domingo, 1 de outubro de 2017

Carlos Scliar


Carlos Scliar


O máximo do sintético num cubismo revisitado com carga gráfica pessoal e intransferível...  Assim vejo o trabalho artístico de Carlos Scliar; pintor, gravador, desenhista, ilustrador, designer gráfico, cenógrafo e roteirista.  Scliar nasceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul em 1920 e recebeu as primeiras aulas de arte com o pintor austríaco Gustav Epstein em 1934.  Um ano depois, defrontou-se com o dilema de todos os artistas plásticos da época: conformar-se com a arte das academias ou iniciar sua própria leitura do modernismo.  Escolheu o último e logo assumiu posição de contestação aos acadêmicos, juntamente com artistas do grupo Santa Helena.
Ao longo de sua carreira brilhante, burilou sua poética visual com amplas perspectivas e possibilidades, sempre visando uma inovação.  Suas colagens em relevo enceradas s/tela demonstram o seu grande viés de pesquisa pictórica e gráfica, consubstanciado em peças de arte que retratam coisas simples.  Um copo numa mesa, junto com outros objetos: papel, garrafas, vela, uma cadeira ao lado da mesa, nada que remeta ao extraordinário; não, a simplicidade, apenas a simplicidade, em grau máximo.  Mas com uma releitura do cubismo fora de toda ordem que já tenha sido tentada.  Tratamento espacial onde se pinta o que se conhece, mais do que o que se vê, mas esse “conhecer” está longe de ser inocente ou inconsequente, pois é refletido, pensado, trabalhado, desenvolvido a partir da técnica cubista de utilização dos vários pontos de vista de um mesmo objeto numa só imagem.  Por vezes, a sua composição revela contornos até da pop art, com inserções em serigrafias altamente gráficas, cuja configuração mais remetem à uma peça de design gráfico como no Álbum Redescoberta do Brasil.
Mas sua maior “mirada” estava mesmo na linha do realismo socialista, o cubismo em releitura com traços que transfiguravam a composição influenciada por Lasar Segall e Candido Portinari, poderiam dizer alguns, ou Picasso, Braqüe e Juan Gris, diriam outros.  No entanto, o certo é que o artista possuía uma clareza gráfica que despontava de qualquer influência possível e assinalava sua marca individual, indiscutivelmente e inapelavelmente.
Praticou diversas experimentações, como a vasta produção em guache e vinil encerados, como já disse.  Sendo que sua assimilação e posterior contribuição pessoal vindo do legado cubista, tem grande destaque na relação figura e fundo, na qual, segundo o poeta e crítico, Ferreira Gullar, Scliar primava pela ambiguidade e complexidade, em visão que o tornou mestre, verdadeiramente.
Carlos Scliar faleceu em 28 de abril de 2001, no Rio de Janeiro, onde foi cremado.  A capacidade brasileira de apropriação de várias culturas, épocas, etnias e informações é uma das grandes contribuições do artista plástico e homem Carlos Scliar para a identidade artística do país de forma original e provocadora, segundo o curador Marcus de Lontra Costa.
Num período de convalescência, perguntado por um repórter em quanto tempo ele pintava um quadro, respondera: “Em uma hora e 80 anos”.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

Referências:
                Enciclopédia Itaú Cultural . Carlos Scliar . http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9898/carlos-scliar
                Catálogo de exposição . Carlos Scliar . da reflexão à criação . Caixa Cultural Rio de Janeiro . Galeria 3 . agosto de 2016


Leia mais: http://www.divulgaescritor.com/products/carlos-scliar-por-mauricio-duarte/

sábado, 30 de setembro de 2017

Como a transgressão se tornou um cliché da arte contemporânea

por







Surgiu
ao redor dos modernistas uma classe de críticos e empresários prontos
para explicar por que não é uma perda de tempo admirar uma pilha de
tijolos, ou sentar calmamente para ouvir dez minutos de um som
excruciante, ou para estudar um crucifixo conservado em urina.


