quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Vozes que calam - Sementes líricas



Fui selecionado para a publicação do livro:
Vozes que calam na Coleção Sementes Líricas da Editora Literacidade.

Em breve disponível para compra.  Muito feliz!

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Questões múltiplas das artes

 

 

Questões múltiplas das artes


Nas artes visuais, artes gráficas e artes plásticas existem questões que se entrelaçam.  Dentre elas, a criação ou processo criativo e a independência do artista como criador.  Kandinsky, em sua busca pelo transcendente no abstrato, já abordava problemas semelhantes em 1929 quando afirmava sua visão sobre a relação entre razão e sensibilidade como um projeto em dois tempos na compreensão da própria arte: “Enquanto trabalho, a minha ‘cabeça’ silencia completamente.  Mas além do trabalho pictórico ‘prático’, dedico-me com muito prazer à teoria (...) Aquilo a que se refere teoricamente e que com o tempo se compreende e do qual se apodera vem naturalmente aplicado (de forma inconsciente) nos trabalhos futuros.”
Mas em que medida teoria e prática podem concorrer para um único norte?  Ou melhor, quanto mais distante do Academicismo, mais próximo de uma evolução artística?  Existe evolução artística cronológica na história da arte?
O Academicismo, hoje em dia, ainda é, e foi até mesmo durante o século XX, fundamental e permanente na atuação artística. Podemos verificar isso ao ver que a ideia de que a instrução na teoria da arte na formação de um artista continua sendo utilizada e, talvez, supere as ideias antigas a esse respeito. O currículo universitário moderno oferece aos estudantes uma vasta gama de recursos teóricos e os prepara especificamente para o manejo da palavra e da ideia para articulação, justificação e divulgação do seu trabalho prático, incluindo uma série de disciplinas que os primeiros acadêmicos jamais imaginariam incluir ou sequer vir a existir, como a psicologia, sociologia, antropologia, semiótica e computação.  Além disso e contra o argumento de que a vida estudantil é uma e a vida de carreira profissional é outra, toda a vasta produção textual sobre arte enfatiza a necessidade de preparo intelectual do praticante.  Também nenhum crítico de arte sério, hoje em dia, nega a importância do exemplo de uma dinastia recente de modelos consagrados como Picasso, De Kooning, Warhol e Beuys que serviram e servem de inspiração para muitos outros artistas.
É claro que a influência das Academias de arte e do aprendizado formal diminuiu muito e podemos ver, com frequência, um grande número de artistas auto-didatas com papel de destaque nas artes e com a liberdade e a originalidade como vertentes próprias das suas práticas, oriundas justamente de sua formação fora dos cânones ou fora da guia de professores de arte, de acordo com as próprias palavras desses mesmos artistas.
Historicamente, no Brasil, a estreita ligação da arte acadêmica com o poder constituído trouxe o academicismo nacional a um parâmetro de ato político, como um laboratório para a formulação de importantes símbolos da identidade nacional e uma vitrine para a sua divulgação.  Essa arte, além de patentear a ilustração das elites e auxiliar na educação do povo, funcionava como um instrumento ideológico e um cartão de visitas para a inserção do Brasil numa ordem capitalista internacional.  Pouco ou nada isso mudou ao longo do tempo, sendo que a ascensão do modernismo jogou na obscuridade os praticantes do antigo academicismo por volta de 1950, mas o caráter reacionário e elitista, perdura em muitos níveis, até os nossos dias.
A independência da arte e do artista seriam conseguidos quando a obra artística se distancia da propaganda?  Alcançar significância social e desenvolver o componente estético podem coexistir na obra de arte?  De que modo o artista realmente independente deve se portar com relação a subsídios governamentais e com a mídia em geral para que seu papel seja relevante enquanto figura pública e enquanto artista que deixa uma obra para a posteridade?
Essas questões fazem parte de um todo e só podem ser analisadas e respondidas – se é que existem respostas – se considerarmos a multiplicidade, a organicidade e a amplitude das artes contemporâneas que se caracterizam também por uma sintonia fina com a imaginação criadora, os movimentos sociais e a cultura e o conhecimento transdisciplinar.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

domingo, 11 de outubro de 2015

Hildebrando de Castro

Leia o novo texto da minha Coluna no Divulga Escritor:


Hildebrando de Castro


Hildebrando de Castro nasceu em Olinda em 1957. Como toda criança, desenhava, rabiscava em bloco, em qualquer papel.  Autodidata, trabalhou como artista gráfico.  Alcançou um nível de excelência na pintura em pastel, técnica não muito usual atualmente, mas em que  Hildebrando tornou-se mestre. Visto que sua visão da história da arte não é cronológica nem progressista e que, fazer arte para ele está muito ligado ao prazer, o artista foi aperfeiçoando a técnica, explorando questões internas do seu próprio trabalho.  No final de 1999 e começo de 2000 voltou-se para a pintura à óleo, mas sem os resultados do pastel.  Até que em 2001 encontrou-se com o óleo, alcançando a mesma magnitude do trabalho com a técnica antiga. Posteriormente, passou da pintura para a produção de objetos.
O artista pinta o que o interessa e quando vê o tema esgotado, passa para outro assunto.  Sua obra é essencialmente narrativa, mas as histórias que conta não são do domínio da realidade, são antes, um mundo paralelo que Hildebrando enxerga colado ao real.
Na série Histórias Insólitas, o grande mestre retrata acidentes que desencadeiam histórias, como o tornado do Mágico de Oz, o incêndio na floresta de Bambi, um tsunami que empurra um transatlântico.  Pintadas à óleo, as peças, em dimensões mínimas, são reunidas como histórias em quadrinhos.
Em outra série, Arquitetura da Luz, o artista aborda os jogos de luz e sombra criados nos brise-solei dos prédios da cidade de Brasília.  A beleza das imagens resulta em peças de arte quase concretistas que desafiam o olhar.
Entes humanos é uma série composta por trabalhos com seres fantásticos criados pelo artista a partir de pessoas reais retratadas em cores quentes e cenários oníricos.
Em Inquieto Coração, Hildebrando enfoca vísceras cruas como se fossem símbolos; fazendo corações pulsarem, dando movimento à imagem estática.
Corpos Fragmentados evocam a nossa condição animal, sempre esquecida e negada, com braços e  pernas exangues, cortados como postas de açougue.
Já na série Infância Perversa, o artista retrata o universo infantil com humor negro, colocando a crueldade e a falsa ingenuidade dos brinquedos, grande parte, cada vez mais erotizados.
Segundo Marcus de Lontra Costa: “Hildebrando de Castro é um repórter da visualidade, um atento observador das formas e cores do mundo.  A sua capacidade técnica inegável está sempre a serviço de uma precisa e contundente análise sobre a vida e seus paradoxos, sobre os limites delicados entre o fantástico e o real; fiel ao espírito da contemporaneidade ele é um artista das frestas, das passagens, das coisas do mundo que sugerem leituras diferenciadas, verdades várias, vagas, vastas em seus mistérios, variadas interpretações (...)”
Num abrir e fechar de olhos (ou janelas?), Hildebrando de Castro nos propõe a vida entre uma euforia e uma ressaca; uma consciência de que o decadente pensamento moderno está em seu crepúsculo.  A sensação de que estamos todos sozinhos, de inquietação e do silêncio vazio está presente em sua obra e o artista reflete nosso tempo de um modo que só um criador de arte magnífico e genial poderia fazê-lo.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

Pesquisas eletrônicas e bibliográficas:
Para entender a obra de Hildebrando de Castro . Entrevista do artista a Maria Alice Milliet . (São Paulo, dezembro de 2004) http://www.hildebrandodecastro.com.br/Textos_MA.html
Ilusões do Real . Hildebrando de Castro . Catálogo da exposição . Caixa Cultural Rio de Janeiro . 14 de janeiro a 03 de março de 2013

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A burqa também existiu no Algarve: era o bioco e dava liberdade à mulher



No século XIX, um antigo governador civil que não gostava de ver
as mulheres todas tapadas decretou a abolição do uso do trajo
tradicional de todas as ruas e templos. Agora, foi recriado um bioco
moderno mas a cabeça fica destapada.







