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domingo, 13 de janeiro de 2019

Trio de amigos gonçalenses conta história da 2ª guerra mundial

  Professor e irmãos gêmeos produziram revista em quadrinhos
Enviado Direto da Redação
Por Rennan Rebello

Para muita gente, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pode parecer algo restrito às aulas no colégio ou na universidade. Talvez por isso não tenha uma visão mais ampla sobre o assunto que, além de atrair pesquisadores de diversas partes do mundo, também envolve um mercado peculiar e específico sobre este capítulo da história. Mas, em São Gonçalo, cidade que enviou soldados para a batalha, o professor de Artes Visuais Antônio Junior, 51 anos, e os irmãos gêmeos e graduandos em História, Daniel e Danilo Mota, 21, produziram uma revista de história em quadrinhos intitulada “Smoking Snakes: Você sabe de onde eu venho?”, com QR-Codes (códigos lidos por aplicativos que dão acesso a materiais extras como vídeos). A principal finalidade da iniciativa é a educação histórica através da memória do município que, de certa maneira, contribuiu para o êxito das tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no conflito armado.

A Rua Gaspar de Freitas, no bairro Mutondo, em São Gonçalo, ainda não é conhecida por sua história, no entanto não seria ousado dizer que em um futuro próximo será conhecida por três moradores que utilizam fatos históricos sobre a Segunda Guerra Mundial mesclando com a trajetória de ex-combatentes gonçalenses por meio da arte quadrinista. Apesar de serem de gerações distintas, o professor Antônio Junior e os gêmeos Daniel e Danilo Mota nutriam um laço de amizade na vizinhança, que tomou proporções no nível profissional.

“Conheço os meninos desde pequenos e já tinha amizade com a família deles, mas o que uniu de fato foi o assunto sobre a Segunda Guerra e o fato de, apesar de serem jovens, adoram coisas antigas. Além disso, eles também desenham assim como eu, e o projeto nasceu naturalmente. Criei o selo ‘Ôba’ (objeto de aprendizagem) através do qual lançamos a HQ “Smoking Snakes” no ano passado, escrita e desenhada por nós três. Foi literalmente um trabalho em grupo, que vem dando certo. Em eventos voltados neste sentido, os exemplares são bastante solicitados”, explica o professor que recentemente lançou em paralelo por seu selo mais uma revista do gênero, a “Smoking Snakes - relembrando os bravos”em formato mangá (quadrinho japonês).

À parte do projeto editorial, a paixão por este assunto fez com que os “irmãos da guerra” passassem a colecionar artigos originais, produzir roupas da época e se juntarem à Associação dos Ex-Combatentes de São Gonçalo, com sede no Patronato e conta com a direção do veterano Nelson Moreira Botelho, de 98 anos. Além dele, há suspeita de mais alguns vivos na cidade.

“Nosso avô, o Mota, que citamos na revista foi ex-combatente, mas ele não era de São Gonçalo, e no roteiro fizemos questão de citar combatentes daqui, como o senhor Oswaldo Mendes, que faleceu em 2016. Gostamos muito deste tema e fizemos questão de integrar a associação. Espero ajudar a manter, popularizar o assunto e encontrar outros ex-combatentes e pesquisar suas vidas”, disse Danilo que estuda História, na Faculdade de Formação de Professores (FFP/Uerj) e possui um arquivo em seu celular no qual consta o nome e informações específicas de quase todos os soldados brasileiros do Exército que lutaram na Itália, junto com o contingente militar oriundo dos Estados Unidos.

Outro objetivo que passa a ser em comum do trio é a promoção de um turismo ligado a este gênero, aproveitando o passado e a Praça dos Ex-Combatentes que, apesar de má conservada pelo poder público, tem artigos originais da Segunda Guerra, como um tanque de guerra, no entanto as peças estão vandalizadas e pichadas.

“É uma pena vermos essas relíquias neste estado, pois além de serem originais, poderiam servir como turismo com passeios guiados e local para palestras e aulas ao ar-livre. Estamos diante de algo histórico mas infelizmente a maioria não tem este conhecimento, e o nosso intuito é a difusão da informação. Queremos também desmitificar que este tema militar é coisa de ‘reacionário’ ou de adeptos da ‘direita’. Isso não tem nada a ver, isso é história, inclusive os combatentes tinham diversas visões políticas, inclusive de esquerda”, comentou Danilo, que faz sua graduação em História, no campus da UFF em Campos dos Goytacazes onde seu avô nasceu.

Aos interessados em adquirir um exemplar do quadrinho basta entrar em contato com o grupo através do perfil no Instagram: @smokingsnakeshq ou pela página no Facebook: Smoking Snakes.

João Barone, uma inspiração

O rock ‘n’roll também fez sua homenagem aos ex-combatentes através da banda de heavy metal sueca Sabaton ao citar os militares da FEB, na música “Smoking Snakes”. O que inspirou os pesquisadores de São Gonçalo em batizar a ação quadrinista com o mesmo título. E, em solo brasileiro, o baterista João Barone, dos Paralamas do Sucesso, que também pesquisa o tema e lançou o livro “1942 - o Brasil e sua guerra quase desconhecida” (2016), inspira Daniel, também é baterista e tem um exemplar autografado da publicação, na música como no estudo do assunto.

“João Barone é um dos maiores bateristas da América Latina e não é à toa que é reverenciado. Toco desde os 14 anos e não tem como não tê-lo como influência. Por coincidência, ainda temos o interesse em comum sobre o Brasil na Segunda Guerra. Já o presenteamos com um exemplar da nossa revista. Foi um dia inesquecível”, contou Daniel, o “João Barone gonçalense”, que toca aos sábados à noite com sua banda de rock Thecybeis e composta somente por irmãos, incluindo Danilo (que é baixista), no Australian Pub, no bairro Mutondo, onde reside desde a infância.

Atuação do Brasil ‘in loco’ no conflito
Após um acordo entre os governos brasileiro e americano em 1944, o então presidente Getúlio Vargas enviou tropas da Força Expedicionária Brasileira (fundada em 1943), para guerrear ao lado dos países aliados contra as forças do eixo composta pela (Alemanha nazista, Itália fascista e Império do Japão).

