segunda-feira, 7 de julho de 2014

Morando em São Gonçalo você sabe como é

Matheus Graciano

Sim São Gonçalo

Há dois anos atrás, a agência de propaganda DM9 aportou no Rio. Para se lançar, traduziu e aplicou uma campanha que já acontecia em outros lugares do mundo: “Sim, eu sou.” Uma sentença afirmativa e poderosa pela sua simplicidade. No caso, as frases eram sobre o estilo de vida “carioca zona sul”. Traduzida para “Sim, eu sou carioca”, a campanha estourou no Facebook. Dias depois, uma usuária lançou o “Sim, eu sou niteroiense”, que também impactou os moradores da ex-capital fluminense. Olhando as duas páginas, não foi muito difícil chegar à conclusão óbvia: e por que não, São Gonçalo?

Se você mora na cidade do Rio, sabe que nos últimos anos ficou muito mais fácil ser (ou dizer que é) carioca. As olimpíadas deram um gás nesse sentimento que vinha perecendo desde a inauguração de Brasília. Niterói também não ficou para trás. Depois do bom trabalho de marketing dos últimos governos, somado à sua inserção nas 10 cidades com melhor IDH do Brasil, teve reascendido seu orgulho, ferido desde 1975, com a transferência da capital fluminense para a cidade do Rio.

Já falei sobre o tal “Cinturão Fluminense” num outro post. Um “Rio paralelo” que existe dentro do estado, mas sem aquele status que gera algum tipo de orgulho. Tirando o bordão “Uhul, Nova Iguaçu”, popularizado pela participante Fani no longínquo Big Brother 2007, qual o outro momento que você viu alguma cidade da região metropolitana festejada dessa forma? Talvez nunca. Salvo na boca de um ou outro político.

Quando pensei em fazer a página, já imaginava todas as piadas prontas. Conheço meu povo. Muitas com razão. Sempre achei a palavra “gonçalense” sonoramente estranha. Coisa minha? Sei lá. No passado, por conta da qualidade dos hospitais, muita gente, como eu, nasceu em Niterói. Fato que não ajuda na hora de falar “sou gonçalense”. A música do Seu Jorge popularizou o apelido “São Gonça”, apesar de não ser comum falar assim na cidade. Com tantos vieses, a frase da campanha foi “Sim, eu sou de São Gonçalo”. Deu certo. Em uma semana, alguns mil já participavam da página.

Sim São Gonçalo
De lá pra cá, o SIM foi, parou, serviu de inspiração para outras páginas, voltou e aos poucos encontrou a sua real função. Hoje, a página tornou-se um bom caminho para os estudos do que se pode chamar de “marketing de cidade”, realçando o laço entre cidade e cidadão. Com a ajuda da população, já fizemos pesquisas de comportamento; construímos o Alagamaps, um mapa com os alagamentos georreferenciados; fizemos ações de valorização dos bairros, com marcas conhecidas trocadas pelos nomes dos bairros; informativos sobre o que acontece no território; e um Instagram, com os melhores filtros e ângulos que deixam a cidade com outro olhar. Tudo isso de forma colaborativa, como todos os livrinhos de marketing sempre dizem que dá certo. Por fim, no último mês de 2013,  lançamos o site simsaogoncalo.com.br, que pretende ser um meio de propor soluções para a cidade. E quantos reais custou? Quase nada, comparado à motivação e disposição empregada.

Sem cartões postais, nem pontos turísticos, ficou claro que o importante na 16ª maior cidade do Brasil é aquilo que ela tem pra mais de 1 milhão: gente. E nesses dois anos, foi essa gente que me ajudou a descobrir a real vocação da cidade: o entretenimento, fruto da alegria das pessoas. 

Curiosamente, diante de tantas dificuldades, é a mesma alegria que permeia as favelas, a baixada, entre outros vários pontos desse território cortado pelo Paraíba do Sul. O objetivo é transformar o “Sim São Gonçalo” num piloto que resgate a boa vontade e a participação do cidadão nas cidades fluminenses e, porquê não, nos “bairros-cidade” como Campo Grande, Méier, Santa Cruz e Santíssimo. Afinal, o cliente precisa estar satisfeito até mesmo quando o pagamento é compulsório, como são os impostos.

Estou longe de ser um apaixonado pela cidade. Não tenho aquele sentimento de pertencimento forte nem por Niterói, minha cidade natal, nem por São Gonçalo, minha morada, e nem pelo Rio, ambiente de estudos e trabalho. Na verdade, tenho aversão ao bairrismo que assola o ser humano. Meu coração bate mesmo é pelo estado do Rio de Janeiro, pois sei que as cidades são completamente dependentes entre si.

Contrariando as aspas da matéria, minha intenção está longe de atrair turistas. Entretanto, deixar a cidade atraente é especialidade da casa. Se esse processo vai dar certo ou não, eu não sei. Só sei que a cada ano tem mais gente com um celular na mão. E assim está ficando difícil contar historinha feliz em cima do palanque. Aliás, não esqueça: esse ano é ano par.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Orçamento de Livro


Uma dica prática para fazer bonito na encomenda de livro com uma editora por demanda: quando solicitarem um orçamento, peçam sempre que esbocem também o valor de custo e o de venda. Já vi muita situação em que um livro de 100 páginas ficou no site por R$38 reais (!).
O que vai acontecer? O livro vai ficar no site somente como mostruário, porque ninguém vai querer comprar.
Daí, pra baratear, você terá que comprar um lote, mas isso é assunto para a próxima postagem.


Leo Vieira

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Rede social Orkut será encerrada em 30 de setembro de 2014

Usuários poderão salvar perfis, mensagens e fotos até setembro de 2016.
Arquivo de comunidades poderá ser visualizado após o fim do Orkut.

Do G1, em São Paulo
Pacotão: recuperar fotos de perfil excluído no Orkut (Foto: Reprodução/Orkut)Orkut será encerrado em 30 de setembro (Foto:
Reprodução/Orkut)
 
É o fim do Orkut. O Google anunciou nesta segunda-feira (30) que vai encerrar as atividades da rede social em todo o mundo no dia 30 de setembro. A empresa alega que o crescimento de suas outras comunidades superou o do Orkut e que, por isso, ele será descontinuado.

"Dez anos atrás, o Google mergulhou pela primeira vez nas redes sociais por meio do Orkut, que nasceu como projeto experimental de um engenheiro que deu nome à rede", disse o diretor de engenharia do Google, Paulo Golgher, no blog da empresa no Brasil.

"Ao longo da última década, YouTube, Blogger e Google+ decolaram, com comunidades surgindo em todos os cantos do mundo. O crescimento dessas comunidades ultrapassou o do Orkut. Por isso, decidimos dizer adeus a ele e concentrar nossas energias e recursos para tornar essas outras plataformas sociais ainda mais incríveis para todos os usuários", destacou Golgher.
Até seu fechamento, o Orkut continuará funcionando normalmente. Mas, a partir desta segunda, o site não aceitará novos cadastros.

Como salvar seu perfil

De acordo com o Google, os usuários existentes poderão exportar seus álbuns de fotos para o Google+, outra rede social da companhia, até 30 de setembro de 2014. Também será possível salvar, no computador, seus perfis, "scraps" (publicações de outros usuários deixadas na página), depoimentos e postagens usando a ferramenta Google Takeout (clique aqui). Isso poderá ser feito até setembro de 2016.

Ainda segundo Golgher, um arquivo com todas as comunidades públicas do Orkut, um dos principais recursos da rede social, será criado em 30 de setembro de 2014 para imortalizar a área de discussões do serviço. No entanto, novos tópicos ou mensagens não poderão ser criados. Os usuários que não quiserem que alguma postagem seja arquivada deverão excluí-la até 30 de setembro de 2014. Outra opção é apagar todas de uma só vez ao remover o Orkut da conta do Google.