Vasco Célio







A mulher algarvia, há pouco mais de um século, também usou burqa
mas sem conotações religiosas. À capa negra que se estendia da cabeça
aos pés e só permitia ver os olhos, foi dado o nome de bioco ou rebuço.
Um antigo governador civil, em nome da nova civilização, decretou que
este traje tradicional fosse banido das ruas e templos. Agora, o bioco
está de volta em versão moderna, com outras histórias para contar.


O antigo governador civil de Faro, Júlio
Lourenço Pinto, nascido no Porto, viu nesta peça de vestuário “vestígios
da dominação muçulmana” que entendia não terem razão de existir no
final do século XIX. Vai daí, extinguiu o bioco. No seu livro de
crónicas O Algarve, publicado em 1894, justifica: Trata-se de
uma “máscara” que poderia dar azo a certas libertinagens. Uma das razões
invocadas prende-se com a fidelidade conjugal. Imagine-se uma “frágil
pecadora” que, vestida de forma a não ser reconhecida, poderia atirar-se
“sem perigo a aventura amorosa-romanesca ou a façanha de infidelidade
conjugal”, afirma. Por isso, servindo-se dos poderes que lhe estavam
conferidos, decretou: “É proibido nas ruas e templos de todas as
povoações deste distrito o uso dos chamados rebuços ou biocos de que as
mulheres se servem escondendo o rosto”, refere o artigo 32, do
Regulamento Policial do distrito, publicado a 6 de Setembro de 1892.
Lurdes
Silva, natural do Porto, “apaixonou-se” pelo bioco quando visitou o
Museu do Trajo, em São Brás de Alportel – local onde se podem encontrar
cópias de alguns exemplares. O amor à primeira vista por uma peça de
vestuário, confessa, não é coisa rara. Mas, neste caso, houve mais do
que isso. Esta professora da Universidade do Algarve, na área nas
ciências económicas e empresariais, sentiu necessidade de mergulhar na
cultura da região. “Levei dois anos a investigar a história desta peça”.
Por fim, decidiu partilhar os conhecimentos e começou a produzir biocos
colocando, no forro da peça, a história deste vestuário contada em
português e inglês. Em 1922 no livro Os Pescadores, Raul
Brandão dizia que se tratava de “um traje misterioso e atraente”, que
alimentava especulações. Numa passagem da obra, referindo-se às mulheres
de Olhão, escreve: “Quando saem, de negro envoltas nos biocos, parecem
fantasmas. Passam, olham-nos e não as vemos”.

Mas qual é relação da burqa com o bioco? A burqa,
diz Lurdes Silva, é uma “imposição masculina, aqui passa-se o
contrário: o homem não quer que ela use, mas ela usa para ter mais
liberdade”. Por conseguinte, os três modelos que concebeu, com design de
Maria Caroço, puxam pelo lado estético da peça, sublinhando as
histórias amorosas e o sentido da liberdade. Por isso, cada um tem a sua
designação: mistério, tradição e paixão. O preço dos modelos recriados
varia entre os 139 e os 159 euros.

Assim, a novidade deste Verão é
um bioco, de um tecido leve, com grafitti assinado por Sen Silva – um
artista com várias obras públicas em Olhão e com vários trabalhos
expostos numa galeria em Almancil. “Tanto pode ser usado numa cerimónia,
como numa festa sunset”, diz Lurdes Silva, referindo-se ao bioco
“mistério”, uma peça sugerida pela cantora Viviane, a artista que
integra o projecto ”Rua da Saudade”, em homenagem ao poeta Ary dos
Santos, e canta “Do Chiado até ao Cais, e que se rendeu à recriação
deste traje regional. As cores predominantes são o verde/figueira, o
azul lusco-fusco do pôr-do-sol algarvio e o tijolo dos mercados de
Olhão. Uma colecção destas peças vai estar patente ao público, na FIL,
em Lisboa, entre 27 de Junho a 5 de Julho, numa mostra dedicada à
inovação. Para já, no Centro de Investigação e Informação do Património
de Cacela, está patente, até 12 de Julho, na parte da tarde, uma
exposição de biocos da autoria da artista plástica Joana Bandeira.