Os brasileiros estiveram nos campos de batalhas em solo italiano ao lado dos norte-americanos e foram bem sucedidos. Mas antes do sucesso na missão, havia uma descrença da população brasileira sobre a ida da FEB à Segunda Guerra, e era comum escutar na época a expressão “Só se a cobra fumar”, que tinha um sentido pejorativo de descrença e ironia. A partir disso, e como resposta aos compatriotas, os combatentes nacionais passaram a se intitular como “Cobras fumantes”, o que acabou fazendo com que os militares dos Estados Unidos passassem a se referir ao pelotão verde e amarelo na versão inglesa do termo, ou seja, “Smoking Snakes”.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O Futebol das Fábricas ou Fábrica do Futebol ?


Esporte Clube Costeira


Mathias Brotero

Além do Esporte Clube Metalúrgico que viveu tempos áureos na década de 1940, existiu em São Gonçalo o Esporte Clube Costeira, fundada a 25 de maio de 1960.

Em 1979, foi o segundo colocado na Divisão de Acesso de times do interior, segunda divisão do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro. O campeão e vice foram respectivamente o Friburgo Football Club e o Esporte Clube Costeira. Porém em 1980, o campeão foi o E C Costeira e o vice-campeão foi o Novo Rio FC, de São João de Meriti, que daria origem em 1981 à União Esportiva Coelho da Rocha. Não houve promoção para a Primeira Divisão do ano seguinte.

No começo do século XX o futebol começava a ganhar popularidade no Brasil. O esporte elitista trazido da Inglaterra por Charles William Miller passou a ser jogado por outras classes sociais, e rapidamente se popularizou nas fábricas e indústrias brasileiras.

Os trabalhadores jogavam em seu horário de almoço e os dirigentes das fábricas começaram a perceber que o esporte unia os seus funcionários. Assim, muitos cediam terrenos inutilizados das fábricas para fazer um campo com sede – uma jogada genial, pois além de unir os trabalhadores em torno do espírito corporativo da empresa, o futebol funcionava como propaganda da indústria, tornando as fábricas mais conhecidas.

Na medida em que mais times iam crescendo e se enfrentando, as fábricas ganhavam mais nome e a “indústria do futebol de fábricas” começou a crescer. Durante a contratação de funcionários, algumas indústrias priorizavam aqueles que soubessem jogar futebol. Houve até casos em que algumas fábricas contrataram operários só para jogar, mas no contrato escreviam que eles trabalhavam nas fábricas, pois só podiam participar dos campeonatos, aqueles que trabalhavam naquela indústria.
A popularidade dos jogos chegou ao ponto de servir como propaganda governamental para o Estado Novo, pois as ligas classistas criavam torneios amadores que seguiam as regras do Estatuo do Conselho Nacional de Desportos (CND) do Governo Vargas.

Porém, aquele espírito de união que o futebol dava para os jogadores de fábricas começou a se esvair. A competitividade para jogar pelas empresas criou muitas rixas entre trabalhadores, que queriam desfrutar dos benefícios que um jogador de empresa tinha (como poder ser dispensado para treinar ou trabalhar com uma carga horária mais flexível). Ao mesmo tempo, os bons jogadores assinaram contratos com grandes times nacionais, e passaram a viver só disso, como foi o caso de Mané Garrincha. Os operários que ficaram velhos demais para jogar voltaram para as suas fábricas e os times de futebol de fábricas foram perdendo força.

Eventualmente os presidentes das fábricas perceberam que havia outras formas mais eficientes de propaganda para a sua indústria, e os times de futebol de fábrica foram lentamente se perdendo no tempo.

Revista Placar, 16/09/1977


QUEM SE LEMBRA DO COSTEIRA TREINANDO NA PONTA D'AREIA?


Péris Ribeiro*
 
Clube fundado em 1960, não registra grandes feitos em sua história. Da velha Companhia de Navegação Costeira restam o emblema - uma Cruz de Malta que era pintada nas chaminés dos saudosos Itas -, o nome e alguns abnegados sócios, que descontam as mensalidades em folhas. Eles não deixam o clube morrer — ao contrário, é organizado, com departamento médico que funciona e pagamentos rigorosamente em dia. Também, são apenas 12 profissionais e uma porção de amadores. Salário mínimo, naturalmente — para eles é salário mínimo realmente, pois nenhum tem emprego na companhia, empresa pública que não tem mais navios e foi transformada em estaleiro de reparos navais, na costa de Niterói.

(... )Porém o otimista presidente Sebastião Barbosa de Melo afirma que o Costeira melhorou muito de lá para cá, pois mantém o mesmo time-base há trés anos e reforçou as posições deficientes.

A torcida, pequena porém fiel, confia muito em seus quatro craques, aqueles que faturam 2 mil por mês: o goleiro Tonho, 22 anos; o quarto-zagueiro Getúlio, 23 anos; o ponta-direita Aílson, 24 anos, veloz e de bom chute, e a armador Gutinho, estrela da companhia, que diz ter 23 anos mas aparenta muito mais, cacheiro que já andou em muito clube por ai — o último foi o Volta Redonda — e que sabe de bola sem correr muito atrás dela.

Uma pena não ter a foto do time da Costeira, apenas uma comprovação de um dos jogos. No antigo placar ao fundo o nome Costeira.   Jogo onde o Costeira sagrou-se campeão da Segunda Divisão do Campeonato Estadual do RJ.

Esporte Clube Costeira foi uma agremiação esportiva de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, fundada a 25 de maio de 1960.

Criado na ilha do Viana, na vizinha Niterói, por funcionários do estaleiro da Cia. Costeira de Navegação Marítima, o Costeira disputou diversos campeonatos promovidos pela Liga Desportiva de Niterói.

Se transfere para São Gonçalo, após vencer a Segunda Divisão Estadual (Zona do Interior) em 1980 e posteriormente abandonar o profissionalismo, muito dispendioso para a sua realidade financeira.

Retorna apenas em 2002, na Terceira Divisão de Profissionais. Classifica-se em segundo em seu grupo e chega à fase seguinte, na qual é eliminado ao ficar em terceiro em uma chave que classificou apenas o primeiro colocado Artsul Futebol Clube.

No ano seguinte, foi convidado a disputar a Segunda Divisão, mas não alcançou um bom desempenho. É eliminado precocemente na primeira fase ao ficar em segundo em uma chave com três equipes.

Licenciou-se após essa disputa, culminando numa posterior desfiliação pela FFERJ, devido a seis anos de inatividade. Suas cores são azul e branco.

