Halleymania: 30 anos depois
Por Marcus Ramone
Como um brasileiro transformou um corpo celeste no maior fenômeno comercial da história da astronomia e despertou o interesse da Marvel.
Foi assim em 1980, do alto de seus 32 anos, quando trabalhava em um gigante da indústria de cigarros e teve um insight, “de acordo com uma característica da bipolaridade, que é ter a cabeça sempre a mil, procurando novas ideias”, como disse ao Universo HQ.
Naquela época, as primeiras reportagens
sobre a nova visita do cometa Halley às proximidades da Terra começavam a
surgir em jornais e TVs. Mas o assunto ainda não despertava o interesse
que viria a ter mais tarde.
A Era dos Halley
“Eu pensava em lançar uma Butique Hollywood, vendendo roupas e artigos promocionais com a marca dos cigarros Hollywood.
Era um projeto de diversificação e licenciamento. Estava com a teoria
bem clara na cabeça, quando li numa revista que o cometa Halley voltaria
em 1986 e inspiraria músicas e suvenires e que crianças seriam
batizadas com o seu nome”, relata Diniz.
Bastou isso para o publicitário partir
em busca da realização da ousada empreitada de capitalizar com o
viajante cósmico. “Pensei: quem tiver essa marca estará rico. E fui
atrás de um advogado para saber se era possível. Não só era, como estava
livre para registro no Brasil. E, nos Estados Unidos, só não estava
livre para isqueiros e perfumes, em dois produtos que existiam desde
1910″, revela.
Ainda em 1980, Diniz juntou o dinheiro que tinha, pediu mais emprestado e arregimentou o sócio Luiz Felipe Tavares para criar a Marcelo Diniz Estratégias de Marketing Ltda. e fazer todos os registros possíveis da marca Halley no País.
Dois anos depois, fez o mesmo nos Estados Unidos, na França e na Alemanha.
Convocando o argumentista Luiz Antonio
Aguiar e o ilustrador Lielzo Azambuja, Diniz criou o esteio do projeto: a
Família Halley, de quem dependia integralmente a continuidade da
empreitada.
Os personagens ganharam nome, visual e
conceito que, via de regra, acompanhavam a marca, formando os pilares
sobre os quais se montou o projeto e que se completavam com a mensagem
de harmonia pregada pela família espacial.
Viajantes cósmicos, os Halley eram os
únicos sobreviventes do planeta Hydron, devastado por uma colisão com um
mundo desabitado e do qual sobrara apenas a calota polar, que se
transformara no cometa Halley.
Depois de encontrar o planeta Terra e se
afeiçoar aos seus habitantes, a família resolveu adotar o nome com o
qual os terráqueos batizaram o pedaço desgarrado de Hydron.
Assim nasceram Big Halley, Halley,
Halleyxpert, Halleyfante, Halleygante, Halleyluiah, Halleyxandra,
Halleyzinha, Halleyzótica e Halleygria, uma trupe cujos nomes de
pronúncia fácil ganharam o apelo imediato que garantiu à franquia o
sucesso almejado.
Em 1985, um ano antes do que se esperava
ser a chegada triunfal do cometa, a Família Halley começou sua
trajetória pela mídia, por meio de um contrato com a TV Globo que levou os personagens aos programas Balão Mágico – no qual o Halleyfante, uma espécie de paquiderme robô, virou atração fixa -, Fantástico, Globo Repórter e Minuto Halley (“foguetinhos” diários na programação) e ao musical A Era dos Halley, que contou com a participação de diversos nomes da MPB e do rock brasileiros e foi lançado em LP.
Começava ali a halleymania.
Febre consumista
Materiais escolares, tênis, óculos,
chicles de bola, iogurtes, brinquedos, artigos de vestuário e diversos
outros produtos, incluindo uma linha de joias finas da H.Stern, todos estampando o nome ou a imagem da Família Halley, começaram a invadir o mercado em 1985.
Ao todo, foram 53 contratos de
licenciamento para mais de dois mil produtos, resultando em um
faturamento imediato de cerca de dez milhões de dólares – na época, uma
cifra ainda mais espantosa do que é hoje.
No mesmo ano, a Família Halley estreou nas tiras de quadrinhos, publicadas diariamente no jornal O Globo. Meses depois, em outubro, chegou aos gibis na série bimestral A Era dos Halley, que na primeira edição oferecia de brinde um bottom.
A revista trazia, em cada edição, duas
histórias em quadrinhos – escritas por Luiz Antonio Aguiar, Ives do
Monte Lima e Salete Brentan, com desenhos de Napoleão Figueiredo e
Roberto Kussumoto -, além de passatempos relacionados ao Halley, textos
sobre astronomia e tecnologia espacial e a seção Jornal do Cometa, com as últimas novidades sobre o astro da década.
Foi publicada até junho de 1986, quando o cometa Halley já rumava para outras galáxias.
E não ficou só nisso. Um longa-metragem com atores chegou a ser pré-produzido, mas não vingou.
A exposição e o sucesso da marca Halley não passaram despercebidos em outros países. No dia 8 de maio de 1986, a edição do jornal norte-americano New Scientist
destacou o furor causado pelo cometa no Brasil, potencializado pela
criação de Marcelo Diniz, agora celebrado como um empresário de visão
telescópica – com o perdão do trocadilho necessário.
Nesse período, a Warner Licensing Corporation já havia assinado com a Marcelo Diniz Estratégias de Marketing uma carta de intenções para licenciar a marca Halley pelo mundo.