Antes das curtidas e das selfies

Lançado em 2004, o Orkut foi um dos maiores expoentes dos brasileiros de socialização pela internet. Recursos da rede social como depoimentos, scraps e comunidades permearam as relações virtuais no Brasil, onde, ao lado da Índia, o Orkut dominou a audiência por muitos anos.

Maior rede social do país até dezembro de 2011, o serviço perdeu força com o crescimento do Facebook naquele ano. Em outubro de 2011, quando ainda era líder no Brasil, o Orkut tinha 40,51% de participação, número 19,41% menor que o registrado em setembro de 2010 (59,91%), segundo levantamento da Serasa Experian.

Também em 2011, a chegada do Google+, tentativa do Google de bater de frente com a rede social de Mark Zuckerberg, polarizou o público do Orkut e ajudou a impulsionar seu declínio, apesar de ainda ter dificuldades para superá-lo. Prestes a completar 10 anos de vida, o Orkut teve 0,64% de todos os acessos a redes sociais no Brasil em dezembro de 2013. Já o Google+ angariou, no mesmo mês, 0,47% do total de visitas.

Leia abaixo a carta de despedida do Orkut na íntegra:

"Dez anos atrás, o Google mergulhou pela primeira vez nas redes sociais por meio do Orkut, que nasceu como projeto experimental de um engenheiro que deu nome à rede. As comunidades do Orkut deram forma a conversas e conexões que até então não existiam, antes mesmo que as pessoas soubessem o que eram 'redes sociais'.

Ao longo da última década, YouTube, Blogger e Google+ decolaram, com comunidades surgindo em todos os cantos do mundo. O crescimento dessas comunidades ultrapassou o do Orkut. Por isso, decidimos dizer adeus ao Orkut e concentrar nossas energias e recursos para tornar essas outras plataformas sociais ainda mais incríveis para todos os usuários.

O Orkut será descontinuado no dia 30 de setembro de 2014. Até lá, não haverá impacto para os atuais usuários, para que a comunidade tenha tempo de lidar com a transição. Usuários podem exportar as informações do seu perfil, mensagens de comunidades e fotos usando o Google Takeout (disponível até setembro de 2016). A partir de hoje, novos usuários não podem criar novas contas no Orkut.

O Orkut pode estar indo embora, mas todas as incríveis comunidades criadas pelos usuários vão ficar. Um arquivo com todas as comunidades públicas ficará disponível online a partir de 30 de setembro de 2014. Se você não quiser que seu nome ou posts sejam incluídos no arquivo de comunidades, você pode remover o Orkut permanentemente da sua conta Google. Para ter mais detalhes, por favor, visite a Central de Ajuda.

Foram 10 anos inesquecíveis. Pedimos desculpas para aqueles que ainda utilizam o Orkut regularmente. Esperamos que vocês encontrem outras comunidades online para alimentar novas conversas e construir ainda mais conexões, na próxima década e muito além.

Postado por Paulo Golgher, Diretor de Engenharia do Google"

Leonel Kaz responde à espantosa pergunta do ministro Aloizio Mercadante sobre o que é que museu tem a ver com educação

Museu é o lugar em que "a criança se educa, vivendo" como nos ensinou, desde 1929, o educador Anísio Teixeira, ao falar da escola (Ilustração: Cavalcante)
Museu é o lugar em que “a criança se educa, vivendo” como nos ensinou, desde 1929, o educador Anísio Teixeira, ao falar da escola (Ilustração: Cavalcante) 



Texto publicado originalmente a 14 de junho de 2013

A espantosa pergunta feita pelo ministro — da Educação! –, Aloizio Mercadante, durante visita, dias atrás, a um dos museus da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, mereceu uma educada e ilustrada resposta do jornalista, crítico de arte, gênio das artes gráficas e editor Leonel Kaz, curador de um dos mais interessantes e criativos museus do país, o Museu do Futebol, em São Paulo, e uma das pessoas mais cultas e inteligentes que conheço.

Tomara que Mercadante aprenda algo. Confiram:

Artigo publicado no jornal O Globo

O LUGAR DO MUSEU NA EDUCAÇÃO

“O que o museu tem a ver com educação?”

Essa pergunta do ministro da Educação, Aloízio Mercadante, na imprensa e repercutida na Coluna do Noblat (3/6) do Globo, merece algumas ponderações. Faço uma dezena delas:

1. Museu é lugar para se entrar de corpo inteiro, tridimensionalmente, com todos os sentidos despertos. Cada obra de arte ou objeto exposto nos convida a olhá-lo, a partilhar dele, a se entregar a ele. Esse é o caminho da educação de qualidade: permitir que a vida nos invada e que o objeto inanimado ganhe um vislumbre novo, a cada dia, em cada visita. O Grande Pinheiro, tela de Cèzanne no Masp, pode ser vista cem vezes e, a cada vez, será diferente da outra; o quadro, de certa forma, muda, porque muda o mundo e mudamos nós também.

2. Museu é lugar, portanto, de olhar de forma distinta para as coisas. E para os seres também. É lugar de aprender a olhar com outro olhar para o outro (que quase nunca o vemos), para a escola (que pode ser, a cada dia, diferente do que é habitualmente) e para a cidade (que tanto a desprezamos, porque parece não nos pertencer).

3. Museu é lugar de entrar e dizer: é nosso! Museus são lugares de coleções, e as cidades, também. Cidades são escolas do olhar, pois nos permitem colecionar tudo de nossa vida: os dias que passam, a família que reunimos, os amigos que temos e ainda os bueiros da rua e as janelas que vislumbramos em nosso caminho diário (elas falam de épocas diferentes, narram histórias distintas). A cidade é a história.


O Museu de Arte de São Paulo (MASP) (Foto: O Globo)
4. Museu é lugar onde a cidade (a história) se reconta. Rebrota. Onde ela nos faz crer que, para além do mero contorno do corpo, existimos. Criamos uma identificação com aqueles fatos e pessoas que ali estão, que nos antecederam em ideias, pensamentos e sentimentos. Que ajudaram a criar “o imaginário daquilo que imaginamos que somos”, como definiu o poeta Ferreira Gullar. É dentro da plenitude deste imaginário que o Museu nos reaviva a memória e o fulgor da boa aula.

5. Museu é o lugar do mérito, onde peças e imagens entraram porque mereceram entrar, porque foram, em algum momento, singulares. Elas estão ali para nos apontar que cada qual que as visita pode ter sua singularidade, e que ninguém precisa ser prisioneiro dos preconceitos do mundo. Museu é onde a cultura aponta à educação que tanto um como o outro foram feitos para reinventar o modo de ver as coisas.

6. Museu é lugar para se abandonar a parafernália eletrônica, os iPads, iPhones e Ai-ais e permitir que obras e imagens que lá se encontram repercutam em nós. Num museu somos nós os capturados pelos objetos, somos nós o verdadeiro conteúdo de cada museu, com a capacidade de transformar e sermos transformados pelo que nos cerca.

7. Museu é lugar para criar um vazio entre o olhar que vê e o objeto que é visto. Um vazio de silêncio. Um vazio que amplia horizontes de percepção. Assim, o professor deixa de ser professor e passa a ser o que verdadeiramente é: um inventor de roteiros, um “possibilitador” de descobertas. É lugar de aluno, com a ajuda dos mestres, revelar potencialidades insuspeitas, tantas vezes esmagadas pelo caráter repressor das circunstâncias que o cercam.

8. Museu é lugar de experiência. Tudo o que é pode não ser: há uma mágica combinatória em todas as coisas, como as crianças nos ensinam. Tudo pode combinar com tudo, independentemente de critérios, ordenamentos, hierarquias. A ordem do museu pressupõe a desordem do olhar.

9. Museu é ainda lugar de coleções (embora a internet seja, hoje, o maior museu do mundo). Assim, o museu não é mais apenas um espaço físico, assim como a escola não o é. A cidade toda é uma grande escola. O Museu é uma de suas salas de aula.