Para
convencer si próprios que eram os verdadeiros progressistas, que andam
na vanguarda da história, os novos empresários se cercaram de outros
da sua laia, promovendo-os a todos os comitês que eram relevantes para
seu status, e esperando para serem promovidos em troca. Assim surgiu o
establishment modernista – um círculo isolado de críticos que formam a
espinha dorsal das nossas instituições culturais.


“Originalidade”,
“transgressão” e “trilhando novos rumos”. Esses são termos de rotina
emitidos por burocratas dos conselhos de arte e pelo establishment dos
museus sempre que eles querem gastar dinheiro público em alguma coisa
que jamais sonhariam em ter na sala de casa. Mas esses termos são
clichês, assim como as coisas que eles costumam elogiar. Portanto a
luta contra o clichê acaba em clichê, e a tentativa de ser genuíno
resulta em falsidade.


Para quem lê em inglês, o original deste belo ensaio está aqui













 fonte: Politicamente Incorreto

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

José A. Kuesta



José A. Kuesta

Toda a herança mágica, mística, mitológica e histórica do Egito Antigo fascinam nosso artista mestre José A. Kuesta.  Mais do que isto, todo esse legado egípcio antigo é representado, transformado e reconfigurado.  Numa releitura de seus símbolos em criação totalmente original e afinada com o zeitgeist, esse nosso caldo cultural diversificado e abrangente contemporâneo, José A. Kuesta nos mostra o que de mistério, expressividade e criatividade pode advir desta abordagem.
O abstracionismo do artista é de uma singularidade sem igual e é realizado de forma completamente atual, como já disse.  Isto se dá, a partir de cores e manchas, colagens, grafismos, traços, carimbos, num amálgama de elementos gráfico-visuais e pictóricos, cuja influência pode ser encontrada em vários lugares.  Paul Klee, o expressionismo abstrato e a própria história do Egito Antigo são algumas destas influências que também ganham maior corpo quando da sua aproximação com a tendência da arte abstrata dentro da arte informal, chamada pintura matérica.  A pintura matérica é uma vertente pictórica que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, desenvolvida primeiramente na França, com os trabalhos dos artistas Fautrier e Dubuffet.  Suas composições utilizam, na pintura, conjuntos de cortes, furos ou rasgos.  Também são utilizados nesse tipo de arte, materiais diferentes tradicionais, incluindo: quadro, areia, sucata, trapos, madeira, serragem, vidro ou gesso. A arte de Dubuffet, por exemplo, ficou conhecida como Arte Brut.
José A. Kuesta demonstra total maestria nessas composições, de um estilo inconfundível, que se assemelham a documentos antigos, sendo repaginados e reformulados para o nosso tempo.  De um modo inteiramente novo e sem falsas concessões a um ou outro determinado conceito estético da moda, o artista faz com que nos deparemos com o inevitável do abstracionismo: a pintura é tinta e papel, bem como outros materiais.  Mas além, disto, a pintura é sonho, é divagação, é força e é infinidade de muitos modos diferentes. Aliás, a própria escolha do Egito Antigo como base inspiradora, é, a um só tempo, reveladora de seu conhecimento das chaves esotéricas, únicas em todo o planeta Terra – só comparáveis às chaves esotéricas da Índia e da antiga Pérsia, atual Irã, porque efetivamente nenhuma outra tradição, além destas três, as possui – e de suas consequências, principalmente estéticas.  Não é à toa que quando perguntado sobre que frase poderia representar sua visão artística, José A. Kuesta respondera: “A arte é uma forma de religião”.

Mauricio Duarte

Contatos com o artista:
Galeria de Arte Saatchi: www.saatchiart.com/joanku

sábado, 12 de agosto de 2017

Pai Eterno, eterno pai



Pai Eterno, eterno pai


Mesmo que o mundo diga que não,
mesmo que os tempos sejam moucos,
sei que meu pai sempre será o pai;
Pai, que eterno, não deixa de sê-lo
se ninguém acredita mais nele...

O trabalho e o valor do trabalho,
mesmo quando nos tiram este mesmo
trabalho...
Seis dias para criar o mundo,
descanso no sétimo dia...

Descanso?  Qual?
Só há o amanhã se há a labuta hoje.
De tudo o que meu pai me ensinou,
o valor do trabalho é o que fica
para mim... Sempre...