Bioco, um mito bem guardado
Mas
nos finais do século XIX, a visão de Júlio Lourenço Pinto estava longe
deste recente entusiasmo pelo bioco já que considerava que este não
passava de um vestígio da cultura islâmica “sem elegância nem beleza”,
feito de um tecido “negro sepulcral”, que não se coadunava com evolução
civilizacional. Com alguma semelhança a este traje encontra-se o capelo,
da ilha Terceira – que ainda faz parte do folclore açoriano e se tornou
símbolo dessa região. No Algarve, a extinção oficial deu-se em 1892.
Porém, continuou a ser usado em Olhão até meados dos anos 30 do século
XX. O director do Museu do Trajo em São Brás de Alportel, Emanuel
Sancho, diz que não passa de “um mito” a relação que se estabeleceu
entre esta peça e o véu islâmico. “Há um século tapava-se a cabeça em
toda a Europa – desde a Holanda, onde não havia biocos, até à Inglaterra
e à França”, observa.





A burqa também existiu no Algarve: era o bioco e dava liberdade à mulher - PÚBLICO

LEO VIEIRA: O que fazer diante de uma resenha negativa?

Uma polêmica das grandes! O que fazer quando a resenha encomendada sai negativa e ofensiva?
Isso pode acontecer principalmente quando o blogueiro é preconceituoso e decide atacar pela sua ótica pessoal. Infelizmente não se pode agradar a todo mundo.
Antes de tudo, vou ensinar como evitar esse constrangimento. Primeiro, antes de entregar o livro, procure saber qual o gênero literário preferido do blogueiro. Se ele tiver um gênero que odeia, procure saber também.
Depois, peça antes que o blogueiro leia ressaltando a qualidade textual e gramatical. Se o resenhista descer o sarrafo no seu livro de zumbis simplesmente porque ele odeia a temática, saiba que não foi pelo seu livro ter sido ruim, e sim porque foi somente pelo gosto dele.
Se por acaso a resenha correu solta, não alimente a polêmica. Ficar fazendo alardes, com lamúrias públicas só vai servir de lenha na fogueira. Isso é tentar apagar o fogo com querosene.
Críticas públicas vão aumentar o ibope do blogueiro. Além de criar uma situação desconfortável para todos. Existe uma regra para nunca usar o telefone quando se está bêbado. Também não devemos tomar atitudes quando estamos zangados. Isso também se aplica à internet. Relaxe, tome um café, dê uma volta na rua, leia um gibi, pense em coisas boas e depois tome uma atitude com disciplina.
Se você ficou extremamente ofendido, você pode pedir gentilmente que a resenha seja removida do blog. Se o blogueiro também quiser devolver o livro, agradeça.
Caso nem uma nem outra coisa seja feita, não toque mais no assunto. Também não se vingue, para que isso não prejudique o seu lado. Caso o rumo das postagens ofensivas lhe prejudicarem demais, tome medidas judiciais cabíveis.

E a vida virtual literária continua. Todos nós erramos e aprendemos a não repeti-los, nem confiar novamente em certas pessoas.


"Leia + Livros" com o Leo Terário
® Leo Vieira- Direitos Reservados 

sábado, 3 de outubro de 2015

Um roteiro crítico das bibliotecas do Centro da Capital

Um roteiro crítico das bibliotecas do Centro

Da precaução da ABL, que veta a corrupção
de menores, à vivacidade da Biblioteca Parque Estadual, um passeio
pelas bibliotecas do Centro, para descobrir como elas tratam quem quer
estudar e trabalhar em um espaço público.
Como usuário das bibliotecas do Centro da capital, para ler, estudar e escrever, sou frequentemente tomado por desânimo.



Todas, em alguma medida, são dotadas de qualidades: acervos ricos, belos prédios, equipe cordial ou ambiente confortável.