10. Museu é o lugar em que “a criança se educa, vivendo” como nos ensinou, desde 1929, o educador Anísio Teixeira, ao falar da escola.


Leonel Kaz é curador do Museu do Futebol

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Toda Arte Tem Algo em Comum


Para ser um desenhista é preciso praticar muitos e muitos desenhos constantemente. Compare dois gibis com dez edições de diferença para notar como os traços da edição mais nova estão mais desenvolvido.
Para ser um músico, é preciso muito treino. Jimi Hendrix tocava 12 horas por dia! Nas aulas de desenho e de música, os tópicos são definidos para dar margem para que o aluno pratique as lições de casa.
Seguindo essa linha, por que um escritor somente precisa escrever quando se sentir "inspirado"?
Vá para o word e escreva muito! Pratique, esboce, crie enredos, descreva situações, explore o vocabulário, entre outros exercícios de escrita.
Daquele montante de letras e textos, pode-se então cultivar um bom trabalho.

Uma coisa que um desenhista, um músico e um escritor têm em comum é que os três dificilmente darão dicas detalhadas sobre suas artes e processos criativos. Eles podem até dizer se seus traços, acordes e textos estão bons ou ruins, mas o conselho será o mesmo: Treine!
A ideia está meio travada na sua mente? Você não sabe ainda por onde começar? Você está meio perdido no rumo dos personagens? Você ainda não sabe se fará em primeira ou terceira pessoa?
Escreva!


Leo Vieira

segunda-feira, 23 de junho de 2014

IMB - O mito do poder da Coca-Cola




 
coca_cola_poder.jpg 


Eu, muito tempo atrás, perdi o gosto  pela Coca-Cola.
Talvez a causa se encontre em suas bolhas efervescentes — há simplesmente muitas delas. Ou talvez o motivo seja, em sua versão americana, a doçura pegajosa do xarope de milho  (subsídios para o milho e tarifas sobre o açúcar estão por trás disso). Ou talvez a razão seja o fato de que, depois de tomar uma dose, eu sinto
um zumbido louco seguido por uma explosão devastadora. Eu jamais consegui entender como é que alguém ainda permanece acordado depois de um hambúrguer gigante, uma poderosa porção de batatas fritas e uma coca enorme.


Parece que não estou sozinho aqui. A Coca-Cola anda sofrendo com vendas em declínio na América do Norte e até mesmo no globo inteiro. O preço das suas ações foi atingido. Os gostos dos consumidores parecem estar mudando, migrando das bebidas fortemente açucaradas e saturadas de ácido carbônico para a água engarrafada, as bebidas desportivas e os energéticos. No drive thru do fast food da minha localidade, eu percebi que eles estavam promovendo as suas próprias bebidas geladas especiais em detrimento das bebidas gasosas convencionais.
Por que isso importa? Agora, batucando em meus ouvidos, ecoam os muitos anos de comentários histéricos de intelectuais que criticavam o suposto poder que a Coca-Cola exerce sobre o planeta inteiro. Eles se queixam de que os símbolos da Coca-Cola praticamente adornam o mundo todo; eles dizem que essa bebida engana as massas faz mais de um século;  eles argumentam que essa bebida é o sinal mais visível da corrupção do capitalismo.

Mas espere! Certamente, as pessoas podem decidir beber ou não beber. Não, não, diz a elite intelectual que constantemente nos avisa do "mito da escolha" no mercado. Nós somos governados por forças estranhas que se encontram fora do nosso controle. Nós temos o receio de que, se não fizermos isso, se não bebermos a coca, não faremos parte da tendência predominante, não nos
adequaremos às expectativas impostas corporativamente em relação à maneira como deve ser o nosso comportamento. Em vez disso — em vez de poder escolher —, nós somos os peões de um jogo no qual essa assustadora empresa exerce o supremo papel de rei.

Bem, pense novamente. O que acontece é que o verdadeiro poder está nas mãos dos consumidores. Pare de consumir algo, e essa coisa desaparece. É assim que o mercado funciona. Nem mesmo um legado de 127 anos e uma tradição cultural aparentemente invencível são capazes de obliterar a decisão básica de comprar ou não comprar.

Outro sinal do declínio da Coca-Cola é o fato de que ela recentemente caiu do primeiro lugar para o terceiro lugar no ranking das marcas globais mais respeitadas. O novo número um é a Apple, e o número dois é o Google. Com efeito, dentre as 100 marcas que se encontram no topo, todas aquelas que apresentam movimentos mais rápidos são empresas de tecnologia. Trata-se de uma prova de como a comunicação está mudando o mundo. Mais comunicação significa mais concorrência — bem como a derrocada de hábitos arraigados.

Eu posso não morrer de amores pela bebida, mas nunca entendi o ódio que ela causou e continua causando. A Coca-Cola ostenta uma imensa contribuição à história cultural com a sua maravilhosa publicidade que se estende por todo o século XX. Você pode definir as décadas pelo brilhantismo dessa publicidade — os desenhos das antigas lojas de bebidas gasosas (soda-jerk); as campanhas de "ensinar o mundo a cantar"; o urso polar; ou as atuais fantásticas homenagens ao comércio além-fronteiras que reforça a paz e combate o desejo pela guerra.

Eu ainda me lembro de, alguns anos atrás, estar sentado na arquibancada em um jogo de baseball
e de me maravilhar com a absoluta imensidão do símbolo da Coca-Cola que estava pairando sobre o estádio. Por que essa empresa teve de gastar tanto com publicidade? Com certeza, nenhuma pessoa que estava sentada no estádio desconhecia a coca. Então, qual é o porquê dessa mania de promover a marca?

A publicidade, por si só, demonstra que a Coca-Cola, na verdade, não tem um "poder" sequer semelhante àquele que a polícia possui. Ela não tem a capacidade de obrigar as pessoas a beberem o seu produto. Essa publicidade, efetivamente, não significou desperdício de dinheiro. Ela estava promovendo a marca na esperança de mantê-la constantemente em nossas mentes, bem como fazendo propaganda do próprio apoio da empresa ao grande esporte que é o baseball. Existem mensagens subliminares em todos os anúncios publicitários? A Coca-Cola, com certeza, espera que sim.

E não há nada de errado nisso. Mas o que acontece quando os gostos mudam radicalmente? Isso é um problema grave. Os especialistas estão dizendo que os consumidores repentinamente passaram a preferir bebidas amargas com menos bolhas efervescentes. A Coca-Cola pode modificar a sua
receita ou introduzir, digamos, a bebida Coca-Cola Energy? Bem, ela é uma sobrevivente, então tudo é possível. Basta dar uma olhada em todas as marcas que ela adquiriu recentemente apenas para cobrir as suas apostas.

Você sabe o que é ainda mais espetacular do que o declínio da Coca-Cola? Olhe para a água engarrafada que a está substituindo. Agora, se os opositores da economia de mercado desejam criticar alguma coisa, trata-se de um caso perfeito. Muito do material da água engarrafada é mais caro do que a gasolina, que tem de ser extraída da terra e ser refinada em um processo incrivelmente complexo, baseado em intenso uso de bens de capital.
Na maioria das vezes, eu não consigo diferenciar uma garrafa de outra. Por falar nisso, eu nunca realmente entendi o que há deerrado com a água da torneira. Mas de gustibus non est disputandum ("gosto não se discute") e tudo o mais.

Se você fosse um planejador central, com a finalidade de definir preços independentemente da experiência de mercado, você estabeleceria o preço da gasolina ou da água engarrafada em patamares elevados? Trata-se de uma escolha muito óbvia, tendo como base tão-somente considerações
tecnológicas. Entretanto, os mercados existentes realmente nos demonstraram um resultado diferente de qualquer ideia que um intelectual de fora poderia alguma vez conceber.