 

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A Sociedade de Artes e Letras de São Gonçalo agradece a Anselmo Lopes da Silva, administrador do grupo "São Gonçalo Antigo" a permissão de postagem desta matéria.
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Texto: Mathias Brotero, “O Futebol das Fábricas ou a Fábrica do Futebol” - Pesquisa do amigo Antônio Gavina do Facebook: http://www.facebook.com/PontaDAreiaNiteroi

(*)   Revista Placar, 16/09/1977

sábado, 21 de junho de 2014

Corpus Christi em São Gonçalo: uma recente tradição

Robson Alexandrino




Alexandre Martins*


Muito se tem escrito sobre a tradição cristã da Festa do Corpo e Sangue do Senhor, em especial sobre a tradição do enfeite do trajeto da procissão anexa à mesma festa e, como católico gonçalense, não deveria eu me isentar de comentar esta bela tradição de São Gonçalo pela ótica católica, para benefício tanto dos católicos gonçalenses quanto dos que queiram entender a nossa cultura.

 

A Eucaristia

A Igreja Católica sempre entendeu nas palavras proferidas por Nosso Senhor Jesus Cristo, na chamada Última Ceia, que o pão e o vinho consagrados neste momento pelo sacerdote são em real o Seu corpo e o Seu sangue. A Igreja vive da Eucaristia. É com alegria que ela experimenta, de diversas maneiras, a realização incessante desta promessa: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” 1 mas, na sagrada Eucaristia, pela conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor, goza desta presença com uma intensidade sem par. O Concílio Vaticano II2 justamente afirmou que o sacrifício eucarístico é “fonte e centro de toda a vida cristã”. De fato, “na santíssima Eucaristia, está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo”. Por isso, o olhar da Igreja volta-se continuamente para o seu Senhor, presente no sacramento do Altar, onde descobre a plena manifestação do seu imenso amor.3
Para o cristão católico, aquele pedaço de pão sem fermento é a real carne de Nosso Senhor Jesus Cristo, e aquele vinho tinto o Seu precioso sangue. Inúmeros milagres durante dois mil anos dão ao fiel a comprovação dessa doutrina, como o Milagre de Lanciano, exaustivamente estudado pela Ciência.

 

Uma festa para sanar as dúvidas

A celebração de Corpus Christi (Corpo de Cristo) surgiu na Idade Média e consta de uma missa, procissão e adoração ao Santíssimo Sacramento. Quarenta dias depois do Domingo de Páscoa é a quinta-feira da Ascensão do Senhor. Dez dias depois temos o Domingo de Pentecostes. O domingo seguinte é o da Santíssima Trindade, e na quinta-feira é a celebração do Corpus Christi. Porque a Eucaristia foi celebrada pela 1ª vez na Quinta-Feira Santa, Corpus Christi se celebra sempre numa quinta-feira após o Domingo da Santíssima Trindade.
No final do século XIII surgiu em Liége, atual Bélgica, um Movimento de revalorização da Eucaristia na Abadia de Cornillon. Foi a origem de vários costumes eucarísticos, como a Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento, o uso dos sinos durante a elevação na Missa e a festa do Corpus Christi.
Santa Juliana de Mont Cornillon (1193-1258), à época priora da Abadia, foi a enviada de Deus para propiciar esta Festa. Ficou órfã muito pequena e foi educada pelas freiras Agostinianas. Quando cresceu, fez sua profissão religiosa e mais tarde foi superiora de sua comunidade.
Desde jovem, Santa Juliana teve uma grande veneração ao Santíssimo Sacramento. E sempre esperava que se tivesse uma festa especial em sua honra. Este desejo se diz ter intensificado por uma visão que teve da Igreja sob a aparência de lua cheia com uma mancha negra, que significada a ausência dessa solenidade. Juliana comunicou estas aparições a Dom Roberto de Thorete, bispo de Liége, também a e Jacques Pantaleón, arquidiácono local, futuro Papa Urbano IV. O bispo Roberto ficou impressionado e, como nesse tempo os bispos tinham o direito de ordenar festas para suas dioceses, invocou um sínodo em 1246 e ordenou que a celebração fosse feita no ano seguinte.4
O Papa Urbano IV, estava em Orvieto, cidade ao norte de Roma. Perto está Bolsena, onde em 1263 (ou 1264) aconteceu o Milagre de Bolsena: um sacerdote que celebrava a Santa Missa teve dúvidas de que a Consagração fosse algo real., no momento de partir a Sagrada Forma, viu sair dela sangue do qual foi se empapando em seguida o corporal. A venerada relíquia foi levada em procissão a Orvieto em 19 junho de 1264. Hoje se conservam os corporais5 em Orvieto, e também se pode ver a pedra do altar em Bolsena, manchada de sangue. O Santo Padre movido pelo prodígio, e a petição de vários bispos, faz com que se estenda a festa do Corpus Christi a toda a Igreja por meio da bula "Transiturus" (de 8/9/1264) fixando-a para a quinta-feira depois da oitava de Pentecostes e outorgando muitas indulgências a todos que asistirem a Santa Missa e o ofício.
O ofício de Corpus Christi foi composto por São Tomás de Aquino, que usou parte de Antífonas, Lições e Responsórios já em uso em algumas igrejas.
Nenhum dos decretos fala da procissão com o Santíssimo como um aspecto da celebração. Porém estas procissões foram dotadas de indulgências pelos Papas Martinho V e Eugênio IV, e se fizeram bastante comuns a partir do século XIV. Na Igreja grega a festa de Corpus Christi é conhecida nos calendários dos sírios, armênios, coptos, melquitas e os rutínios da Galícia, Calábria e Sicília.

 

No Brasil, com tapetes

A confecção de tapetes de rua é uma magnífica manifestação de arte popular que tem como origem a comemoração do Corpus Christi. A tradição de fazer o tapete com folhas e flores vem dos imigrantes açorianos. Essa tradição praticamente desapareceu em Portugal continental, onde teve origem, mas foi mantida nos Açores e nos lugares onde chegaram seus imigrantes, como Florianópolis (SC).
A festa foi trazida para o Brasil pelos portugueses. Numa carta de 9 de agosto de 1549, o Padre Manuel da Nóbrega, da Bahia, informava: “Outra procissão se fez dia de Corpus Christi, mui solene, em que jogou toda a artilharia, que estava na cerca, as ruas muito enramadas, houve danças e invenções à maneira de Portugal”.6
As procissões portuguesas eram esplendorosas: tropas, fidalgos, cavaleiros, andores, danças e cantos. A imagem de São Jorge, padroeiro de Portugal, seguia a procissão montada em um cavalo, rodeada de oficiais de gala.

