Em se tratando de notas sobre 
literatura, é necessário pedir escusas pela obviedade literária que vai 
acima. Falando de escritores (ou da classe artística, letrada ou 
intelectual brasileira), é redudante, tautológico e pleonásmico afirmar 
que mais de um deles freqüentou o mesmo ambiente e começou a gritar 
babuinamente: “Fora Temer! Fora Temer!”
Qualquer um no país hoje sabe que se 
dois jornalistas forem ao banheiro juntos, em 2 minutos estarão 
gritando: “Fora Temer!”. Se mais de dois músicos se juntarem para fazer 
uma jam, depois do segundo acorde já virá um “Fora Temer”. Se 
um painel com dois escritores para comentar a conjuntura política 
nacional for feito no Rio Grande do Sul ou no Acre, o resultado será 
pouco mais do que berros histéricos de “Fora Temer!”. Se for na FLIP, 
que deveria reunir os maiores escritores do mundo, o resultado só será 
diferente por toda a rouanetosfera esperar Karl Ove 
Knausgård terminar sua apresentação para iniciar o “Fora Temer! Fora 
Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer!”
A maldição de nossa época é a própria 
crença de que nossa época é algo a ser louvado por si, uma época das 
épocas, a super-época – finalmente estaríamos “na nossa época”, como se 
fosse melhor do que todas as outras épocas. É o credo chamado modernismo,
 ideologia que chama tudo o que não seja ela própria de ideologia. A 
superioridade da moda sobre a tradição, a glorificação do que está vivo 
como elevado a tudo aquilo que mereceu luto por ter morrido.
Uma das marcas do modernismo no Brasil, 
com todos os defeitos do modernismo, besuntado em caipirismo e 
macaqueação barata, foi o poema Poética, de Manuel Bandeira, que versa:
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Qualquer brasileiro já foi julgado, 
condenado e torturado pelo crime de ser brasileiro a ler estas 
malfadadas na escola para entender o que é modernismo (não vai muito 
além disso). A seita modernista, “antropofágica”, umbigocêntrica e 
masturbatória como sói, acabou devorando-se a si própria: hoje, ali na 
FLIP 2016, é o lirismo funcionário público com livro de ponto espediente
 protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. Ou, no caso, à sra.
 Dilma Vana Rousseff e sua capacidade de dar lei Rouanet pra quem não 
venderia livro nem com miçanga grátis em feira hippie.
 
 
Pedindo novamente escusas, não averiguei se os escritores (nem averiguei quem são
 os escritores) vociferando “Fora Temer!” na FLIP apóiam a Lei Rouanet. 
Mas aposto que, perguntados sobre a crise desgraçada da literatura 
brasileira, que não produz mais um escritor digno de um 
Guimarães Rosa ou Lima Barreto, obtemperarão de pronto: “Quêêê? 
Maaaagina que a literatura brasileira tá uma porra, nós somos excelentes, mas se a literatura,
 e não nós, escritores que a produzem, está pior do que encoxar a mãe no
 tanque, tudo o que precisa é entupir o rabo dos escritores de Lei 
Rouanet para fomentar a cultura, amém, Dilma, afinal, se os 
leitores não lêem nossos livros, que são perfeitos, pra ficar chuchu 
beleza só precisa é o governo obrigá-los a pagar nossa vida de luxo 
burguês pra gente poder morar no Leblon e passar férias em Paris sem 
precisar vender livro, que aí a literatura estará salva!”.
Alguém aí aposta 2 reais contra?
Literatura política
Tem alguma coisa mais cacete do que política? Não inventaram a literatura para estarmos num nível mais alto, que engloba
 a política e a explica sob auspícios de uma visão maior, ao invés de 
deixar que as bajulações e lambeção de bolas oficiais determinem nossa 
metafísica?
Como já bem observou Olavo de Carvalho, 
talvez o Brasil seja o único país do mundo cuja literatura não reflete 
nada da realidade do país. Qualquer país subdesenvolvido na África, Ásia
 ou Oriente Médio tem mais chance de Nobel por ter uma literatura que 
reflita os problemas atuais das pessoas, da crise moral ao terrorismo. 
Bola de feno passando na FLIP.
No Bananão, toda a literatura está até 
hoje falando da ditadura militar, com personagens mais rasos do que 
carcaça de planária. Nenhum personagem com conflito interno: a feminista
 desiludida, o esquerdista buscando novos conceitos depois da corrupção 
do PT, o pobre cuja vida não consiga ser explicada pela sociologia de 
Vila Madalena.
A política reflete uma realidade: apesar de criar novos fatos a partir disso, torna-se mero esquematismo e flatus vocis se tenta criar fatos nihil ad rem. E hoje escritor faz política, e não literatura.
As
 grandes obras literárias apreciadas pela bolha flipista são como novela
 da Globo: se o mocinho progressista não vencer as trevas representadas 
por sua avó e o tripé mulher-negro-homossexual não passar pela 
Jornada do Herói
 de vítima social a reconhecido pela elite, o livro imediatamente é 
tachado de machista, racista e homofóbico, concluindo-se, portanto, que é
 fascista.
Os maiores escritores do Brasil a 
fazerem literatura, e não pastiche de propaganda do PT com norte moral 
de Globo News e Folha de S. Paulo, como 
Alexandre Soares Silva, 
Karleno Bocarro ou 
Rodrigo Duarte Garcia
 foram convidados pela FLIP? Ou só vale a cabala das “causas sociais” e 
pobre-feminismo-ditadura que substituiu a fase em que literatura 
brasileira só falava de mato, sertão e índio?
Críticos literários brilhantes como Rodrigo Gurgel ou Martim Vasques da Cunha são chamados a fazer crítica literária, ou só vale a troca de afagos entre confrades da camarilha? Tem alguma coisa a ser defendida na literatura brasileira que mereça aplausos numa FLIP sem ser por política e amizade com os poderosos da indústria cultural nacional – e, via de regra, estatal?