De todas as coisas bonitas da economia de mercado, a sua característica mais admirável é a sua capacidade de confundir os intelectuais com surpresas implacáveis e resultados inesperados. Em sua pura imprevisibilidade, o mercado funciona no universo como uma força que nos torna humildes e como um lembrete de que, neste mundo, o verdadeiro e principal poder sempre residirá nas forças organizadoras descentralizadas da própria sociedade.

As pessoas poderosas podem retardar o progresso do mundo, mas elas não podem impedi-lo de mudar. Graças ao mercado, nós sempre estaremos redescobrindo a grande verdade de que o curso dos acontecimentos mundiais não é algo que alguém — nem mesmo uma empresa gigante como a Coca-Cola — possa definitivamente controlar.

sábado, 21 de junho de 2014

Corpus Christi em São Gonçalo: uma recente tradição

Robson Alexandrino




Alexandre Martins*


Muito se tem escrito sobre a tradição cristã da Festa do Corpo e Sangue do Senhor, em especial sobre a tradição do enfeite do trajeto da procissão anexa à mesma festa e, como católico gonçalense, não deveria eu me isentar de comentar esta bela tradição de São Gonçalo pela ótica católica, para benefício tanto dos católicos gonçalenses quanto dos que queiram entender a nossa cultura.

 

A Eucaristia

A Igreja Católica sempre entendeu nas palavras proferidas por Nosso Senhor Jesus Cristo, na chamada Última Ceia, que o pão e o vinho consagrados neste momento pelo sacerdote são em real o Seu corpo e o Seu sangue. A Igreja vive da Eucaristia. É com alegria que ela experimenta, de diversas maneiras, a realização incessante desta promessa: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” 1 mas, na sagrada Eucaristia, pela conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor, goza desta presença com uma intensidade sem par. O Concílio Vaticano II2 justamente afirmou que o sacrifício eucarístico é “fonte e centro de toda a vida cristã”. De fato, “na santíssima Eucaristia, está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo”. Por isso, o olhar da Igreja volta-se continuamente para o seu Senhor, presente no sacramento do Altar, onde descobre a plena manifestação do seu imenso amor.3
Para o cristão católico, aquele pedaço de pão sem fermento é a real carne de Nosso Senhor Jesus Cristo, e aquele vinho tinto o Seu precioso sangue. Inúmeros milagres durante dois mil anos dão ao fiel a comprovação dessa doutrina, como o Milagre de Lanciano, exaustivamente estudado pela Ciência.

 

Uma festa para sanar as dúvidas

A celebração de Corpus Christi (Corpo de Cristo) surgiu na Idade Média e consta de uma missa, procissão e adoração ao Santíssimo Sacramento. Quarenta dias depois do Domingo de Páscoa é a quinta-feira da Ascensão do Senhor. Dez dias depois temos o Domingo de Pentecostes. O domingo seguinte é o da Santíssima Trindade, e na quinta-feira é a celebração do Corpus Christi. Porque a Eucaristia foi celebrada pela 1ª vez na Quinta-Feira Santa, Corpus Christi se celebra sempre numa quinta-feira após o Domingo da Santíssima Trindade.
No final do século XIII surgiu em Liége, atual Bélgica, um Movimento de revalorização da Eucaristia na Abadia de Cornillon. Foi a origem de vários costumes eucarísticos, como a Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento, o uso dos sinos durante a elevação na Missa e a festa do Corpus Christi.
Santa Juliana de Mont Cornillon (1193-1258), à época priora da Abadia, foi a enviada de Deus para propiciar esta Festa. Ficou órfã muito pequena e foi educada pelas freiras Agostinianas. Quando cresceu, fez sua profissão religiosa e mais tarde foi superiora de sua comunidade.
Desde jovem, Santa Juliana teve uma grande veneração ao Santíssimo Sacramento. E sempre esperava que se tivesse uma festa especial em sua honra. Este desejo se diz ter intensificado por uma visão que teve da Igreja sob a aparência de lua cheia com uma mancha negra, que significada a ausência dessa solenidade. Juliana comunicou estas aparições a Dom Roberto de Thorete, bispo de Liége, também a e Jacques Pantaleón, arquidiácono local, futuro Papa Urbano IV. O bispo Roberto ficou impressionado e, como nesse tempo os bispos tinham o direito de ordenar festas para suas dioceses, invocou um sínodo em 1246 e ordenou que a celebração fosse feita no ano seguinte.4
O Papa Urbano IV, estava em Orvieto, cidade ao norte de Roma. Perto está Bolsena, onde em 1263 (ou 1264) aconteceu o Milagre de Bolsena: um sacerdote que celebrava a Santa Missa teve dúvidas de que a Consagração fosse algo real., no momento de partir a Sagrada Forma, viu sair dela sangue do qual foi se empapando em seguida o corporal. A venerada relíquia foi levada em procissão a Orvieto em 19 junho de 1264. Hoje se conservam os corporais5 em Orvieto, e também se pode ver a pedra do altar em Bolsena, manchada de sangue. O Santo Padre movido pelo prodígio, e a petição de vários bispos, faz com que se estenda a festa do Corpus Christi a toda a Igreja por meio da bula "Transiturus" (de 8/9/1264) fixando-a para a quinta-feira depois da oitava de Pentecostes e outorgando muitas indulgências a todos que asistirem a Santa Missa e o ofício.
O ofício de Corpus Christi foi composto por São Tomás de Aquino, que usou parte de Antífonas, Lições e Responsórios já em uso em algumas igrejas.
Nenhum dos decretos fala da procissão com o Santíssimo como um aspecto da celebração. Porém estas procissões foram dotadas de indulgências pelos Papas Martinho V e Eugênio IV, e se fizeram bastante comuns a partir do século XIV. Na Igreja grega a festa de Corpus Christi é conhecida nos calendários dos sírios, armênios, coptos, melquitas e os rutínios da Galícia, Calábria e Sicília.

 

No Brasil, com tapetes

A confecção de tapetes de rua é uma magnífica manifestação de arte popular que tem como origem a comemoração do Corpus Christi. A tradição de fazer o tapete com folhas e flores vem dos imigrantes açorianos. Essa tradição praticamente desapareceu em Portugal continental, onde teve origem, mas foi mantida nos Açores e nos lugares onde chegaram seus imigrantes, como Florianópolis (SC).
A festa foi trazida para o Brasil pelos portugueses. Numa carta de 9 de agosto de 1549, o Padre Manuel da Nóbrega, da Bahia, informava: “Outra procissão se fez dia de Corpus Christi, mui solene, em que jogou toda a artilharia, que estava na cerca, as ruas muito enramadas, houve danças e invenções à maneira de Portugal”.6
As procissões portuguesas eram esplendorosas: tropas, fidalgos, cavaleiros, andores, danças e cantos. A imagem de São Jorge, padroeiro de Portugal, seguia a procissão montada em um cavalo, rodeada de oficiais de gala.

 

A Liturgia Romana

Para as procissões eucarísticas, a cruz vai à frente ladeada por duas velas. Não se leva incenso junto à cruz. Atrás dela os ministros dois a dois, os acólitos, os diáconos e os concelebrantes. Estes últimos portam o pluvial, mas podem portar também a casula se a procissão foi feita logo após a missa. O celebrante principal, se não levar a sagrada eucaristia vai imediatamente à frente dela. Segue, então, a sagrada Eucaristia carrega por um clérigo vestido com alva, estola, pluvial e véu umeral de cor branca. É coberta pelo pálio ou pela umbela, carregado por quatro ou seis pessoas. À sua frente, vão dois acólitos com turíbulos fumegando. Se for o bispo a levar o Santíssimo, o báculo vai à frente dos turiferários e a mitra, bem como o livro atrás do pálio. Além dos demais acólitos assistentes, vão na parte de trás da procissão, os clérigos em vestes corais. Os de maior dignidade vão mais perto da Sagrada Eucaristia. Durante a Missa o celebrante consagra duas hóstias: uma é consumida e a outra apresentada aos fiéis para adoração.
A procissão lembra a caminhada do povo de Deus, peregrino, em busca da Terra Prometida. No Antigo Testamento esse povo foi alimentado com o pão maná, no deserto. Hoje, ele é alimentado com o próprio Corpo de Cristo em forma de pão.