 

A Liturgia Romana

Para as procissões eucarísticas, a cruz vai à frente ladeada por duas velas. Não se leva incenso junto à cruz. Atrás dela os ministros dois a dois, os acólitos, os diáconos e os concelebrantes. Estes últimos portam o pluvial, mas podem portar também a casula se a procissão foi feita logo após a missa. O celebrante principal, se não levar a sagrada eucaristia vai imediatamente à frente dela. Segue, então, a sagrada Eucaristia carrega por um clérigo vestido com alva, estola, pluvial e véu umeral de cor branca. É coberta pelo pálio ou pela umbela, carregado por quatro ou seis pessoas. À sua frente, vão dois acólitos com turíbulos fumegando. Se for o bispo a levar o Santíssimo, o báculo vai à frente dos turiferários e a mitra, bem como o livro atrás do pálio. Além dos demais acólitos assistentes, vão na parte de trás da procissão, os clérigos em vestes corais. Os de maior dignidade vão mais perto da Sagrada Eucaristia. Durante a Missa o celebrante consagra duas hóstias: uma é consumida e a outra apresentada aos fiéis para adoração.
A procissão lembra a caminhada do povo de Deus, peregrino, em busca da Terra Prometida. No Antigo Testamento esse povo foi alimentado com o pão maná, no deserto. Hoje, ele é alimentado com o próprio Corpo de Cristo em forma de pão.

 

Em São Gonçalo

A festa passou a integrar o calendário religioso brasileiro em 1961, quando uma pequena procissão saiu da igreja de Santo Antônio e seguiu até a igreja de Nossa Senhora de Fátima em Brasília. A festa de Corpus Christi no município de São Gonçalo começou em 19957.
Em 2010, os tapetes de Corpus Christi em São Gonçalo são patrimônio cultural imaterial do município, conforme a Lei Estadual 3141/10 de autoria do Deputado Altineu Cortes.8 Sua extensão de 2000 metros o caracteriza como o maior em extensão da América Latina.
A cada ano, o Prefeito de São Gonçalo assina um decreto nomeando os componentes da Comissão dos Festejos de Corpus Christi no município, publicado no Diário Oficial da cidade.

 

Uma tradição católica e cultural gonçalenses

A cidade de São Gonçalo foi fundada por portugueses e grande parte de sua arquitetura é de origem ibérica. Não somente as casas, mas o modo de ser das pessoas, do comércio, são típicos de antiguidade portuguesa. A religião católica é um dado característico dessa cultura e tornou-se também uma característica brasileira, desenvolvendo-se em formas próprias em uma chamada “brasilidade católica”.
A festa católica do Corpo de Cristo é assimilada em toda a Cristandade e não poderia deixar de ser em São Gonçalo também praticada. Com orgulho temos o maior tapete artístico de sal com motivos sacros de toda a América Latina. Isso demonstra não só a catolicidade de nossa cultura antiga, mas também a preservação de uma tradição para as gerações futuras, ansiosas de tradição e cultura seculares.





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*Empresário cultural, presidente da SAL – Sociedade de Artes e Letras de São Gonçalo, do Conselho Municipal de Cultura 

1- Evangelho segundo são Mateus, capítulo 28, versículo 20
2- reunião de todos os bispos da Igreja Católica, realizado de 1963 a 1966, em Roma, Itália.
3- Carta Encíclica “Ecclesia de Eucaristia” (A Igreja da Eucaristia) do papa Paulo II, §1
4- O decreto está preservado em Binterim (Denkwürdigkeiten, V.I. 276), junto com algumas partes do ofício.
5- guardanapos de pano branco onde se apóiam o cálice e a patena durante a Missa.
6- Cartas do Brasil, 86, Rio de Janeiro, 1931.
7- sítio oficial da Arquidiocese de Niterói, disponível em http://arqnit.org.br
8- PROJETO DE LEI Nº 3141/2010 - DECLARA PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO OS FESTEJOS RELIGIOSOS DE Corpus Christi E O TAPETE PARA A PROCISSÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ Autor(es): Deputado ALTINEU CORTES - A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RESOLVE: Art. 1º - Ficam declarados como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro os festejos religiosos de Corpus Christi e o tapete preparado para a procissão católica no município de São Gonçalo. Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua criação. Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 9 de junho de 2010.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Resenha: "Histórias De Quilombolas", de Flávio Dos Santos Gomes


Histórias De Quilombolas, Flávio Dos Santos Gomes

 
Em "Histórias de quilombolas", Flávio dos Santos Gomes retrata o mundo interligado das senzalas e dos quilombos no Rio de Janeiro do século XIX. Resultado de pesquisa primorosa feita em arquivos policiais e judiciários, o livro descreve com detalhes as ligações dos quilombolas com grupos livres e com os cativos, mostrando como os fugitivos abalavam o equilíbrio das relações escravistas.


A primeira parte do livro conta como, no século XIX, os quilombos de Iguaçu, no recôncavo da Guanabara, resistiram à repressão das autoridades. Taberneiros, pequenos negociantes e escravos comerciavam com eles e os informavam sobre as expedições repressoras.


A segunda parte examina a "insurreição quilombola" de Manoel Congo, em Vassouras, em 1838, de que participaram cativos africanos e "crioulos" (nascidos no Brasil), trabalhadores, domésticos e lavradores - tanto homens como mulheres. 


O final reúne histórias dos anos 1870 e 1880 que mostram como a crise de legitimidade do escravismo potencializou o movimento de libertação dos escravos.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Breve História da cidade de São Gonçalo