Isto posto, várias delas transmitem uma sensação incômoda de
desperdício ou mau uso. Não é que as bibliotecas precisem de grandes
mudanças: o fundamental — um prédio e livros — geralmente tem ótima
qualidade.



Ainda assim, no que deveria ser mais simples e trivial, os
responsáveis pelos espaços às vezes parecem simplesmente ter se
distraído ou descuidado. Em fatores que supostamente deveriam ser de
fácil realização, mas que também são indispensáveis para quem quer
estudar ou trabalhar em um espaço público em 2015 — como internet de
qualidade, tomadas para computadores, luz natural, regras de uso que
acolham os frequentadores —, as imperfeições são muitas, e
frequentemente de caráter inusitado.



Com o propósito de averiguar a quantas andam as bibliotecas do Centro
para quem deseja utilizá-las como espaço de trabalho, percorri um bom
número delas ao longo de dois dias, atentando para suas normas, sua
frequência, sua disposição física e seus serviços — para o estado em que
se encontram e o que oferecem, em suma.



Fui acompanhado por um livro de bolso, um laptop e um caderno — isto
é, os instrumentos de trabalho de um estudante ou de um leitor —, além
de uma garrafinha d’água, para não precisar interromper o expediente.



O resultado de minhas impressões, na ordem de suas visitas, foi o seguinte:



Médiathèque (Maison de France):
Localizada no prédio do consulado francês, na avenida Presidente Antônio
Carlos, a biblioteca foi fechada para obras em agosto do ano passado,
e, desde então tem funcionado em esquema provisório, com acervo
reduzido, no corredor do setor do consulado dedicado à cultura.

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Maison de France: em reforma, mas com mesmo serviço hospitaleiro de sempre.
Em seu modo de operação normal, a Maison costumava ser um lugar
acolhedor, de vista esplendorosa para a Baía de Guanabara e o Pão de
Açúcar, ar-condicionado forte, cerca de 30 lugares, livros e dvds
franceses à disposição (a maioria no original, mas também alguns em
português) e equipe simpática e dotada de grande vontade de não
atrapalhar seus frequentadores, permitindo que consultassem os próprios
livros, bebessem da própria água e usufruíssem de ótima internet.



Desde o fechamento provisório, algumas novas regras foram instituídas
no edifício onde está instalada. Uma breve inspeção na porta do prédio,
com os seguranças verificando minha mochila, foi uma novidade, assim
como um rápido cadastro na portaria.



Em relação à biblioteca em si, para quem está funcionando em modo de
exceção, a Maison vai muito bem, obrigado. Os funcionários na entrada
são os mesmos, os livros à disposição para empréstimo, se menos
numerosos do que o normal, continuam a ser inencontráveis em qualquer
outra biblioteca da cidade (há diversos lançamentos franceses, de
filosofia a cinema, por exemplo) e l’ambiance, a despeito da
ausência completa de janelas, tenta reproduzir como pode o original, com
prateleiras espalhadas pelas paredes e uma longa mesa ao centro.



Enquanto estive lá, fui o único visitante, e recolhi-me a uma das
poucas cadeiras disponíveis. A hospitalidade continua a norma da casa, e
nenhum funcionário me procurou para me censurar pelo que quer que
fosse.



Quando, todavia, depois de cerca de uma hora lendo, fui perguntar a
senha do wi-fi, tive uma grande surpresa: não era para eu estar ali, uma
vez que a biblioteca tem funcionado apenas com empréstimo de livros, e
não como salão de leitura. Isto é, em tese, a biblioteca da Maison nem
deveria aparecer neste texto, uma vez que, por ora, ela não é uma opção.



Surpreso pela minha ilicitude involuntária — e já ciente da senha do
wi-fi — voltei para minha cadeira, onde fiquei por mais trinta minutos
navegando na internet, até achar que já era hora de partir.



De acordo com as normas oficiais, portanto, só em novembro a Maison
volta a se tornar um lugar para trabalho e estudo, quando termina a
reforma do salão. Na prática, contudo, aqueles que até lá quiserem
esperar na mesa do corredor, possivelmente poderão fazer isso, pois a
gentileza dos funcionários talvez os impeça de pedir para um leitor se
retirar.