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

Feliz Dia dos Pais, meu pai, João Duarte Pinheiro!!!


Leia mais: http://www.divulgaescritor.com/products/pai-eterno-eterno-pai-por-mauricio-duarte/

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Crescer na vida




Crescer na vida

Crescer é viver em abundância... Só a plenitude pode reservar algo além do que conhecemos e do que esperamos da vida.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

sábado, 5 de agosto de 2017

Arte-enlevo

Arte-enlevo

A arte pela arte como no axioma do romantismo ou o valor da harmonia do classicismo são válidos e podem ainda suscitar muito debate, discussão e, sobretudo, expressão artística muito relevante. Proponho, no entanto, uma arte-enlevo, uma arte em que fosse transpassado o atributo de ser simplesmente arte da prática artística.
A arte-enlevo transpassaria a condição de arte, da peça de arte porque estaria em dinamicidade com a estética fenomenológica e representaria expressões artísticas onde se previsse o êxtase, o maravilhoso, o enlevo. Logicamente, a reflexão, a crítica e o humor não deveriam ser relegados ao segundo plano. Mas a arte-enlevo daria prioridade ao alçar pleno do ser humano em níveis espirituais, mentais, psíquicos e do imaginário coletivo.
A paixão pelo sagrado e pelo profano podem ser exploradas igualmente, adequadamente e proveitosamente pela arte, mas a arte-enlevo se propõe ao elevar de mentes, consciências e espíritos tanto de quem a realiza quanto de quem a observa, na pura crítica reflexiva, no puro deleite de sensações e em âmbitos de maior apreciação estética plena.
Mauricio Antonio Veloso Duarte (Sw. Divyam Anuragi)

Meu 13o. Louvor na AVL


Meu 13o. Louvor na AVL. Estou muito contente. Muito obrigado Presidente Maria Ivoneide Juvino de Melo Juvino de Melo e Vice-Presidentes Sy MoisesLuiza Senis. É uma honra e um prazer fazer parte da AVL. Um grande abraço a todos e todas confrades e confreiras. Um por todos e todos pela poesia.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

sábado, 22 de julho de 2017

Meu Patrono visto por mim - Paulo Coelho - Manual do Guerreiro da Luz

Academia Virtual de Letras
Patrono: Paulo Coelho
Acadêmico: Mauricio Duarte
Cadeira: 18



Meu Patrono visto por mim

Aqui passo a analisar o livro Manual do Guerreiro da Luz de Paulo Coelho.  O livro aborda temas universais que permeiam a vida de todas as pessoas – conquistas, derrotas, escolhas, destino, paixão, esperança, amizade, entre outros.  A publicação é uma compilação de pequenas histórias ou considerações já publicados antes em “Maktub”, coluna que fez parte do jornal Folha de São Paulo, e de outros jornais, entre os anos de 1993 e 1996.
Um livro de “lições de vida” não é original nem tão pouco fora do comum...  Muitos escritores dedicaram seu tempo numa brochura deste tipo.  O que há de diferente nesse Manual do Guerreiro da Luz é que Paulo Coelho se debruça sobre algo constante em sua trajetória literária – e não só espiritual ou religiosa – desde, ao menos, o prólogo de As Valkirias (livro autobiográfico).  Refiro-me a citação do seu mestre J. quando diz: “ Porque a gente sempre destrói aquilo que ama.” Uma afirmação que encerra uma contradição tremenda, mas verdadeira.  Os sonhos vão à ruína quando se tornam possíveis...  Achamos que não merecemos aquela conquista, aquela vitória, e acabamos a destruindo.
Longe de ser um adágio de magia ou de religião, a assertiva contém um pensamento filosófico existencialista ou de espiritualidade profunda e, de acordo com Paulo Coelho, provém do seguinte poema; dado a ele por J., escrito num guardanapo de papel:
“A gente sempre destrói aquilo que mais ama
em campo aberto, ou numa emboscada;
alguns com a delicadeza do carinho
outros com a dureza da palavra;
os covardes destroem com um beijo,
os valentes, destroem com a espada.”
Seja como for, Paulo Coelho mantém o foco durante todo o livro em contradições que aparentemente são isto mesmo, contraditórias; mas que para o interessado nas coisas do espírito, tem todo sentido.  Como diz um dos seus excertos: “O diabo mora nos detalhes”, de acordo com um antigo provérbio da Tradição.
E mesmo sendo árduo e longo, o trabalho com o interior sempre vale a pena.  “Um Guerreiro da Luz sabe que tem muito para se sentir agradecido.” Essa gratidão “não se limita ao mundo espiritual, ele nunca esquece seus amigos”.  “Ele não precisa ser lembrado da ajuda dada a ele por outros, ele é o primeiro a lembrar e ficar certo de que compartilha com eles todos os benefícios que recebe.”
Dessa forma, percebemos que este Manual do Guerreiro da Luz não é um livro de autoajuda como muitos já escritos.  Talvez seja um livro de “autotranscendência”, porque nele podemos encontrar tanto histórias que nos levam a uma reflexão quanto pensamentos que nos tornam alertas para uma realidade maior, diferente das superficialidades com que a mídia, ou a própria sociedade, nos acostumaram ao longo da vida.  Um livro para não ter medo da vitória, para não ter medo de ser feliz... Literalmente...


Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Luiz Sá - Entrevista - 1978


Publicada na revista Traço, nº 2 em abril de 1979.


DEPOIMENTO

LUIZ SÁ - VOCÊ SE LEMBRA?

Henri Bon: Luiz, ficha completa.

Luiz Sá: Meu
nome completo é Luiz Sá de Araújo. Nasci em 28 de setembro de 1907, dia
do Ventre Livre, em Fortaleza, Ceará, que na época tinha menos de cem
mil habitantes. Meu avô também se chamava Luiz Sá, era professor de
desenho na escola normal e retratista muito bom. Não o conheci, mas
havia um retrato seu em minha casa, de próprio punho. Eu perguntava à
minha mãe se eram parecidos, ela dizia "meu filho, é o seu avô escrito".
De fato era um grande desenhista.



Sou bisneto
de índia pura chamada Main-chã-cha que morreu com 99 anos e me dava um
grande pavor; já imaginou o que é isso, uma índia de 99 anos! Admito que
minha avó tenha casado com algum mestiço de origem holandesa, já que
temos na família primos morenos e loiros, tão claros que nós os
chamávamos de "bodes loiros". Por isso que eu acho essa divergência de
raças uma bobagem.

Cartazete educativo - 1953


Ildo: E sua família, era muito grande?

Luiz Sá: Eu tinha apenas um irmão, mas havia uma tia com 11 filhos e outra com cinco. Acho que éramos ao todo uns vinte primos.

Henri Bon: Quantos dessa turma, além de você, seguiram o desenho?

Luiz Sá:
Ninguém. Tinha uma prima que desenhava muito bem, mas não era criativa.
A coisa mais importante em nossa casa lá no Ceará, era a sala de jantar
com uma mesa do tamanho de um bonde. Mamãe colocava todos os primos
três vezes por semana para desenhar modelos, nesta mesa. Enquanto eles
copiavam, eu desenhava Tom Mix e outros bichos e minha mãe dizia "voc~e
não vai dar para nada, menino". Naquele tempo a caricatura era obscura,
não havia no Norte. Além disso, eu havia nascido caricaturista e
modificava os modelos, desenhava muito nas calçadas e de vez em quando
alguém passava dizendo - "Esse menino está se perdendo aqui, vai para o
Rio, menino".

Floriano: E você acabou indo...

Luiz Sá: Com 21 anos, final de 28...

Floriano: Para desenhar?

Luiz Sá:
Que nada, era a última coisa que eu pensava. Vim para ganhar a vida.
Tínhamos uma grande fazenda lá no Ceará, seis léguas de largura, mas na
seca de 17 morria gente até em Fortaleza e minha mãe teve de vendê-la
por qualquer tostão. Quando vim pro Rio, a situação não era boa.
Desembarquei em princípio de 29, tava era... pasei foi miséria, acabei
parando no Hospital de Gamboa com icterícia por excesso de álcool. Sabe
como é, a gente sempre encontra alguém para pagar uma cana... eu ia
bebendo.