Alexandre Martins*


Em 1502 foi descoberta a Baía de Guanabara e, em decorrência, suas regiões. A chamada Banda D'Além tinha uma sesmaria, a de São Gonçalo, parte da Capitania de São Vicente.
Foi o viajante francês Jean Lery quem, em 1557, fez a primeira referência escrita que se conhece, às terras do hoje município de São Gonçalo. Em seu livro “Viagem às terras do Brasil” ele comenta que encontrou aldeias indígenas Tupis em torno da baía que nós hoje chamamos de Guanabara e localizada a Ilha de Itaoca, como o ponto de uma delas. 1
A Sesmaria de São Gonçalo compreendia o espaço o que hoje seria da Praia de Icaraí à Praia da Luz. Seu desbravamento se deu pelos Jesuítas, que construíram portos e fazendas. À época existiam poucos habitantes nativos, como os índios
É, pois, em abril de 1579 que se tem o início da história de São Gonçalo. A paróquia data dee 10 de fevereiro de 1646, bem como a transformação da sesmaria em Frequesia.
Gonçalo Gonçalves, “O Velho” é considerado o primeiro donatário da Sesmaria que deu origem à atual cidade, cuja carta de doação data de 6 de abril de 1579 de terras “com mil braças de largo e 1500 de comprido, em Suassunhã do Porto de Birapitanga”. Fidalgo natural de Amarante, região do Minho, em Portugal, morava no Rio de Janeiro. De posse da terra, erigiu a igreja de São Gonçalo do Amarante, às márgens do Rio Imboaçu, aonde hoje está a igreja matriz. O povoado surge em seguida, onde hoje é o bairro do Zé Garoto.
Revolta da Cachaça é o nome pelo qual passou à História do Brasil o episódio ocorrido entre final de 1660 e começo do ano seguinte, no Rio de Janeiro, motivado pelo aumento de impostos excessivamente cobrados aos fabricantes de aguardente. Também é chamada de Revolta do Barbalho ou Bernarda. Governava o Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides, no início de 1660. Produtores da região norte da Baía da Guanabara, então Freguesia de São Gonçalo do Amarante (atuais municípios de São Gonçalo e Niterói) rebelaram-se contra a taxa.
Durante seis meses houve reuniões na fazenda de Jerônimo Barbalho Menezes de Bezerra, na Ponta do Bravo (atual bairro do Gradim, em São Gonçalo).
Na madrugada de 8 de novembro de 1660, liderados pelo fazendeiro, os revoltosos atravessam a baía, convocando o povo da cidade pelo toque de sinos a reunir-se diante do prédio da Câmara. Totalizavam 112 senhores de engenho, 10 de São Gonçalo, que exigiam o fim da cobrança das taxas, bem como a devolução daquilo já arrecadado. Tomé de Sousa Alvarenga, tio do governador e em exercício durante sua ausência. Alvarenga foi enviado para Portugal junto a uma lista de acusações contra sua família, então poderosa. Salvador de Sá organizou uma tropa de paulistas. O Rio de Janeiro foi atacado de surpresa, na madrugada de 6 de abril. As tropas baianas vieram pela praia, enquanto Salvador de Sá invadia com os seus pelo interior. Apanhados de surpresa, os revoltosos não opuseram resistência.
Aprisionados os líderes, foi montada uma corte marcial que condenou os rebeldes à prisão. Jerônimo Barbalho, único condenado à morte, foi decapitado e sua cabeça afixada no pelourinho.
O Conselho Ultramarino, porém, deu razão aos rebelados. Salvador de Sá foi afastado de suas funções e teve de responder em Portugal por seus excessos. A família Sá, descendente do ex-governador-geral Mem de Sá e do fundador da cidade do Rio de Janeiro, Estácio de Sá, perdeu prestígio e a grande influência que até então conseguira manter. Os rebeldes condenados foram libertados.
Em 1749 foi criada a Estrada Real (atual rua Moreira César) ligando Niterói a Alcântara. À época o trajeto era feito por embarcações do Porto de Niterói para os portos de São Gonçalo (Ponte, Luz, Neves, Bandeira e Lira) e a ligação com o Rio de Janeiro se dava tembém por esses portos.
Com a criação, em 21 de junho de 1769, da Freguesia de Paquetá, esta é anexada a São Gonçalo, sendo anexada finalmente pelo Rio de Janeiro somente em 1833.
Em 1779, São Gonçalo contava com 23 engenhos de açúcar, com 952 escravos numa população de mais de seis mil habitantes.
Em 1780 recebeu as primeiras mudas de café, oriundas de Belém, no Pará.De São Gonçalo, expandiu-se para todo o Estado do Rio e para o Vale do Paraíba.
Em 1819 é criada a Vila Real de Praia Grande e São Gonçalo é anexada junto com outras freguesias. Em 1834 é denominada Cidade de Niterói e, em 1835, é elevada a capital do Estado do Rio de Janeiro.
Em 1847, o Imperador D. Pedro II visita São Gonçalo pela primeira vez, hospedando-se na sede da Fazenda do Jacaré (atual bairro do Patronato).
Em 1860, possuía São Gonçalo 30 engenhos de cana e 10 fornos de cerâmica, exportando seus produtos pelos portos de Gradim, da Pedra, Maruí, Neves, Guaxindiba, da Madama, da Ponte, da Luz, do Rosa e Boa Vista.
Em 1890, foi São Gonçalo a sede da primeira Região Policial do Estado do Rio, conseguindo ainda, aos 22 de outubro, seu desmembramento de Niterói. Em 1899 é inaugurado o primeiro prédio da Prefeitura, no mesmo local atual, embora seu primeiro prefeito, Cel. Ernesto Francisco Ribeiro, tenha somente sido nomeado em 1904. Em 1922, São Gonçalo é reconhecida oficialmente como cidade.
Em 1943, o distrito de Itaipú é cedido para o município de Niterói e São Gonçalo deixa de ter sua ligação com a Costa brasileira.
Não somente o Imperador e a Princesa Isabel, mas Presidentes do Brasil visitaram São Gonçalo, como Getúlio Vargas em 1943 e Juscelino Kubitschek em 1956.
Os primeiros bairros de São Gonçalo tiveram origem das fazendas de cana de açúcar que foram loteadas no início do século XX, daí muitos terem seus nomes, como Trindade, Itaúna, Colubandê, etc. Outros, pelos portos que existiam no local, como Porto Novo, Porto da Madama e outros.
Muitos brasileiros importantes nasceram em São Gonçalo, como o Conde Baurepaire Rohan, construtor do primeiro Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro; Orlando Rangel, introdutor da Indústria Farmacêutica no Brasil; dentre outros.


* * *


(*) empresário cultural, Presidente-fundador da SAL.


1- O termo tamoios se refere a uma aliança de povos indígenas do tronco lingüístico tupi que habitavam a costa dos atuais estados de São Paulo (litoral norte) e Rio de Janeiro (Vale do Paraíba fluminense). Esta aliança, liderada pela nação tupinambá, congregava também os guaianazes e aimorés. Portanto "tamoio" não se trata de um etnônimo, ou seja, de uma tribo ou nação indígena específica. O termo "tamoio" vem "tamuya" que em língua tupi significa "os anciãos". A aliança de tribos, conhecida como Confederação dos Tamoios, foi motivada pelos ataques dos portugueses e mestiços que procuravam capturar escravos entre os indígenas para trabalhar nas primeiras plantações de cana-de-açúcar. Por décadas, os Tamoios foram a única resistência organizada contra a colonização portuguesa.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A família Conceição e a história de uma Ferrovia