E a Marvel Entertainment,
dona dos direitos sobre os super-heróis Homem-Aranha, X-Men, Hulk e
outros, assinou um contrato de opção para produzir desenhos animados da
Família Halley. “Mas poderia pedir, se quisesse, a extensão para
longas-metragens live-action ou mesmo quadrinhos”, afirma Diniz.
Ele confessa que, se isso acontecesse, seria uma conquista pessoal. “Eu adoraria. Desde criança, lia tudo que era Disney,
Bolinha e Luluzinha e, à medida que fui crescendo, os super-heróis. Mas
o meu preferido era o Fantasma. Ainda gosto de quadrinhos, mas, hoje em
dia, prefiro cinema”, conta.
Diniz também acredita que a Marvel teria um papel importante na longevidade da Família Halley.
“O planejamento de marketing
previa que o filme, as histórias em quadrinhos e os desenhos animados
dessem vida longa ao projeto, muito tempo após a passagem do cometa. Os
norte-americanos condicionaram os investimentos em produção ao sucesso
do evento. Como o Halley não foi visto no hemisfério norte, eles
desistiram”, afirma. “As produções daquela época, sem os efeitos
especiais necessários, não eram suficientes para manter vendas de
produtos inspirados em um evento que frustrou o público. Se tivéssemos
os desenhos animados da Marvel, talvez ainda desse para continuar.”
No final das contas, o cometa havia sido anjo e demônio para Diniz.
Fiasco no céu
O astrônomo Edmond Halley (1656 – 1742) emprestou seu nome ao cometa mais famoso deste lado da Via Láctea.
Depois de descobrir que os cometas
avistados em 1531, 1607 e 1682 eram um só, ele previu que a órbita
completada em torno do Sol a cada 76 anos o traria de volta em 1758. O
cientista morreu antes de ver sua previsão concretizada.
A visita de 1910, em que a cauda do
Halley tocou a atmosfera terrestre e apresentou um espetáculo
inesquecível para quem teve o privilégio de assistir, provocou em 1986
uma grande expectativa, que se mostrou frustrada.
Naquele ano, o Brasil ainda saboreava a
recente retomada da democracia institucional, depois de mais de duas
décadas sob as rédeas do regime militar.
O pacote econômico batizado de Plano Cruzado
fora lançado com a firme missão de criar uma moeda nacional forte e,
principalmente, acabar com o monstro da inflação, que minava o poder de
compra dos brasileiros.
No esporte, o povo se unia na torcida
para a seleção de futebol, comandada pelo técnico Telê Santana,
conquistar seu quarto título da Copa do Mundo.
E o cometa Halley, a sensação daquele
momento, atingia o periélio – ponto mais próximo do Sol -, para a
alegria dos que continuavam acreditando ser possível observá-lo em sua
plenitude, a olho nu.
Mas foram necessários somente poucos meses para tudo desmoronar e outra realidade bater à porta.
O índice de popularidade do presidente
da República despencou vertiginosamente, o plano econômico fracassou e a
Seleção Brasileira foi eliminada do Mundial realizado no México.
A pá de cal veio do espaço: o cometa Halley foi embora, sem nunca ter vindo, marcando o fim de um fenômeno comercial e de marketing jamais visto no planeta – antes ou depois – na história da astronomia.
Pouca gente o viu, de fato. E somente
com a ajuda de uma boa luneta – nem de longe as que eram vendidas feito
água em lojas e nos camelôs – e de um mapa celeste fácil de decifrar,
foi possível testemunhar a aparição do cometa, que se mostrou um reles
chumaço de algodão no meio de estrelas muito mais brilhantes no céu.
Marcelo Diniz não contava com isso. Não
há como saber com certeza, mas dificilmente a passagem do Halley seria
tão lembrada no Brasil, décadas depois, se o publicitário não houvesse
deflagrado a halleymania que marcou os anos 1980 no País.
No entanto, poderia ter sido melhor.
“Não ‘fiquei de mal’ do Halley, apenas frustrado por não ter completado o
projeto da minha vida. Mas acho que já superei isso”, confessa Diniz.
Atualmente trabalhando como assessor da Associação Brasileira de Agências de Publicidade e planejador da Associação Brasileira de Propaganda, Diniz tem sido sondado por alguns interessados em reviver a Família Halley. O Cartoon Network faz parte dessa lista.
Mas a volta dos personagens ainda parece
uma realização distante. “Todos que analisaram os desenhos nos últimos
anos disseram que eles teriam que ser refeitos, modernizados. O
potencial é bom, temos dezenas de roteiros prontos, mas eu teria que
investir em novos desenhos, produção e outros elementos. Não tenho mais
interesse em partir para um empreendimento desses com risco próprio”,
diz o criador da Família Halley.
Há poucos anos, ele presenteou os leitores do UHQ ao liberar, com exclusividade para o site, imagens nunca antes divulgadas e que agora podem ser vistas novamente, na galeria no final deste texto.
“São pranchas da primeira história dos Halley, conforme apresentamos à Warner e à Marvel, com conceito visual e estilo de desenho diferentes do publicado pela Editora Abril. Mostramos duas HQs que encantaram os norte-americanos. Jamais foram publicadas”, explica Diniz.
Marcus Ramone era halleytor
dos gibis da Família Halley e até hoje guarda a coleção como uma
halleymbrança do cometa que alega ter visto.
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