Lá conheci
uma freira, já idosa, que passou a gostar muito de mim. Não tinha visita
nem carta e a distração era a conversa. Um dia ela me passa chorando
pelo corredor e eu perguntei ao enfermeiro o que havia acontecido. Ele
me disse "era um santo que quebrou". Fui lá, peguei o santo e fui
ajeitá-lo. Depois encarnei, como dizia a minha mãe, "Santo não se pinta,
se encarna".

Aí não tive mais sossego de tanto santo para restaurar que apareceu.

Aconteceu
que o vigia da noite voltou para o exército, era época da revolução de
30, eu já estava bom e assumi o seu lugar. Não podia dormir, rapaz.
Ganhava 60 mil réis e para passar o tempo ia desenhando. Fiz então uns
quadros sobre a História do Brasil.

Floriano: Você já havia tido algum contato com a imprensa em sua terra?

Luiz Sá:
Andei fazendo alguma coisa, muito raramente para o Jornal do Commercio,
no ano de 28. Ainda, no Liceu, rabiscava um jornalzinho à mão, só um
exemplar, que ía passando entre os alunos.

Henri Bon: Voltando ao hospital...

Luiz Sá:
Fiz mais quinze quadros, mas o traço ainda não era este, depois
aprimorei. Um dia mostrei a um pintor cearense, o Pacheco de Queiroz,
que me disse "Ih, Luiz, isso é muito bom" e levou para o Adolfo Aizen. O
Malho naquela época estava fechado pela revolução de 30 e eles haviam
lançado outra revista com o nome de "Eu Vi". Bom, o Adolfo Aizen me
procurou e disse "pago 10 mil réis por cada desenho, publico e devolvo o
original".

Mais tarde
ele me deu a ideia de criar no Tico-Tico uma história infantil. Eu
publiquei então o Reco-Reco, Bolão e Azeitona de 1931 até 1960 quando
fecharam a revista.

Tinha
outros personagens que surgiram mais tarde, Maria Fumaça e Pinga Fogo, o
detetive desastrado, para a Cirandinha, e Faísca, o papagaio.

Ildo: Você foi o primeiro brasileiro a fazer desenho animado. Conta essa história!

Luiz Sá:
Eu desenho muito bem letras e por isso fazia as apresentações dos
jornais cinematográficos. O rapaz com quem eu trabalhava me disse um dia
"Ô Luiz, por que você não faz um desenho animado?".

Eu havia
feito antes uns comerciais de cama patente em que o personagem jogava
madeira por um buraco em uma grande máquina e a cama saía completa no
outro lado. Fiz outro de um jogador de futebol correndo com a bola, de
repente ele parava, com a mão na cabeça, chegava o massagista com um
comprimido, ele tomava, continuava correndo e marcava o gol. Fiz um
bocado desses. Resolvi então criar um maior, eram Aventuras de
Virgolino, isso em 39, acabei deixando o filme em seu laboratório
fechado pela guerra, onde estavam vendendo celulose. E o meu desenho
lavado com ácido, acabou vendido como sucata (risos de indignação).

O segundo,
vendi para o dono de uma loja de projetores que acabou cortando-o,
oferecendo os pedacinhos como brinde a quem comprasse a máquina (mais
risos de indignação). Há uns três anos atrás o Parrot localizou uns
pedaços, utilizando-os em um curta metragem que fizeram sobre mim.

Ildo: Como era o processo, você fazia somente o desenho?

Luiz Sá: Não, eu fazia tudo, desenhos, animação, cores, até o cenário de fundo.

Ildo:
Na década de 40 o Disney resolveu aparecer no Brasil em visita de "boa
vontade", época em que criou o Zé Carioca. Ele não te tocou para
participar do grupo de criação?

Luiz Sá: Não,
Eu até levei o meu segundo desenho animado para uma reunião que o
Disney havia feito aos artistas nacionais, mas o diretor do DIP impediu
que eu mostrasse, dizendo que era muito pobre. É claro que era pobre,
foi feito para mostrar o esforço de um sujeito que tinha feito sozinho,
enquanto no exterior havia uma equipe para isto.

