda não recebeu nada
(nem sabe se vai receber, aliás, porque vendas não são garantidas).
Enquanto isso acontece, o pessoal do marketing
está fazendo o que pode para promover o livro com o que tem ao seu
alcance: mídias sociais, blogs parceiros, anúncios e compra de espaço em
vitrines (no caso de editoras maiores), eventos. E o povo do comercial
está vendendo o livro para as livrarias e/ ou distribuidoras. Via de
regra, 50% do preço da capa fica com a livraria. Que, vale ressaltar,
não é nenhuma vilã. Na verdade, não há vilão.
A
livraria, por sua vez, tem vendedores, compradores, funcionários de
caixa, aluguel do espaço/ imposto, em alguns casos despesa de estoque,
pessoal de logística, administração, financeiro… Logo, o lucro dela
também é pequeno.
Quando há distribuidor, este fica com 10% do valor.
Voltemos
à editora. Aqueles 50% do preço de capa (ou 40%, caso a venda seja
feita via distribuidor) que ela vai receber por exemplar (estamos
supondo que todos vendam, hein, e isso não é sempre o que acontece) vão
pagar a gráfica, suas contas, os profissionais e o autor, e eventuais
empréstimos (porque nem todo mundo tem vários milhares de reais para
investir logo de cara).
Ah, o acerto das livrarias varia, mas costuma ser para noventa dias depois da venda do livro ser efetuada para o consumidor.
É que as livrarias, como têm todas as suas próprias despesas, não fazem
sempre compra de fato (quando o pagamento é para trinta, sessenta ou
noventa dias), preferindo fazer consignação. Ou seja, pagam o produto só
depois que o consumidor final (o leitor) efetua a compra.
Toda a cadeia para fazer o livro chegar à livraria já foi paga.

coisas que ajudam a baratear todo esse investimento? Sim. Uma das mais
expressivas é a quantidade de livros impressos, porque, quanto mais você
imprime, menor o valor por exemplar. É por isso que livros de mais ou
menos o mesmo número de páginas e mesma qualidade gráfica podem variar
até trinta reais dependendo do tamanho da editora: as maiores têm como
rodar dez mil livros numa só tiragem (o que é bem raro mesmo para elas),
enquanto nem todas as pequenas conseguem fazer uma tiragem de mil. Na
verdade, para algumas dessas, mil livros é uma tiragem imensa,
ambiciosa.
Ah, mas se diminuir a qualidade gráfica, fica mais barato!, você me diz.
Isso nos leva a outro problema…