 

Em São Gonçalo

A festa passou a integrar o calendário religioso brasileiro em 1961, quando uma pequena procissão saiu da igreja de Santo Antônio e seguiu até a igreja de Nossa Senhora de Fátima em Brasília. A festa de Corpus Christi no município de São Gonçalo começou em 19957.
Em 2010, os tapetes de Corpus Christi em São Gonçalo são patrimônio cultural imaterial do município, conforme a Lei Estadual 3141/10 de autoria do Deputado Altineu Cortes.8 Sua extensão de 2000 metros o caracteriza como o maior em extensão da América Latina.
A cada ano, o Prefeito de São Gonçalo assina um decreto nomeando os componentes da Comissão dos Festejos de Corpus Christi no município, publicado no Diário Oficial da cidade.

 

Uma tradição católica e cultural gonçalenses

A cidade de São Gonçalo foi fundada por portugueses e grande parte de sua arquitetura é de origem ibérica. Não somente as casas, mas o modo de ser das pessoas, do comércio, são típicos de antiguidade portuguesa. A religião católica é um dado característico dessa cultura e tornou-se também uma característica brasileira, desenvolvendo-se em formas próprias em uma chamada “brasilidade católica”.
A festa católica do Corpo de Cristo é assimilada em toda a Cristandade e não poderia deixar de ser em São Gonçalo também praticada. Com orgulho temos o maior tapete artístico de sal com motivos sacros de toda a América Latina. Isso demonstra não só a catolicidade de nossa cultura antiga, mas também a preservação de uma tradição para as gerações futuras, ansiosas de tradição e cultura seculares.





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*Empresário cultural, presidente da SAL – Sociedade de Artes e Letras de São Gonçalo, do Conselho Municipal de Cultura 

1- Evangelho segundo são Mateus, capítulo 28, versículo 20
2- reunião de todos os bispos da Igreja Católica, realizado de 1963 a 1966, em Roma, Itália.
3- Carta Encíclica “Ecclesia de Eucaristia” (A Igreja da Eucaristia) do papa Paulo II, §1
4- O decreto está preservado em Binterim (Denkwürdigkeiten, V.I. 276), junto com algumas partes do ofício.
5- guardanapos de pano branco onde se apóiam o cálice e a patena durante a Missa.
6- Cartas do Brasil, 86, Rio de Janeiro, 1931.
7- sítio oficial da Arquidiocese de Niterói, disponível em http://arqnit.org.br
8- PROJETO DE LEI Nº 3141/2010 - DECLARA PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO OS FESTEJOS RELIGIOSOS DE Corpus Christi E O TAPETE PARA A PROCISSÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ Autor(es): Deputado ALTINEU CORTES - A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RESOLVE: Art. 1º - Ficam declarados como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro os festejos religiosos de Corpus Christi e o tapete preparado para a procissão católica no município de São Gonçalo. Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua criação. Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 9 de junho de 2010.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

A Diferença Entre Contratos de Editoras


Eu odeio postar indireta, mas essa carapuça vai vestir muito bem naqueles  autores iniciantes que divulgam que fechou um "contrato editorial", com um emotion sorridente, só aguardando a enxurrada virtual de parabéns de colegas e blogueiros adicionados nas redes sociais. Daí você também se prepara para congratulá-lo, mas descobre que o que ele disse foi incoerente, mas também você não quer "jogar um balde de água fria". Talvez o autor novato não entenda a diferença por ser leigo.
Outra ocasião, em um encontro literário, conheci pessoalmente uma colega virtual, também autora. Conversamos sobre nossos livros publicados e atividades literárias, mas ela girava no assunto de que havia um "contrato editorial" com a tal editora, mas que ela havia pago revisão, ilustração, diagramação, registros, lotes, além de cuidar pessoalmente da divulgação. Perguntei se era uma editora por demanda e ela até ficou contrariada, como que se aquilo fosse algo pejorativo.

Isso tem me preocupado porque parece uma mistura de ingenuidade com arrogância e pseudo-estrelismo. Independente de nossas vendas, todos nós, autores iniciantes, estamos no mesmo barco e também não custa nada um pouco mais de aprendizado e humildade.
Se você não quer mais cometer gafes literárias, nem se iludir ou ser iludido; nem passar por desinformado aprenda que ninguém fecha "contrato editorial" com EDITORA POR DEMANDA, e sim "contrato de prestação de serviços". Há diferenças gritantes entre os dois contratos, assim como entre as editoras.

Contrato editorial: A editora investe em sua obra, com revisão, diagramação, arte da capa, registros de ISBN, Ficha Catalográfica e Código de barras; distribuição em livrarias, bancas e/ou lojas; publicidade, assessoria comercial, literária e jornalística; venda e repasse dos royalties.

Contrato de prestação de serviços: O autor que investe em todos os serviços gráficos, inclusive o lote. Não existe departamento de marketing ou vendas. O livro fica em exposição no site. A despesa dos serviços, lotes e a responsabilidade de vendas é totalmente do autor/cliente.

Editora por demanda somente nos oferece serviços gráficos. Se ela demonstrar que está oferecendo serviço editorial sem custo, porém cobrando sutilmente ("é grátis, mas você tem que comprar quinhentos livros"); ela então está te iludindo. Mas se você fecha contrato de prestação de serviços achando que editora é tudo igual, então você que se iludiu.
Ninguém é menos escritor pelo fato de investir em sua obra. Se você acredita em seu potencial, vá a luta, encomende o seu lote e desbrave o maravilhoso mundo literário.
As editoras maiores enxergam números de vendas e por esse motivo, querem ver a sua luta.



Leo Vieira

domingo, 15 de junho de 2014

Neil Gaiman: Por que nosso futuro depende de bibliotecas, de leitura e de sonhar acordado









Uma palestra que explica porque usar nossas imaginações e
providenciar para que outros utilizem as suas, é uma obrigação de todos
os cidadãos

pelo The Guardian, em 15/10/2013

Neil Gaiman
“Temos a obrigação de imaginar…” Neil Gaiman dá uma palestra anual à Reading Agency sobre o futuro da leitura e das bibliotecas. Fotografia: Robyn Mayes.



É importante para as pessoas dizerem de que lado elas estão e porque,
e se elas podem ou não ser tendenciosas. Um tipo de declaração de
interesse dos membros. Então eu estarei conversando com vocês sobre
leitura. Direi à vocês que as bibliotecas são importantes. Vou sugerir
que ler ficção, que ler por prazer, é uma das coisas mais importantes
que alguém pode fazer. Vou fazer um apelo apaixonado para que as pessoas
entendam o que as bibliotecas e os bibliotecários são e para que
preservem ambos.

E eu sou óbvia e enormemente tendencioso: eu sou um escritor, muitas
vezes um autor de ficção. Escrevo para crianças e adultos. Por cerca de
30 anos eu tenho ganhado a minha vida através das minhas palavras,
principalmente por inventar as coisas e escrevê-las. Obviamente está em
meu interesse que as pessoas leiam, que elas leiam ficção, que
bibliotecas e bibliotecários existam para nutrir amor pela leitura e
lugares onde a leitura possa ocorrer.

Então sou tendencioso como escritor. Mas eu sou muito, muito mais
tendencioso como leitor. E eu sou ainda mais tendencioso enquanto
cidadão britânico.