Ildo: Porque estava previsto, ou se pensava, que os artistas nacionais desenhariam o Zé Carioca...

Luiz Sá: O problema é que o Disney impedia a criação e todos os seus auxiliares tinham que desenhar igualzinho.

Davilson: Eu
vou te explicar porque o diretor do DIP achou pobre: na época o Disney
estava começando e não admitia concorrentes, haja visto o Latini (único
cara que conseguiu fazer um desenho animado de longa-metragem no Brasil
nos idos de 50) que foi boicotado porque o Disney estava precisando de
mercado.

Henri Bon:
A gente tem que considerar também que a vinda do Disney ao Brasil era
uma jogada para ganhar o mercado latino-americano, já que o europeu
estava fechado pela guerra. Portanto o Zé Carioca, uma vez perdida a
utilidade, foi relegado a um segundo plano de onde jamais saiu. No
fundo, era uma jogada financeira Disney-Rockfeller.

Henri Bon: Mas o Faísca é anterior ao Zé Carioca...

Luiz Sá:
Sim, e tinha ainda um papagaio anterior, o Louro, que formava o trio
com o Totó, o cachorrinho e Catita, o rato. Acontece que ficamos muito
tempo no baú, já não dava para concorrer com os americanos pelo baixo
preço.

Ildo:
Na verdade, se alguém hoje tentar fazer uma animação em longa-metragem
no Brasil, vai ser tão pobre quanto a trinta anos atrás. Um exemplo
disso é o Piconzé, que levou dois anos (na verdade quatro) para ser
realizado, feito no maior improviso...

Duda: Agora, Luiz, sobre exposições...

Luiz Sá:
Andei fazendo umas e outras (ao fundo a voz do Davilson pedindo limão).
A primeira foi logo em 31 sobre a história do Brasil, chamava-se
"Galeria de quadros célebres da História do Brasil ao estilo moderno".
Depois acabei fazendo outra, já em 34, levando para o nordeste, eram
quadros regionais. Em 47 expus em São Paulo, assuntos de esporte e
somente em 65 voltei a expor.

"DISNEY ATRAPALHAVA A CRIAÇÃO; TODOS TINHAM QUE DESENHAR IGUALZINHO"

March: E quanto a outras atividades...

Luiz Sá: Fiz
dois livros somente com histórias de Reco-Reco, Bolão e Azeitona. Eles
não eram assim. Costumo dizer que a gente sempre desenha melhor com o
passar do tempo. Fui aperfeiçoando-me. O Bolão usava chapéu, tirei,
acabei colocando uns fios de cabelo em sua careca.



Trabalhei
também para o Serviço Nacional de Educação Sanitária, onde publicava
aqueles almanaques de saúde. Um dia aparece um diretor querendo me
exigir horário fixo, gritando comigo. Então eu lhe disse "Sou mais novo
que o senhor e posso gritar mais alto" e dei um berro. Depois voltei
para casa apresentando minha demissão. Ele escreveu uma carta ao
Ministério dizendo que não poderia me dispensar, pelo esforço de guerra,
mas não era nada disso. Acabei arranjando um pistolão para ser
demitido. E fui para o cinema.

Floriano: Jornal da Tela?

Luiz Sá: E
outros. Eu fazia uma charge sobre a notícia. Recebia a encomenda que às
vezes aprontavam em um fim de semana para entregar na segunda-feira.
Sobre esporte era ainda fácil, as sociais davam mais trabalho. Um dia o
Luiz Severiano Ribeiro recebe uma carta de um industrial paulista, nem
sei quem é, sem um pingo de senso de humor, reclamando de um desenho que
eu havia feito de um cara olhando com uma lente para um caroço de
feijão no fundo de um prato. Esta charge ilustra uma reportagem sobre o
banquete de trezentos talheres que ele havia dado.

Ildo: E quanto à questão do direito autoral. Como se fazia naquela época?

Luiz Sá: Não havia isso. Era pelo desenho, a gente recebia na hora sem qualquer outro direito.