A Família Conceição e a história de uma Ferrovia – Sim São Gonçalo

Alex Wölbert*

A relação de amor entre o senhor Antenor da Conceição e a Estrada de Ferro Maricá (EFM) começou cedo. Com apenas 22 anos, foi trabalhar como conservador de via permanente, contou com orgulho e nostalgia para nossa reportagem – os olhos marejados de lágrimas – sobre os bons tempos na ferrovia.
Antenor da Conceição nos revela a história do menino que não tinha grandes aspirações de ser um médico ou engenheiro. Porém, seu maior sonho era de ser coveiro no funcionalismo público. A vida do jovem Antenor despontava em Saquarema, no ano de 1936, enquanto a da EFM já estava a pleno vapor: era responsável pelo transporte de grande quantidade de sal vindo da região dos lagos e, principalmente, da grande quantidade de laranja que fez do município de São Gonçalo um dos principais exportadores da fruta. A rede ferroviária também foi responsável pelo crescimento do núcleo urbano de Maricá, pois era o mais eficiente meio de transporte. Como consequência, ruas surgiram em torno da estação, resultando no aparecimento de diversos estabelecimentos comerciais. Eduardo Rodrigues de Figueiredo relata no Anuário Geográfico do Rio de Janeiro, de 1952, a dificuldade demográfica de Maricá: “Não há no Estado do Rio de Janeiro município que, devido ao seu sistema orográfico, esteja mais isolado do restante de seu território do que Maricá”. Financiada em 1888, principalmente por proprietários rurais como José Antônio Soares Ribeiro, o Barão de Inohan, sem nenhum ônus para os cofres públicos, o primeiro trecho da estrada foi iniciado ligando Alcântara a Rio do Ouro, passando por Sacramento e Santa Isabel.
A família Conceição e a história de uma Ferrovia – Sim São Gonçalo
Crédito: Sandro Marraschi

Antenor nos recebeu nessa mesma estação de Santa Isabel, sua residência, onde desde 1970 vive com sua esposa, Maria Inês, e seus 3 filhos: Regina, Ronildo e Raquel – todos criados graças ao seu salário de ferroviário. Mesmo acamado devido uma enfermidade, um sorriso jovial ainda enfeita seu rosto e – com a alegria do menino sonhador de Saquarema – nos contou sobre seu trabalho na estrada de ferro. Sempre preocupado em manter a história, preservando as características do lugar, quando questionado do motivo de sua luta para manter a arquitetura da época, explicou: “Esse lugar não é meu e devo mantê-lo. Estou aqui justamente para preservá-lo e  não acabarem com esse patrimônio que guarda muitas memórias de nosso Município”.
O destino sempre amarrou a história de Sr. Antenor à estrada de ferro Maricá. Mesmo noivo e nos preparativos de casamento, os olhos de Antenor cruzaram com os da menina Maria Inês, filha do feitor a quem era subordinado. Essa historia de amor perdura até hoje. Fomos testemunhas do carinho e atenção daquela menina, hoje uma senhora de fala mansa e passos calmos, mas uma guerreira para defender sua família.
A família Conceição e a história de uma Ferrovia – Sim São Gonçalo
Crédito: Sandro Marraschi

Quando indagado pela nossa reportagem sobre o que mais o marcou em sua carreira como ferroviário, o Sr. Antenor, sem falsa modéstia, diz que era sua agilidade no serviço. Por causa dessa qualidade, sempre era chamado para trabalhos de emergência. Contou que às vezes, três funcionários não davam conta do serviço e ele era chamado pelo encarregado para dar uma “forcinha”. Ao chegar, os outros funcionários desapareciam e ele desenrolava o serviço com a maior facilidade. Sr. Antenor era, como se diz popularmente, “pau pra toda obra”. Quando a linha enchia de capim alto, dificultando a visibilidade do maquinista, quase sempre resultando no atropelamento de gados pastando, ele era chamado pelo supervisor para capinar.
A família Conceição e a história de uma Ferrovia – Sim São Gonçalo
Sr. Antônio Conceição

Num momento da entrevista notamos uma tristeza no olhar do Sr. Antenor. Foi exatamente quando fala do fim da estrada de ferro pela justificativa de não dar lucro. Ele informa que, além de ter bastante volume de carga e passageiros, muitas pessoas precisavam do trem. O senhor Antenor lamenta o não aproveitamento de nenhum trem que circulava na linha. Todos foram enviados para a siderúrgica em Volta Redonda.
A toda hora vivemos a história. Algumas delas se entrelaçam no meio do caminho, como a da família do Sr. Antenor e a EFM. Preservar as memórias da história de São Gonçalo é valorizar nosso passado e compreender nosso presente para a construção de um futuro melhor.
A família Conceição e a história de uma Ferrovia – Sim São Gonçalo
Crédito: Sandro Marraschi




segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Jurubaíba é gonçalense?

Alexandre Martins*


Em grande “sacada” editorial, o jornal Extra descobriu o filão do município de São Gonçalo e criou um tablóide anexo a sua edição das quintas-feiras, o Extra São Gonçalo. À guisa da outra boa sacada dos jornais de bairro criados pelo seu irmão rico, o jornal O Globo (o Extra pertence às Organizações Globo) o “jornal das classes D e E” se surpreendeu com o esgote da tiragem inicial que continha o suplemento.
Ponto para o jornalismo do Recôncavo da Guanabara que percebe que “São Gonçalo não é Niterói”. Mas o que poderia ser um golaço, teve pênalti: uma matéria elegia a Ilha de Jurubaíba como pertencente a São Gonçalo.
Vou explicar a confusão.

O nome do arquipélago das Jurubaíbas - contração do tupi yurú (boca, trago, bocado); bá, alt. de mbae (coisa, objeto) e ahyba (má, ruim, que não presta - ibá é "árvore") - seria algo como "boca da coisa má". Na gíria popular, "coisa-má" é o demônio, o capeta. Literalmente, "Boca da Coisa-má", isto é, "Boca do Demônio, do diabo". Por tradução, deu nome à Ponta da Coisa-má, situada ao Sul da ilha do Governador. Suponha-se que este nome é originado pela formação do arquipélago das Jurubaíbas, talvez perigoso para a navegação. Duas são as ilhas deste nome: Jurubaíba de Cima e Jurubaíba de Baixo. Situado no extremo Leste do município do Rio de Janeiro. (1)

Em 2004, em esforço da Secretaria de Turismo de São Gonçalo, foi feito um relatório da oferta turística da cidade, tendo em vista uma possível propaganda perante os órgãos de turismo do Brasil e do exterior. Veja o texto introdutório:


“O presente relatório apresenta o Inventário da Oferta Turística do Município de São Gonçalo, realizado pela Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Turismo do Município em parceria com o Curso de Turismo das Faculdades Paraíso.