E estou aqui dando essa palestra hoje a noite sob os auspícios da Reading Agency:
uma instituição filantrópica cuja missão é dar a todos as mesmas
oportunidades na vida, ajudando as pessoas a se tornarem leitores
entusiasmados e confiantes. Que apoia programas de alfabetização,
bibliotecas e indivíduos e arbitrária e abertamente incentiva o ato da
leitura. Porque, eles nos dizem, tudo muda quando lemos.

E é sobre essa mudança e este ato de leitura que quero falar hoje a
noite. Eu quero falar sobre o que a leitura faz. O porquê de ela ser
boa.

Uma vez eu estava em Nova York e ouvi uma palestra sobre a construção
de prisões particulares – uma ampla indústria em crescimento nos
Estados Unidos. A indústria de prisões precisa planejar o seu futuro
crescimento – quantas celas precisarão? Quantos prisioneiros teremos
daqui 15 anos? E eles descobriram que poderiam prever isso muito
facilmente, usando um algoritmo bastante simples, baseado em perguntar a
porcentagem de crianças de 10 e 11 anos que não conseguiam ler. E
certamente não conseguiam ler por prazer.

Não é um pra um: você não pode dizer que uma sociedade alfabetizada
não tenha criminalidade. Mas existem correlações bastante reais.

E eu acho que algumas destas correlações, a mais simples, vem de algo muito simples. As pessoas alfabetizadas leem ficção.

A ficção tem duas utilidades. Primeiramente, é uma droga que é uma
porta para leituras. O desejo de saber o que acontece em seguida, de
querer virar a página, a necessidade de continuar, mesmo que seja
difícil, porque alguém está em perigo e você precisa saber como tudo vai
acabar… Este é um desejo muito real. E te força a aprender novos
mundos, a pensar novos pensamentos, a continuar. Descobrir que a leitura
por si é prazerosa. Uma vez que você aprende isso, você está no caminho
para ler de tudo. E a leitura é a chave. Houve um burburinho brevemente
há alguns anos atrás sobre a idéia de que estávamos vivendo em um mundo
pós-alfabetizado, no qual a habilidade de fazer sentido através de
palavras escritas estava de alguma forma redundante, mas esses dias
acabaram: as palavras são mais importantes do que jamais foram: nós
navegamos o mundo com palavras, e uma vez que o mundo desliza para a
web, precisamos seguir, comunicar e compreender o que estamos lendo. As
pessoas que não podem entender umas às outras não podem trocar idéias,
não podem se comunicar e apenas programas de tradução vão tão longe.

A forma mais simples de ter certeza de que educamos crianças
alfabetizadas é ensiná-los a ler, e mostrarmos a eles que a leitura é
uma atividade prazerosa. E isso significa, na sua forma mais simples,
encontrar livros que eles gostem, dar a eles acesso a estes livros e
deixar que eles os leiam.

Eu não acho que exista algo como um livro ruim para crianças. Vez e
outra se torna moda entre alguns adultos escolher um subconjunto de
livros para crianças, um gênero, talvez, ou um autor e declará-los
livros ruins, livros que as crianças devem parar de ler. Eu já vi isso
acontecer repetidamente; Enid Blyton foi declarado um autor ruim, RL
Stine também, assim como dúzias de outros. Quadrinhos tem sido acusados
de promover o analfabetismo.



Enid Blyton's Famous Five book Five Get Into a Fix
Não existem escritores ruins… O famoso livro de Enid Blyton. Foto: Greg Balfour Evans/Alamy

É tosco. É arrogante e é burro. Não existem autores ruins para
crianças, que as crianças gostem e querem ler e buscar, por que cada
criança é diferente. Eles podem encontrar as histórias que eles
precisam, e eles levam a si mesmos nas histórias. Uma idéia banal e
desgastada não é banal nem desgastada para eles. Esta é a primeira vez
que a criança a encontrou. Não desencoraje uma criança de ler porque
você acha que o que eles estão lendo é errado. A ficção que você não
gosta é uma rota para outros livros que você pode preferir. E nem todo
mundo tem o mesmo gosto que você.

Adultos bem intencionados podem facilmente destruir o amor de uma
criança pela leitura: parar de ler pra eles o que eles gostam, ou dar a
eles livros ‘chatos mas que valem a pena’ que você gosta, os
equivalentes “melhorados” da literatura Vitoriana do século XXI. Você
acabará com uma geração convencida de que ler não é legal e pior ainda,
desagradável.

Precisamos que nossas crianças entrem na escada da leitura: qualquer
coisa que eles gostarem de ler irá movê-las, degrau por degrau, à
alfabetização. (Além disso, não faça o que eu fiz quando a minha filha
de 11 anos estava gostando de ler RL Stine, que foi pegar uma cópia de
Carrie do Stephen King e dizer que se você gosta deste, adorará isto!
Holly não leu nada além de histórias seguras de colonos em pradarias
pelo resto de sua adolescência e até hoje me dá olhares tortos quando o
nome de Stephen King é mencionado).

E a segunda coisa que a ficção faz é construir empatia. Quando você
assiste TV ou vê um filme, você está olhando para coisas acontecendo a
outras pessoas. Ficção de prosa é algo que você constrói a partir de 26
letras e um punhado de sinais de pontuação, e você, você sozinho, usando
a sua imaginação, cria um mundo e o povoa e olha através dos olhos de
outros. Você sente coisas, visita lugares e mundos que você jamais
conheceria de outro modo. Você aprende que qualquer outra pessoa lá fora
é um eu, também. Você está sendo outra pessoa e quando você volta ao
seu próprio mundo, você estará levemente transformado.

Empatia é uma ferramenta para tornar pessoas em grupos, que nos
permite que funcionemos como mais do que indivíduos auto-obcecados.

Você também está descobrindo algo enquanto lê que é de vital importância para fazer o seu caminho no mundo. E é isto:

O mundo não precisa ser assim. As coisas podem ser diferentes.

Eu estive na China em 2007 na primeira convenção de ficção científica
e fantasia aprovada pelo partido na história da China. E em algum
momento eu tomei um alto oficial de lado e perguntei a ele “Por que? A
ficção científica foi reprovada por tanto tempo. Por que isso mudou?”. É
simples, ele me disse. Os chineses eram brilhantes em fazer coisas se
outras pessoas trouxessem os planos para eles. Mas eles não inovavam e
não inventavam. Eles não imaginavam. Então eles mandaram uma delegação
para os Estados Unidos, para a Apple, para a Microsoft, para o Google, e
eles perguntaram às pessoas de lá que estavam inventando seu próprio
futuro. E eles descobriram que todos eles leram ficção científica quando
eram meninos e meninas. A ficção pode te mostrar um outro mundo. Pode
te levar para um lugar que você nunca esteve. E uma vez que você tenha
visitado outros mundos, como aqueles que comeram a fruta da fada, você
pode nunca mais ficar completamente satisfeito com o mundo no qual você
cresceu. Descontentamento é uma coisa boa: pessoas descontentes podem
modificar e melhorar o mundo, deixá-lo melhor, deixá-lo diferente.E
enquanto ainda estamos nesse assunto, eu gostaria de dizer algumas
palavras sobre escapismo. Eu ouço o termo utilizado por aí como se fosse
uma coisa ruim. Como se ficção “escapista” fosse um ópio barato
utilizado pelos confusos e pelos tolos e pelos desiludidos e a única
ficção que seja válida, para adultos ou crianças é a ficção mimética,
espelhando o pior do mundo em que o leitor ou a leitora se encontra.

Se você estivesse preso em uma situação impossível, em um lugar
desagradável, com pessoas que te quisessem mal, e alguém te oferecesse
um escape temporário, por que você não ia aceitar isso? E ficção
escapista é apenas isso: ficção que abre uma porta, mostra o sol lá
fora, te dá um lugar para ir onde você esteja no controle, esteja com
pessoas com quem você queira estar (e livros são lugares reais, não se
enganem sobre isso); e mais importante, durante o seu escape, livros
também podem te dar conhecimento sobre o mundo e o seu predicamento, te
dar armas, te dar armaduras: coisas reais que você pode levar de volta
para a sua prisão. Habilidades e conhecimento e ferramentas que você
pode utilizar para escapar de verdade.