A questão dos livros estrangeiros baratos

O
argumento mais frequente para se alegar que o livro brasileiro é caro,
é: no exterior, você encontra livros de três dólares/ euros, mas não
fazem edições tão baratas aqui.
Antes de qualquer outra coisa, os livros baratos são ou obras em domínio público há muito tempo (clássicos) ou best-sellers. Ninguém faz edição barata de lançamento. Só fazem mass market paperback
(aquele livrinho bem modesto, com miolo em papel “de pão”, capa que
rasga com um sopro e formatação minúscula) de sucessos estrondosos,
depois de tiragens de lançamento terem se esgotado (rápido, senão não é best-seller).
Na Europa, especialmente na França, livros de crítica literária e de arte e ciências humanas ganham pockets.
Você precisa entender o quanto isso é sintomático. Só livros que são
absoluto estouro de vendas ganham edições de bolso. Temos de levar em
conta que as edições iniciais por lá são de cinco, dez mil livros. Aqui,
em caso de livros técnicos, se mil venderem em cinco anos, ele é um
arraso.
Ok, entendi. Você acha que isso não tem nada a ver com você.
Outra coisa muito importante dentro desse quadro que você precisa ter em mente é que os livros best-seller
americanos estão em sua língua nativa, portanto eles não têm um alto
investimento em tradução para recuperar. Assim sendo, os primeiros
investimentos para colocar um lançamento no mercado tendem a ser
recuperados mais depressa. Ou seja, um livro de bolso brasileiro do
George R. R.Martin dificilmente vai ser tão barato quanto um americano,
mesmo tendo a mesma (baixa) qualidade e (alta) tiragem, pois aqui se
somam os custos de tradução e demais trabalhos editoriais que o original
não recebe, bem como o adiantamento de direitos autorais já mencionado.
Além
disso, a qualidade gráfica desses livros baratos é muito inferior à dos
nossos livros. Na verdade, mesmo as edições de luxo: eles não imprimem a
capa na parte dura, põem sempre uma luva em papel couché ou similar (que amassa e rasga que é uma beleza).
Por que não fazemos edições baratinhas, então? Aqui, até as editoras de livros pocket usam qualidade gráfica melhor, usando no mínimo offset (o papel branco normal).
Por
mais que eu conheça pessoas que declaram gostar de comprar edições
estrangeiras, e que gostariam de ter similares aqui, a realidade tem se
apresentado diferente desse discurso.
O nosso público leitor é menor e mais exigente em questão de qualidade de material.
Se
você discorda, repare em algumas situações que se repetem atualmente.
Por exemplo, em megapromoções do Submarino, é comum o livro vir com
qualidade inferior: capa mais fina, brilhante (no lugar daquela fosca
com verniz localizado), papel branco (no lugar do amarelo), sem orelhas.
Você
vê pessoas falando: “Nossa, que legal, baratearam a edição para
conseguir vender mais barato”? Até que vê. Às vezes. Mas o que
testemunhamos mais é uma enxurrada de “Aff, fui enganado, olha que livro
vagabundo, não é a edição da livraria”. Claro que não, cara pálida.
Você faz ideia do quanto custa imprimir um livro (especialmente os mais
grossos) com orelhas, capa em papel supremo, fosca, com verniz e miolo
em pólen ou avena (amarelos)?
Reclamam
da qualidade das edições feitas para vendas ao governo, destinadas à
distribuição em escolas públicas, por terem qualidade gráfica muito
inferior.
Nas
feiras de livros, das menores às bienais, enquanto vendia livros, vi
muita gente deixando de comprar tal livro porque o papel é branco,
porque não tem orelha, porque a formatação parece “espremida”.
O povo adora as edições de bolso capa dura da Zahar, né? Quer edição bonita, tem que pagar por ela, porque a editora já pagou.
O mercado literário, como qualquer outro, é regido pela lei da oferta e da procura. Se as editoras recebessem verdadeira demanda
de edições mais simples e baratas, elas as colocariam no mercado. Em
vez disso, o pouco que se coloca costuma ser desdenhado e demorar mais a
vender. Até as editoras especializadas em publicação de edições de
bolso estão cada vez mais criando edições de bolso “de luxo”. Esse
movimento tem uma razão de ser, ou não aconteceria. Algo que demora a
vender configura dinheiro investido sem retorno, dinheiro parado,
prejuízo.
Daí
você me diz: “mas eu compro edições gringas, então sou consumidor desse
tipo de livro”. Compra, e reclama que rasgou, que a lombada fica
danificada. E você não é maioria (novamente, se fosse, haveria o produto
no mercado).

Uma última palavrinha sobre megapromoções

Cito Submarino e, mais recentemente, Amazon, por serem as lojas que trazem promoções de livros físicos a R$ 9,90, box de cinco livros por R$ 40,00, e outras coisas igualmente insanas.
Como isso é possível?
Há duas situações.
Em uma delas, feliz, os livros já se pagaram e agora só dão lucro. Se a loja recebe R$ 9,90, à editora é repassado valor bem
menor que esse. Podemos chutar uns 50%? Muito, mas sejamos otimistas.
Então as tiragens são imensas (custo de gráfica menor por exemplar), o
autor recebe direitos autorais em condições especiais (geralmente sobre o
preço de venda, e não o de capa), e o investimento inicial da editora
no trabalho editorial, publicitário e comercial já foi recuperado.
Se
não for nessas condições, a promoção só é possível com
encalhes — livros que não vendem e dão prejuízo à editora se muito tempo
parados no estoque, já que o estoque é pago de todo modo. Então, a
participação em uma promoção dessas é uma forma de perder menos dinheiro.
Então, para concluir, é o seguinte: se o livro vender muito, ele fica mais barato.
Se o preço não abaixa, costuma ser porque ainda não se pagou.
Se o preço abaixar sem o livro ter se pagado, ele dá prejuízo aos envolvidos.
Se o livro não se pagou, é porque não vendeu.
Considerando
tudo o que expliquei neste longo texto, não acho o livro caro no
Brasil. Mas, se você quiser achar, tudo bem. Só entenda que você, na
qualidade de consumidor, tem uma parcela de culpa nisso.






fonte:

Livro no Brasil não é caro coisa nenhuma – Cabine Literária – Medium