A iniciativa partiu do então secretário, José Antônio Ferreira Machado, visando adquirir informações da oferta turística local, condição necessária para que os membros do Conselho Municipal de Turismo possam definir os aspectos positivos e negativos do turismo local e desenvolver estratégias que proporcionem o desenvolvimento sustentável do turismo municipal.

A metodologia adotada para a realização do trabalho baseou-se na proposta elaborada pelo Empresa Brasileira de Turismo - EMBRATUR, com as devidas atualizações e adaptações à realidade da região. O trabalho foi desenvolvido no decorrer de quatro meses (julho a novembro) dividindo-se em duas etapas: a primeira refere-se à pesquisa de gabinete; e a segunda a estudos de campo. Ressaltamos que as informações aqui contidas referem-se ao período corrente e devem ser atualizadas na medida em que a realidade da oferta turística local sofrer alterações. Cabe esclarecer que, em alguns casos, a pesquisa foi prejudicada pela ausência de pessoas responsáveis nos locais, capazes de dar informações completas sobre o item em avaliação.”

A pesquisa foi assinada por Luciana Alves, Shana Daniela e Priscila Morela, do Curso de Turismo das Faculdades Paraíso em novembro de 2004.

O Inventário da ilha é bem coordenado e dá detalhes sobre Jurubaíba: perto da Ilha Redonda, distante 2 milhas náuticas do bairro do Gradim (3,704 Km), é propriedade pública, administrada pelo Ministério da Marinha, visitada por turistas munícipes vizinhos ao Estado do Rio, possui uma área de aproximadamente 20 Km2. A ilha possui uma vegetação de plantas: epidentro, cacto, palmeiras imperiais, bromélia, orelha-de-onça, Maria-mulata, anêmona, carrapatinho, rabo-de-rato e bailarina; e com uma fauna de animais invertebrados: ouriço-do-mar, ostras e sucuri-coral. Não há população insular. (2)

Em lamentável falha da equipe, não foi consultada a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro na qual a Ilha de Jurubaíba - ou melhor, todo o Arquipélago das Jurubaíbas - é parte do território municipal da capital do Estado. (3)

Esta pequena falha deve ter dado origem à grande propaganda deste “ponto turístico gonçalense”. Não se sabe como.

Mas a cidade ainda possui nove ilhas, como Pontal, Carvalho, Flores, Itaoquinha... algumas muito importantes na história local. Por exemplo, Itaóca (a grande) é um local quase inexplorado, com Mata Atlântica original e espécies nativas que conseguiram sobreviver a loteamentos desordenados. Foi nessa ilha que a famosa Maria Graham desembarcou para hospedar-se na Casa Grande da Fazenda da Luz. É nessa ilha que existiam (?) sambaquis – restos de conchas e materiais arqueológicos.

Mas a ilha de Jurubaíba é importante para os cinéfilos, pois foi uma das locações do filme “Onde a terra acaba” (1933), produzido pela Cinédia, dirigido por Octávio Mendes (4).

Pena que a cidade de São Gonçalo não possua documentação adequada a sua história e que seja disponível a interessados no assunto. Sem estas referências, tais equívocos irão sempre se repetir e causando confusão no povo, envolvendo profissionais e instituições.
Cabe a cada um de nós, que possamos ter algo de contribuinte para este mosaico gonçalense, que façamos a nossa parte divulgando aquilo que saibamos. Só então ocorrerá a melhoria do lugar aonde vivemos. Todos sairemos ganhando...

Saudações papagoiabas !








(*) empresário cultural, presidente da SAL. Artigo de 20/9/2010
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(1) – Disponível em http://www.cibg.rj.gov.br/detalhenoticias.asp?codnot=134&codman=28 Acesso em 31/10/2007
(2) – Disponível em http://www.semeltur.com.br/inventarioturistico/html/index.htm acesso em 31/10/2007
(3) – Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro. SEÇÃO I - Dos Limites e da Divisão Administrativa - SUBSEÇÃO I Da Localização e Linhas Divisórias § 1º - Incluem-se no território do Município as ilhas oceânicas, costeiras e lacustres sob seu domínio na data da promulgação desta Lei Orgânica e especialmente as Ilhas (...) de Jurubaíba (...)em frente à Ilha do Mestre Rodrigues; ©2002 - Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Disponível em http://cmrj3.cmrj.gov.br/ofc/mrj/opi/lomrj/tit02.htm acesso em 31/10/2007
(4) – Cinemateca Brasileira. Disponível em http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA?=p&nextAction=lnk&exprSearch=001997.
acesso em 31/10/2007

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Morando em São Gonçalo você sabe como é

 
 Matheus Graciano 
(em 14/1/ 2014)
Sim São Gonçalo

Há dois anos atrás, a agência de propaganda DM9 aportou no Rio. Para se lançar, traduziu e aplicou uma campanha que já acontecia em outros lugares do mundo: “Sim, eu sou.” Uma sentença afirmativa e poderosa pela sua simplicidade. No caso, as frases eram sobre o estilo de vida “carioca zona sul”. Traduzida para “Sim, eu sou carioca”, a campanha estourou no Facebook. Dias depois, uma usuária lançou o “Sim, eu sou niteroiense”, que também impactou os moradores da ex-capital fluminense. Olhando as duas páginas, não foi muito difícil chegar à conclusão óbvia: e por que não, São Gonçalo?

Se você mora na cidade do Rio, sabe que nos últimos anos ficou muito mais fácil ser (ou dizer que é) carioca. As olimpíadas deram um gás nesse sentimento que vinha perecendo desde a inauguração de Brasília. Niterói também não ficou para trás. Depois do bom trabalho de marketing dos últimos governos, somado à sua inserção nas 10 cidades com melhor IDH do Brasil, teve reascendido seu orgulho, ferido desde 1975, com a transferência da capital fluminense para a cidade do Rio.
Já falei sobre o tal “Cinturão Fluminense” num outro post. Um “Rio paralelo” que existe dentro do estado, mas sem aquele status que gera algum tipo de orgulho. Tirando o bordão “Uhul, Nova Iguaçu”, popularizado pela participante Fani no longínquo Big Brother 2007, qual o outro momento que você viu alguma cidade da região metropolitana festejada dessa forma? Talvez nunca. Salvo na boca de um ou outro político.