Como JRR Tolkien nos lembrou, as únicas pessoas que fazem injúrias contra o escape são prisioneiros.

A ilustração de Tolkien da casa de Bilbo
A ilustração de Tolkien da casa de Bilbo, Bag End. Foto: HarperCollins

Outra forma de destruir o amor de uma criança pela leitura, claro, é
se assegurar de que não existam livros de nenhum tipo por perto. E não
dar a elas nenhum lugar para que leiam estes livros. Eu tive sorte. Eu
tive uma biblioteca local excelente enquanto eu cresci. Eu tive o tipo
de pais que podiam ser persuadidos a me deixar na biblioteca no caminho
do trabalho deles nas férias de verão, e o tipo de bibliotecários que
não se importavam que um menino pequeno e desacompanhado ficasse na
biblioteca das crianças todas as manhãs e ficasse mexendo no catálogo de
cartões, procurando por livros com fantasmas ou mágica ou foguetes
neles, procurando por vampiros ou detetives ou bruxas ou fantasias. E
quando eu terminei de ler a biblioteca de crianças eu comecei a de
adultos.

Eles eram ótimos bibliotecários. Eles gostavam de livros e eles
gostavam dos livros que estavam sendo lidos. Eles me ensinaram como
pedir livros das outras bibliotecas em empréstimo inter-bibliotecas.
Eles não eram arrogantes em relação a nada que eu lesse. Eles pareciam
apenas gostar do fato de existir esse menininho de olhos arregalados que
amava ler, e conversariam comigo sobre os livros que eu estava lendo,
achariam pra mim outros livros em uma série, eles ajudariam. Eles me
tratavam como outro leitor – nem mais, nem menos – o que significa que
eles me tratavam com respeito. Eu não estava acostumado a ser tratado
com respeito aos oito anos de idade.

Mas as bibliotecas tem a ver com liberdade. A liberdade de ler, a
liberdade de ideias, a liberdade de comunicação. Elas tem a ver com
educação (que não é um processo que termina no dia que deixamos a escola
ou a universidade), com entretenimento, tem a ver com criar espaços
seguros e com o acesso à informação.

Eu me preocupo que no século XXI as pessoas entendam errado o que são
bibliotecas e qual é o propósito delas. Se você perceber uma biblioteca
como estantes com livros, pode parecer antiquado e datado em um mundo
no qual a maioria, mas não todos, os livros impressos existem
digitalmente. Mas pensar assim é errar o ponto fundamentalmente.

Eu acho que tem a ver com a natureza da informação. A informação tem
valor, e a informação certa tem um enorme valor. Por toda a história
humana, nós vivemos em escassez de informação e ter a informação
desejada era sempre importante, e sempre valia alguma coisa: quando
plantar sementes, onde achar as coisas, mapas e histórias e estórias –
eles eram sempre bons para uma refeição e companhia. Informação era uma
coisa valorosa, e aqueles que a tinham ou podiam obtê-la podiam cobrar
por este serviço.

Nos últimos anos, nos mudamos de uma economia de escassez da
informação para uma dirigida por um excesso de informação. De acordo com
o Eric Schmidt do Google, a cada dois dias agora a raça humana cria
tanta informação quanto criávamos desde o início da civilização até
2003. Isto é cerca de cinco exobytes de dados por dia, para vocês que
mantém a contagem. O desafio se torna não encontrar aquela planta
escassa crescendo no deserto, mas encontrar uma planta específica
crescendo em uma floresta. Precisaremos de ajuda para navegar nesta
informação e achar a coisa que precisamos de verdade.

Menino lendo em sua escola
alamy

Bibliotecas são lugares que pessoas vão para obter informação. Livros
são apenas a ponta do iceberg da informação: eles estão lá, e
bibliotecas podem fornecer livros gratuitamente e legalmente. Crianças
estão emprestando livros de bibliotecas hoje mais do que nunca – livros
de todos os tipos: de papel e digital e em áudio. Mas as bibliotecas
também são, por exemplo, lugares onde pessoas que não tem computadores,
que podem não ter conexão à internet, podem ficar online sem pagar nada:
o que é imensamente importante quando a forma que você procura
empregos, se candidata para entrevistas ou aplica para benefícios está
cada vez mais migrando para o ambiente exclusivamente online.
Bibliotecários podem ajudar estas pessoas a navegar neste mundo.

Eu não acredito que todos os livros irão ou devam migrar para as
telas: como Douglas Adams uma vez me falou, mais de 20 anos antes do
Kindle aparecer, um livro físico é como um tubarão. Tubarões são velhos:
existiam tubarões nos oceanos antes dos dinossauros. E a razão de ainda
existirem tubarões é que tubarões são melhores em serem tubarões do que
qualquer outra coisa que exista. Livros físicos são durões, difíceis de
destruir, resistentes à banhos, operam a luz do sol, ficam bem na sua
mão: eles são bons em serem livros, e sempre existirá um lugar para
eles. Eles pertencem às bibliotecas, bem como as bibliotecas já se
tornaram lugares que você pode ir para ter acesso à ebooks, e
audio-livros e DVDs e conteúdo na web.

Uma biblioteca é um lugar que é um repositório de informação e dá a
cada cidadão acesso igualitário a ele. Isso inclui informação sobre
saúde. E informação sobre saúde mental. É um espaço comunitário. É um
lugar de segurança, um refúgio do mundo. É um lugar com bibliotecários.
Como as bibliotecas do futuro serão é algo que deveríamos estar
imaginando agora.

Alfabetização é mais importante do que nunca, nesse mundo de
mensagens e e-mail, um mundo de informação escrita. Precisamos ler e
escrever, precisamos de cidadãos globais que possam ler
confortavelmente, compreender o que estão lendo, entender as nuances e
se fazer entender.

As bibliotecas realmente são os portais para o futuro. É tão
lamentável que, ao redor do mundo, nós observemos autoridades locais
apropriarem-se da oportunidade de fechar bibliotecas como uma maneira
fácil de poupar dinheiro, sem perceber que eles estão roubando do futuro
para serem pagos hoje. Eles estão fechando os portões que deveriam ser
abertos.

De acordo com um estudo recente feito pela Organisation for Economic Cooperation and Development,
a Ingaterra é o “único país onde o grupo de mais idade tem mais
proficiência tanto em alfabetização quanto em capacidade de usar ou
entender as técnicas numéricas da matemática do que o grupo mais jovem,
depois de outros fatores, tais como gênero, perfis sócio-econômicos e
tipo de ocupações levados em consideração”.

Colocando de outro modo, nossas crianças e netos são menos
alfabetizados e menos capazes de utilizar técnicas de matemática do que
nós. Eles são menos capazes de navegar o mundo, de entendê-lo e de
resolver problemas. Eles podem ser mais facilmente enganados e iludidos,
serão menos capazes de mudar o mundo em que se encontram, ser menos
empregáveis. Todas essas coisas. E como um país, a Inglaterra ficará
para trás em relação a outras nações desenvolvidas porque faltará mão de
obra especializada.

Livros são a forma com a qual nós nos comunicamos com os mortos. A
forma que aprendemos lições com aqueles que não estão mais entre nós,
que a humanidade se construiu, progrediu, fez com que o conhecimento
fosse incremental ao invés de algo que precise ser reaprendido, de novo e
de novo. Existem contos que são mais velhos que alguns países, contos
que sobreviveram às culturas e aos prédios nos quais eles foram contados
pela primeira vez.