Eu estou
lembrando agora de um episódio que me deu alguns trocados: eu havia
desenhado na série "História do Brasil" um quadro sobre a fundação do
Rio de Janeiro, em que, num prédio em construção, havia uma placa AQUI
HÁ OTIS. Não fiz isso com maldade, mas o fato é que um diretor da
empresa acabou gostando, comprou o quadro por cem mil réis e o
distribuiu pelo mundo.

Ildo: Até alguns anos a estação das barcas mantinha algumas ilustrações suas. Que fim levaram aqueles quadros?

Luiz Sá:
Não sei. Foram talvez estragados pelo tempo. Ainda me lembro que um
capitão teve a idéia de substituí-los periodicamente por outros que eu
iria fazendo. Mas sabe como é, foi ele que acabou substituindo a idéia
engavetada e nunca mais falou no assunto.

Henri Bon: E sobre uns slides educativos que você andou fazendo?

Luiz Sá: Vim
pra São Gonçalo há 8 anos e depois de velho acabei tuberculoso, ficando
internado mais de uma ano. Aí o Dr. Ataídes me pediu para fazer uns
desenhos sobre doenças e suas causas. Eu fiz uns cinquenta, mas só tenho
metade comigo. Quem tem a série completa é o Hospital Heitor Carrilho.

March: Quais os seus últimos trabalhos?

Luiz Sá:
Bem, eu fui procurado por algumas pessoas ligadas ao partido do Governo
para fazer umas ilustrações em propaganda eleitoral. Felizmente
trabalho remunerado. Tenho trabalhado também desde abril em alguns
álbuns que quero deixar para minha família.

Ildo: Luiz, quando você parou e por que?

Luiz Sá: Quando
fechou O Malho em 1960. Bem, eu ainda continuei no cinema até 65,
fazendo apresentações para filmes e telejornais, quando trabalhei com
Reginaldo Farias e Jece Valadão. Depois veio o Castelo com essa história
de retirar a obrigatoriedade de apresentação do curta-metragem. O
cinema pagava razoavelmente bem e de uma hora para outra perdi o
emprego. Foi-se o meu padrão de vida que diga-se de passagem era muito
bom.

Andei por
1966 fazendo alguns desenhos de apresentação para o programa de Heron
Domingues na TV Continental. E depois, nessa época eu morava em Paquetá,
e quem mora em Paquetá não quer nada com o trabalho, sabe como é que
é...

Atualmente
Luiz Sá, afastado de toda atividade profissional, repousa dos anos de
luta recolhido em uma pequena residência em São Gonçalo, que de modo
algum faz juz à genialidade de quem foi o pioneiro do desenho animado no
Brasil.



Fomos
encontrá-lo às 10:43h do dia dois de fevereiro de 1978. Presente Henri
Bon, Ildo Nascimento, Levy Szmaragd, Marcus César, Duda, march, Fernando
Nunes, Rossini, Floriano, Davilson e Júlio César Valadão Diniz
.



Tomamos de assalto a casa,
munidos de cachaça, violão, filmadora, gravadores e máquinas
fotográficas, com o objetivo - dentro de nossas limitações - de traçar
um retrospecto de sua vida artística, que atravessou quatro décadas
ininterruptamente.

Convite para a exposição Cartuns Cinematográficos. 1994




fonte: TIRAS Memory

domingo, 9 de julho de 2017

1º super-herói da história era lenda urbana e lembrava um Batman assustador

1º super-herói da
história era lenda urbana e lembrava um Batman assustador
Divulgação
Spring-heeled Jack em versão publicada do século 19 Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

09/07/2017 04h00

Inglaterra da Era Vitor... - Veja mais em
https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2017/07/09/1-heroi-da-historia-vem-de-uma-lenda-urbana-e-lembra-um-batman-assustador.htm?cmpid=copiaecola

Divulgação
Spring-heeled Jack em versão publicada do século 19 Imagem: Divulgação
Do UOL, em São Paulo
09/07/2017 04h00 


Inglaterra
da Era Vitoriana. Século 19. A neblina densa em uma noite fria traz o
sibilo do vento e passos podem ser ouvidos ao fundo. O barulho aumenta e
o desespero também. Quem vem por aí? Olhos vermelhos, uma flâmula azul
na respiração, dois chifres no alto da cabeça e garras afiadas dão a
visão de um demônio à procura de sangue.