Quando o editor da Record, maior editora
 do Brasil, Carlos Andreazza, comentou que seus escritores eram 
boicotados pela FLIP, a direção da festa literária acusou-o de 
corporativismo. Para quem é corporativista, só se pode pensar por esta 
clave: crer que os outros é que querem usar o poder de monopólio para 
defender sua claque, quando apenas a própria FLIP faz isso e o que 
Carlos Andreazza achava mais interessante era justamente o contrário: 
ter várias idéias, e não uma só.
Tudo no país se tornou puxadinho do PT. A FLIP não seria exceção.
Ficção e realidade
Há, claro, uma explicação simples para 
um país continental desinteressar-se quase de todo pela literatura, com 
todos os pensantes e falantes da nação preferindo os jornais e o 
noticiário a tentar encarar meia hora de um romance brasileiro.

Em 1977, num episódio que marcou a 
história de Brasília, um menino de 13 anos caiu no recinto das ariranhas
 no jardim zoológico da cidade, sendo imediatamente atacado pelos 
animais que, pra quem não sabe, são ferocíssimos.
Um militar, de nome Sílvio Hollenbach, 
que passeava por ali com a família, ao ouvir os gritos por socorro, 
pulou no fosso e salvou o garoto; contudo, foi puxado por uma perna por 
um dos animais, sendo em seguida atacado por vários deles, até que 
funcionários do zoológico finalmente chegassem para resgatá-lo.
O garoto foi hospitalizado e recebeu 
alta em poucos dias. Porém, lacerado por mais de cem mordidas, Sílvio 
Hollenbach morreu por infecção generalizada, três dias depois.
“Tenente Sílvio Delmar Hollenbach” hoje é
 o nome oficial do Jardim Zoológico de Brasília, em homenagem ao herói; é
 nome de ruas e escolas em várias cidades; também dá nome ao auditório 
do Hospital das Forças Armadas de Brasília, onde o militar servia à 
época.
Adilson Florêncio da Costa é o nome do 
menino salvo por Sílvio; hoje, trinta e nove anos depois, Adilson foi 
preso pela Polícia Federal.
Ex-diretor do Postalis – o fundo de 
pensão dos funcionários dos Correios -, Adilson é acusado no 
envolvimento em fraudes que resultaram em prejuízos de 90 milhões ao 
fundo, numa intrincada tramoia que inclui a criação de uma empresa de 
fachada destinada a assumir o controle de universidades falidas para, 
através delas, captar recursos para supostamente recuperar as 
instituições de ensino.
Segundo investigações da PF (deem um 
Google e vocês, se tiverem curiosidade e paciência, vão entender), o 
fundo Postalis, e também o fundo Petros, da Petrobras, foram os únicos 
que investiram pesadamente o dinheiro da aposentadoria de seus 
funcionários em títulos emitidos pela empresa gestora das universidades –
 e (surpresa!) o dinheiro sumiu, as universidades faliram, o preju ficou
 todo com os funcionários das estatais.
Ainda segundo investigações, os 
destinatários principais da rapinagem seriam o senador Renan Calheiros 
(PMDB – AL), a campanha derrotada ao governo do Estado do Rio de Janeiro
 de Lindbergh Farias (PT – RJ) e o ex-sindicalista, ex-ministro de Dilma
 Rousseff e deputado federal Luiz Sérgio (PT – RJ).
A PF come pelas beiradas, enquadrando 
primeiro os bandidinhos pé-rapados, porque os bandidões – pra variar – 
têm foro privilegiado. Mas, em breve, tudo isso vai estar nas manchetes 
dos principais jornais.
É uma PUTA história, que começa com ariranhas enfurecidas e termina com ladrões de aposentadorias presos: merece um filme!
Tem como alguma ficção romanceada dos escritorezinhos brasileiros concorrer com histórias como essa?
Convenhamos: a Lava Jato vale mais do 
que muita série hollywoodiana (House of Cards?! Puff!!), um Eduardo 
Cunha, um Jair Bolsonaro, uma Sara Winter, um José Dirceu são 
personagens muito mais ricos e complexos do que 99% dos personagens de 
toda a nossa literatura.
Que dirá a concorrência com os 
“livros-reportagens” de jornalistas da Folha “debatendo” entre a Ave 
Maria e o amém na FLIP, com seus relatos de viagens pela Síria, para 
mostrar que não entendem lhufas do conflito, mas vêem um monte de gente 
pobre matando outro monte de gente pobre e passam a escrever sobre como é
 tudo “muito mais complexo do que dizem por aí” e ganham resenhas de 
seus cupinchas no caderno de Cultura afirmando que “o livro levanta mais
 dúvidas a cada página” já que até na análise da realidade os escritores
 brasileiros não consegue sair de si mesmo.
Alguma chance de isso tudo ser minimamente mais emocionante, interessante e agradável do
 que o próprio movimento de xadrez do juiz Sérgio Moro? Do que o jogo de
 delator delatando que quem ainda não foi preso comprou o silêncio para 
não delatar quem poderia delatar ainda mais? Das notícias em moto perpetuo de
 que homem de cabelo branco penteado para trás acusou outro homem de 
cabelo branco penteado para trás de corrupção e afiançou que ele próprio
 é inocente? Do que o chorume da feminista famosinha graças à Globo 
promovendo feminismo xingando a Globo de golpista fascista? Como um 
grupo de escritores gritando “Fora Temer” na FLIP quer ser mais lido do 
que alguém que, digamos, escreva ou faça algo com mais do que 5 
palavras-clichês?
O Brasil, definitivamente, não é pra principiantes e amadores.