Eu acho que nós temos responsabilidades com o futuro.
Responsabilidades e obrigações com as crianças, com os adultos que essas
crianças se tornarão, com o mundo que eles habitarão. Todos nós –
enquanto leitores, escritores, cidadãos – temos obrigações. Pensei em
tentar explicitar algumas dessas obrigações aqui.

Eu acredito que temos uma obrigação de ler por prazer, em lugares
públicos e privados. Se lermos por prazer, se outros nos verem lendo,
então nós aprendemos, exercitamos nossas imaginações. Mostramos aos
outros que ler é uma coisa boa.

Temos a obrigação de apoiar bibliotecas. De usar bibliotecas, de
encorajar outras pessoas a utilizarem bibliotecas, de protestar contra o
fechamento de bibliotecas. Se você não valoriza bibliotecas então você
não valoriza informação ou cultura ou sabedoria. Você está silenciando
as vozes do passado e você está prejudicando o futuro.

Temos a obrigação de ler em voz alta para nossas crianças. De ler pra
elas coisas que elas gostem. De ler pra elas histórias das quais já
estamos cansados. Fazer as vozes, fazer com que seja interessante e não
parar de ler pra elas apenas porque elas já aprenderam a ler sozinhas.
Use o tempo de leitura em voz alta para um momento de aproximação, como
um tempo onde não se fique checando o telefone, quando as distrações do
mundo são postas de lado.

Temos a obrigação de usar a linguagem. De nos esforçarmos: descobrir o
que as palavras significam e como empregá-las, nos comunicarmos
claramente, de dizer o que estamos querendo dizer. Não devemos tentar
congelar a linguagem, ou fingir que é uma coisa morta que deve ser
reverenciada, mas devemos usá-la como algo vivo, que flui, que empresta
palavras, que permite que significados e pronúncias mudem com o tempo.

Nós escritores – e especialmente escritores para crianças, mas todos
os escritores – temos uma obrigação com nossos leitores: é a obrigação
de escrever coisas verdadeiras, especialmente importantes quando estamos
criando contos de pessoas que não existem em lugares que nunca
existiram – entender que a verdade não está no que acontece mas no que
ela nos diz sobre quem somos. A ficção é a mentira que diz a verdade,
afinal. Temos a obrigação de não entediar nossos leitores, mas fazê-los
sentir a necessidade de virar as páginas. Uma das melhores curas para um
leitor relutante, afinal, é uma estória que eles não são capazes de
parar de ler. E enquanto nós precisamos contar a nossos leitores coisas
verdadeiras e dar a ele armas e dar a eles armaduras e passar a eles
qualquer sabedoria que recolhemos em nossa curta estadia nesse mundo
verde, nós temos a obrigação de não pregar, não ensinar, não forçar
mensagens e morais pré-digeridas goela abaixo em nossos leitores como
pássaros adultos alimentando seus bebês com vermes pré-mastigados; e nós
temos a obrigação de nunca, em nenhuma circunstância, escrever nada
para crianças que nós mesmos não gostaríamos de ler.

Temos a obrigação de entender e reconhecer que enquanto escritores
para crianças nós estamos fazendo um trabalho importante, porque se nós
estragarmos isso e escrevermos livros chatos que distanciam as crianças
da leitura e de livros, nós estaremos menosprezando o nosso próprio
futuro e diminuindo o deles.

Todos nós – adultos e crianças, escritores e leitores – temos a
obrigação de sonhar acordado. Temos a obrigação de imaginar. É fácil
fingir que ninguém pode mudar coisa alguma, que estamos num mundo no
qual a sociedade é enorme e que o indivíduo é menos que nada: um átomo
numa parede, um grão de arroz num arrozal. Mas a verdade é que
indivíduos mudam o seu próprio mundo de novo e de novo, indivíduos fazem
o futuro e eles fazem isso porque imaginam que as coisas podem ser
diferentes.

Olhe à sua volta: eu falo sério. Pare por um momento e olhe em volta
da sala em que você está. Eu vou dizer algo tão óbvio que a tendência é
que seja esquecido. É isto: que tudo o que você vê, incluindo as
paredes, foi, em algum momento, imaginado. Alguém decidiu que era mais
fácil sentar numa cadeira do que no chão e imaginou a cadeira. Alguém
tinha que imaginar uma forma que eu pudesse falar com vocês em Londres
agora mesmo sem que todos ficássemos tomando uma chuva. Este quarto e as
coisas nele, e todas as outras coisas nesse prédio, esta cidade,
existem porque, de novo e de novo e de novo as pessoas imaginaram
coisas.

Temos a obrigação de fazer com que as coisas sejam belas. Não de
deixar o mundo mais feio do que já encontramos, não de esvaziar os
oceanos, não de deixar nossos problemas para a próxima geração. Temos a
obrigação de limpar tudo o que sujamos, e não deixar nossas crianças com
um mundo que nós desarrumamos, vilipendiamos e aleijamos de forma
míope.

Temos a obrigação de dizer aos nossos políticos o que queremos, votar
contra políticos ou quaisquer partidos que não compreendem o valor da
leitura na criação de cidadãos decentes, que não querem agir para
preservar e proteger o conhecimento e encorajar a alfabetização. Esta
não é uma questão de partidos políticos. Esta é uma questão de
humanidade em comum.

Uma vez perguntaram a Albert Einstein como ele poderia tornar nossas
crianças inteligentes. A resposta dele foi simples e sábia. “Se você
quer que crianças sejam inteligentes”, ele disse, “leiam contos de fadas
para elas. Se você quer que elas sejam mais inteligentes, leia mais
contos de fadas para elas”. Ele entendeu o valor da leitura e da
imaginação. Eu espero que possamos dar às nossas crianças um mundo no
qual elas possam ler, e que leiam para elas, e imaginar e compreender.

• Esta é uma versão editada da palestra do Neil Gaiman para a Reading
Agency, realizada dia 14 de outubro de 2013 (segunda-feira) no Barbican
em Londres. A série anual de palestras da Reading Agency começou em
2012 como uma plataforma para que escritores e pensadores
compartilhassem ideias originais e desafiadoras sobre a leitura e as
bibliotecas.



fonte: Neil Gaiman: Por que nosso futuro depende de bibliotecas, de leitura e de sonhar acordado – Index-a-Dora

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Contratos Internacionais São Confiáveis?


Todos sabemos que o mercado editorial vem crescendo progressivamente, com altos índices de vendas no país. Porém sabemos que isso em nada vem afetando positivamente para o lado dos escritores. O que vem crescendo junto com as vendas são o número de publicações e também de editoras. Somos um país que possui mais editoras do que livrarias.
Nesse ritmo, as editoras por demanda surgiram aos montes. São centenas delas que estão pela internet com o anúncio em letras garrafais "Publique o seu livro". É uma ótima oportunidade para quem é leigo no assunto, mas o cliente tem que tomar cuidado para não ter prejuízo em seu investimento literário.
Indo nesse embalo mercadológico, agora tenho notado editoras "estrangeiras" por demanda oferecendo serviços editoriais e demonstrando pseudo-interesse nas obras dos clientes. Isso eu já venho notado há alguns anos, e está preocupando tanto quanto a pertinência em escrever sobre o assunto.
O registro do livro só é válido no país em que é feito. Você precisa registrar o livro lá fora também para que tenha os direitos reservados. Se fosse assim, a Disney, o Mauricio de Sousa, a Marvel e outras produtoras não teriam esse engajamento através de seus escritórios multinacionais.  
Entregar livro para editora estrangeira é o mesmo que entregar a chave do banco para o Al Capone.
É ingenuidade acreditar que um país estrangeiro irá se interessar por um livro
desconhecido. Lembre-se que o "Aventuras de Pi" é um plágio descarado de um livro nacional.
Continuem espertos e não queiram dar um passo maior que a perna na trilha editorial. Tenham paciência que no momento certo, a oportunidade vai chegar.


Leo Vieira