Biblioteca Rodolfo Garcia (Academia Brasileira de Letras):
A biblioteca da ABL é um lugar de regras abundantes e meticulosas. Para
usá-la, além do cadastro na portaria do edifício, é necessário, em
primeiro lugar, ter em mãos documento de identidade e comprovante de
residência.



Depois disso, é preciso ler e assinar três formulários. O mais longo
deles, de 10 páginas, merece atenção detalhada. Ele determina, por
exemplo, que: não está autorizada a corrupção de menores por quem
utilizar a internet; esquemas de corrente, pirâmide ou bola de neve
também não são permitidos; “redes sociais“ (“Orkut, Friendster, Par
Perfeito, Almas Gêmas, Fotolog, Blog, entre outros”), tampouco; caso
algum frequentador se ofenda com conteúdo visto na internet, a
biblioteca não possui responsabilidade sobre isso; não se pode enviar ou
divulgar mensagens de “conteúdo falso ou exagerado, que possam induzir
ao erro o seu receptor”; só se pode ir ao banheiro sem levar mochilas ou
bolsas; short, camiseta e chinelo não estão liberados (“sendo assim
fica liberado o uso de bermudão, isto é, até o joelho para ser usado na
biblioteca (...) principalmente no verão do Rio de Janeiro”), e por aí
vai.

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ABL: um lugar sério e de normas minuciosas.
Além destas regras, exige-se a leitura de outras advertências, e o
fornecimento de informações para cadastro que vão desde o telefone de
algum familiar – para a eventualidade de um piripaque por parte do
usuário – ao endereço de seu empregador.



Em meio a esta superabundância de formalidades, a que mais incomoda,
de longe, é a interdição do uso de teclados de computadores. Na
biblioteca da ABL, laptops — assim como livros pessoais — são
bem-vindos, mas não é permitida a “digitação de trabalhos no salão de
leitura”. Quem quiser mandar um e-mail, escrever um texto ou realizar
uma simples busca no Google deve se limitar a um dos três cubículos
disponíveis – todos ocupados, em minha visita – ou à pequena baia de
computadores.



Impossibilitado de escrever digitalmente, o usuário pode, além de
usar o mouse para acessar a internet (ótimo wi-fi, aliás), se contentar
com os livros do acervo, formado sobretudo por obras de literatura.
Raridades estão disponíveis para consulta, e empréstimos também são uma
possibilidade para os mais assíduos.



A respeito do público, o belo e amplo salão, de cerca de 60 lugares,
estava cheio de estudantes, sobretudo concurseiros e pesquisadores,
silenciosamente tomando notas em seus cadernos. As persianas totalmente
fechadas e os bustos de imortais à volta acrescentavam gravidade à cena.



Seria um privilégio saber o que aquelas dezenas de pessoas, muitas
usando computadores literalmente intocados, pensam do espaço, uma vez
que pareciam ir ali com frequência. A norma do silêncio, entretanto, é
uma das poucas vigentes que consigo facilmente compreender, de modo que
preferi sair sem dizer nada.



Biblioteca Euclides da Cunha (Palácio Capanema):
Talvez isso se deva ao único usuário que lá estava em minha visita — um
jovem cochilando inclinado sobre o próprio livro numa mesa ao fundo —,
mas a biblioteca do Palácio Capanema parece se encontrar em um estado de
dormência.



Até algumas décadas atrás, ela certamente era uma das melhores da
cidade. Com cerca de 50 lugares divididos em mesas grandes, espaçosa,
provida de curvas niemeyerianas, a biblioteca ainda mantém parte de seu
mobiliário original de mais de 60 anos, incluindo aí as estantes que
guardam as fichas catalográficas do acervo de 150 mil livros.

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Capanema: biblioteca adormecida.
A não digitalização do catálogo dá a dica do que está por vir: a biblioteca não disponibiliza wi-fi para os visitantes.



Como resultado, aquele que poderia ser um dos melhores espaços na
cidade para quem deseja trabalhar encontra-se abandonado, vazio e
desalentador.