Muitos antes do
Super-Homem virar um ícone dos quadrinhos na década de 1930 e referência
para tantos personagens, uma lenda urbana já tinha se transformado em
herói na cultura popular. Spring-heeled Jack faz parte do folclore
inglês e foi visto pela primeira vez em 1837. Não nas revistas, na rua
mesmo.

A história se espalhou pelo Reino Unido, e relatos
assustadores da entidade passaram da parte central de Londres para a
Escócia. SHJ (um apelido mais carinhoso) surgiu em um período
aterrorizante, com altos índices de violência na capital Londres, onde a
população vivia com medo até de fantasmas perseguidores.



Divulgação/OhioStateLibrary
Imagem: Divulgação/OhioStateLibrary

Cultura pop

Assim
como Jack, O Estripador, a cultura popular da época agarrou a
oportunidade e viu na figura estranha e sobrenatural uma forma de ganhar
dinheiro. Os chamados “penny dreadful”, literatura popularesca vendida
por merreca no século XIX, tinham como temas detetives, crimes e
personagens sobre-humanos. Uma de suas produções mais famosas foi
justamente do "bisavô do Batman".

Spring-Heeled Jack ganhou uma
série nesses livretos e sua fama cresceu cada vez mais. As histórias
mostravam o conflito de SHJ, que combatia os injustiçados usando
recursos típicos dos super-heróis que conheceríamos um século depois.

Mas
para ganhar a alcunha de super-herói demorou um pouco. Graças a um
projeto de bibliotecas inglesas para resgatar textos clássicos, SHJ foi
publicado em 1904, em uma versão escrita por Alfred S. Burrage e que se
passava no período napoleônico.

Bertram Wraydom era um jovem
tenente traído por seu meio meio-irmão, que estava de olho na herança
familiar. O protagonista venceu a pena de morte, arrumou um traje e foi
em busca de vingança contra o vilão.

Um parente distante do Batman?

“Era
um homem usando uma túnica justa, rasgada na frente como se suas
costelas estivessem descobertas. Quem teria imaginado um homem dando
saltos tão gigantescos, ou com olhos brilhantes de uma cabeça demoníaca
na qual uma máscara acolhia uma longa pena”, descreveu Burrage.

SHJ
ganhou novos poderes, dava choque com as mãos, saltava 15 metros e
ainda marcava os inimigos mortos com a letra “S”. O personagem Zorro,
criado em 1919, foi baseado na assustadora figura do herói.

Jess
Nevins, autor do livro “The Evolution of the Costume Avenger: The
4,000-Year History of the Superhero”, disseca quatro séculos da cultura
dos heróis e analisa a importância da lenda urbana que virou um
combatente do crime.

"Spring-heeled Jack é o primeiro personagem
publicado da era moderna a incorporar a dupla identidade, a vestimenta, o
esconderijo secreto e missão altruísta", resume o pesquisador. "Além
disso, o personagem roteirizado por Burrage tinha poderes, fazendo dele o
primeiro vingador trajado super-humano. E graças à distribuição na
América, leitores e autores foram influenciados".



Reprodução
Spring-heeled Jack em versão para os games Imagem: Reprodução

A lenda urbana no século 21

O
legado de SHJ ainda é conhecido mais de 150 anos após sua fatídica
"estreia". O game "Assassins Creed Syndicate", lançado pela milionária
produtora Ubisoft em 2015, traz uma missão em que você pode deter o
temido personagem, a partir de uma informação divulgada por ninguém
menos que Charles Dickens.

Ainda no mundo dos games, o RPG "The
Elder Scrolls IV: Oblivion" traz uma bota chamada "Boots
of Springhell Jak", que te faz pular com extraordinária força.

O
primeiro super-herói também também ganhou uma música cavernosa da banda
Lazarus & The Plane Crash, no álbum "Horseplay", e foi lembrado na
série da BBC "Luther", quando um serial killer usava uma máscara e tinha
como desejo emular o terror que Spring-heeled Jack causou na cidade.







fonte: UOL Entretenimento