O mais lamentável é que seria bastante simples fazer a gigante
acordar: a atmosfera da década de 1940 é formidável; já há tomadas; as
janelas inesperadamente dão conta do recado e mesmo a ausência de
ar-condicionado não torna o calor insuportável; o consequente barulho
dos ônibus, se não ajuda, também não atrapalha a concentração (o
trânsito é um dos poucos lugares onde encontramos o silêncio na
atualidade, dizia John Cage);
as normas da casa são bastante simpáticas, oferecendo empréstimos e
permitindo a entrada de material próprio, incluindo livros e computador.



Em tese, bastaria, portanto, assinar um servidor de internet, para
que suas mesas voltassem a estar cheias de gente — e não é de se
desconsiderar que até mesmo o jovem adormecido ao fundo se sentisse mais
estimulado a acordar.



Real Gabinete Português de Leitura: Possivelmente a construção mais encantadora da cidade, várias vezes eleita uma das bibliotecas mais bonitas do mundo, está há dois meses em reforma para restauração da abóbada, com conclusão prevista para o fim do ano que vem.



Durante as obras, o lustre foi rebaixado para o centro do salão, e as mesas que ali ficavam foram deslocadas para os cantos.

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Real Gabinete: joia em manutenção. [Foto: Bolívar Torres]
Boa parte da mágica das estantes altas e cheias de volumes se perde
na configuração provisória, problema que se acentua com os cochichos de
turistas, menos avergonhados do que o costume, e com a movimentação de
operários.



Ainda assim, o salão continua funcionando para quem quiser ali ler,
com meia dúzia de cadeiras, todas ocupadas. Há internet sem fio, mas, na
situação atual, não há tomadas.



Um problema antigo também persiste: o Real Gabinete permite somente a
leitura de livros de seu próprio acervo, o que inviabiliza a frequência
de quem estuda o que não está lá disponível. A norma parece não fazer
grande sentido, uma vez que os pertences dos frequentadores ficam
guardados em escaninhos do lado de fora, e um sistema de controle
simples impediria roubos ou extravios.



Faria bem, deste modo, que a reforma não se limitasse apenas à arquitetura, mas se voltasse também para regulamentos obsoletos.



Biblioteca Parque Estadual: Quando propus este texto
à minha editora, um problema que temia era a expectativa de a
Biblioteca Parque Estadual ser a melhor do Centro, o que poderia gerar
controvérsia, por se tratar de uma parceira do Vozerio.



Para provar independência jornalística, começarei, deste modo, por
elencar seus problemas: a internet é instável e caiu duas vezes durante
uma hora de uso; aquela região da Presidente Vargas fica vazia à noite
e, suspeito, aos sábados; se antes havia filas para assistir a filmes,
as novas regras de uso da DVDteca, que agora exigem agendamento prévio,
fizeram com que várias cabines fiquem vazias; a comida do café é meio
chinfrim.



Isso posto, a Biblioteca Parque Estadual continua a ser, de longe, a melhor do Centro da cidade.



A fazer jus ao nome Parque, nela, mais do que em qualquer outra, o
frequentador sente estar em um espaço vivo, de convivência, troca,
hospitalidade e mútuo aprendizado.



Isso se dá, como já foi falado,
pela composição heterogênea de seu público, que foge do combo habitual
de concurseiros + estudantes de pós-graduação e inclui também alunos de
escolas públicas, moradores de rua, crianças, pessoas que nunca
estiveram em uma biblioteca e agora vão lá sempre.



Manifesta-se também em seu acervo, disponível para empréstimo, que
inclui de filosofia a enfermagem a quadrinhos e a jornais, além dos já
mencionados filmes, sem elitismos, mas mesmo assim guardando opções para
públicos especializados.



Pode ser percebido também na arquitetura, que aproveita a luz natural
e é cheia de janelas, além de facilitar a circulação e a sociabilidade.



Há ainda as regras de uso, que admitem o uso de laptops, a entrada de
livros pessoais e até a garrafinha d’água, incentivando os visitantes a
se sentirem à vontade, e que ainda assim proporcionam um clima calmo e
propício ao trabalho, não por meio de paranoias kafkianas, mas sim de um
equilíbrio natural que surge entre os usuários, chamado bom-senso.

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Biblioteca Parque: espaço acolhedor para nosso tempo.
Poderiam ser citados ainda os múltiplos usos do espaço, que incluem
debates, oficinas e peças de teatro, ou a mobília, que, além de vários
tipos de mesa, conta também com poltronas, bancos e cabines individuais e
coletivas, compreendendo que as necessidades de cada usuário são
diferentes, e que a oferta de serviços também deve ser.



Em abril deste ano, por questões financeiras, a biblioteca reduziu
seu horário de funcionamento, e deixou de abrir nos fins-de-semana. A
repercussão negativa foi alta, e pouco depois o lugar voltou a funcionar
aos sábados e ampliou também o horário em dias de semana. Já é um
(re)começo, mas também pode se sonhar com o que dia em que, a exemplo do que já acontece em outras capitais, a biblioteca passe a ter um funcionamento ininterrupto. Em um país onde a maioria dos habitantes não leu um livro sequer no ano passado, espaços como a Biblioteca Parque Estadual são verdadeiros oásis.



Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB): Decerto há
alguma razão arquitetônica para isso, mas não deixa de ser curioso que o
salão de leitura da biblioteca do CCBB tenha se instalado onde poderia
estar o cofre do banco, enquanto o banheiro possui bela vista para a
Baía de Guanabara.



O confinamento total, acentuado por uma luz fria e pela decoração que
não inclui nada além de mesas e cadeiras, com qualquer ponto do salão
sendo visível de qualquer outro ponto, torna a experiência de se estar
ali algo claustrofóbica.

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CCBB: salão espaçoso, mas onde livros pessoais não podem entrar.
É uma pena, porque o acervo das estantes, localizadas do lado de fora
do espaço reservado apenas para leitura, dispõe de variedade e riqueza,
indo de engenharia a livros raros de arte. Para agravar a situação,
este acervo não pode ser consultado fora da biblioteca senão por pessoas
cadastradas em outras instituições ou por funcionários do banco, o que
ressalta a importância de um salão agradável.



Importância reforçada também pela política de uso atual, que,
inacreditavelmente, não autoriza a entrada de livros próprios, e que
permite apenas — embora a regra com frequência não seja cumprida —
artigos de, no máximo, 20 páginas.



A internet, uma crítica frequente na reabertura da biblioteca após
anos de obras em 2012, atualmente funciona bem, e provavelmente é ela a
razão para o salão de 100 lugares estar usualmente cheio.



Os horários da casa também merecem elogios. Atualmente a única
biblioteca do Centro do Rio (da cidade inteira?) a funcionar domingo é a
do CCBB, e também é ela a que permanece aberta até mais tarde (21h).



Serviço:



Biblioteca Euclides da Cunha (Palácio Capanema): Rua da Imprensa,16 / 4º andar. De segunda a sexta, de 9h30 às 17h30. Tel: (21) 2220-4140.



Biblioteca Parque Estadual: Avenida Presidente Vargas, 1261. De terça a sábado, das 11h às 19h. Tel: (21) 2332-7225.



Biblioteca Rodolfo Garcia (ABL): Avenida Presidente Wilson, 231 – 2º andar. De segunda a sexa, das 9h às 18h. Tel: (21) 3974-2550



CCBB: Rua Primeiro de Março, 66 – 5º andar. De quarta a segunda, das 9h às 21h. Tel: (21) 3808-2020.



Médiathèque (Maison de France): Avenida Presidente
Antônio Carlos 58 – 11º andar (até novembro, a biblioteca funciona
excepcionalmente no 4º andar). De terça a sexta, das 10h30 às 18h30. Tel
: (21) 3974 6669.



Real Gabinete Português de Leitura: Rua Luís de Camões, 30. De segunda a sexta, das 9h às 18h. Tel.: (21) 2221-3138.



OBS: A Biblioteca Nacional trabalha apenas com consultas a seu acervo
e não permite a entrada de laptops, razão para sua omissão neste texto.




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