Quando pensei em fazer a página, já imaginava todas as piadas prontas. Conheço meu povo. Muitas com razão. Sempre achei a palavra “gonçalense” sonoramente estranha. Coisa minha? Sei lá. No passado, por conta da qualidade dos hospitais, muita gente, como eu, nasceu em Niterói. Fato que não ajuda na hora de falar “sou gonçalense”. A música do Seu Jorge popularizou o apelido “São Gonça”, apesar de não ser comum falar assim na cidade. Com tantos vieses, a frase da campanha foi “Sim, eu sou de São Gonçalo”. Deu certo. Em uma semana, alguns mil já participavam da página.
Sim São Gonçalo
De lá pra cá, o SIM foi, parou, serviu de inspiração para outras páginas, voltou e aos poucos encontrou a sua real função. Hoje, a página tornou-se um bom caminho para os estudos do que se pode chamar de “marketing de cidade”, realçando o laço entre cidade e cidadão. Com a ajuda da população, já fizemos pesquisas de comportamento; construímos o Alagamaps, um mapa com os alagamentos georreferenciados; fizemos ações de valorização dos bairros, com marcas conhecidas trocadas pelos nomes dos bairros; informativos sobre o que acontece no território; e um Instagram, com os melhores filtros e ângulos que deixam a cidade com outro olhar. Tudo isso de forma colaborativa, como todos os livrinhos de marketing sempre dizem que dá certo. Por fim, no último mês de 2013,  lançamos o site simsaogoncalo.com.br, que pretende ser um meio de propor soluções para a cidade. E quantos reais custou? Quase nada, comparado à motivação e disposição empregada.
Sem cartões postais, nem pontos turísticos, ficou claro que o importante na 16ª maior cidade do Brasil é aquilo que ela tem pra mais de 1 milhão: gente. E nesses dois anos, foi essa gente que me ajudou a descobrir a real vocação da cidade: o entretenimento, fruto da alegria das pessoas.
Curiosamente, diante de tantas dificuldades, é a mesma alegria que permeia as favelas, a baixada, entre outros vários pontos desse território cortado pelo Paraíba do Sul. O objetivo é transformar o “Sim São Gonçalo” num piloto que resgate a boa vontade e a participação do cidadão nas cidades fluminenses e, porquê não, nos “bairros-cidade” como Campo Grande, Méier, Santa Cruz e Santíssimo. Afinal, o cliente precisa estar satisfeito até mesmo quando o pagamento é compulsório, como são os impostos.

Estou longe de ser um apaixonado pela cidade. Não tenho aquele sentimento de pertencimento forte nem por Niterói, minha cidade natal, nem por São Gonçalo, minha morada, e nem pelo Rio, ambiente de estudos e trabalho. Na verdade, tenho aversão ao bairrismo que assola o ser humano. Meu coração bate mesmo é pelo estado do Rio de Janeiro, pois sei que as cidades são completamente dependentes entre si.

Contrariando as aspas da matéria, minha intenção está longe de atrair turistas. Entretanto, deixar a cidade atraente é especialidade da casa. Se esse processo vai dar certo ou não, eu não sei. Só sei que a cada ano tem mais gente com um celular na mão. E assim está ficando difícil contar historinha feliz em cima do palanque. Aliás, não esqueça: esse ano é ano par.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Espécie marinha exótica é reencontrada na Baía de Guanabara após 17 anos




Débora Motta

                                                                     Divulgação
   
    Ciona intestinalis costuma competir com outras
    espécies marinhas por espaço, comida e oxigênio
Os oceanos guardam mais surpresas do que se pode imaginar. Pesquisa coordenada pelo biólogo Luís Felipe Skinner, do Grupo de Ecologia e Dinâmica Bêntica Marinha da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), registra a ocorrência de uma espécie marinha exótica nas águas da Baía de Guanabara, na região da Urca: a Ciona intestinalis. "Esse animal é uma espécie de ascídia, que é um cordado primitivo", explica o professor. A última vez que a espécie foi encontrada próxima à entrada da baía, na Urca, foi em 1991. "Desde essa época, os especialistas chegaram a acreditar que ela tivesse desaparecido das águas da Guanabara, e até mesmo dos mares brasileiros", conta Skinner, que recebeu auxílio da Fundação para a pesquisa por meio de um APQ1. A expressão "espécie marinha exótica" refere-se a todas as espécies do mar que se estabelecem, devido à ação humana, em um território onde estavam originalmente ausentes. Esse transporte pode ser voluntário ou involuntário. "As espécies exóticas são um dos principais problemas derivados do intenso tráfego marítimo no mundo. Elas podem viajar aderidas nos cascos ou então na água de lastro de embarcações e plataformas, estando associadas à atividade portuária", diz o biólogo, que ainda desconhece a origem da Ciona intestinalis presente na Baía de Guanabara.
A introdução de espécies marinhas exóticas em um novo ecossistema pode trazer efeitos negativos. De acordo com Skinner, dois casos que ilustram os prejuízos causados pela introdução dessas espécies em novos habitats são o mexilhão-zebra, nos Estados Unidos, e o mexilhão dourado, na Bacia do Prata: "A introdução do pequeno bivalve (mexilhão), conhecido como mexilhão-zebra, na região dos Grandes Lagos dos Estados Unidos trouxe impactos econômicos da ordem de um bilhão de dólares anual para o seu controle. A invasão do mexilhão dourado, outro molusco, também traz grandes prejuízos na Bacia do Prata. Esses animais se proliferam e entopem dutos de transporte de água e de escoamento da rede de esgoto, além de reduzirem a passagem da água nas usinas hidrelétricas."
No caso da Ciona intestinalis, o biólogo ainda não observou danos ao ecossistema marinho da baía, mas não descarta a possibilidade de efeitos negativos. "Embora não represente nenhum problema aparente para o ecossistema da Baía de Guanabara, em muitos locais do mundo, como na Austrália, a Ciona é conhecida por competir por espaço, alimento e até por oxigênio com outras espécies nativas, impedindo seu crescimento e até mesmo reduzindo a biodiversidade. Ela pode inclusive levar à morte espécies de interesse comercial, como mexilhões e ostras, principalmente em cultivos", alerta.
 Divulgação 
     
 Armadilha colocada no mar isola a espécie
 exótica dos peixes, predadores naturais  
A origem do nome da Ciona intestinalis é uma alusão a sua aparência peculiar. O revestimento externo de seu corpo (túnica) é bastante fino, macio e transparente, o que permite a visualização dos órgãos internos. "Devido a essa característica, a espécie é muito consumida por outros animais, especialmente pelos peixes. Essa predação natural explica porque ela não foi observada nas águas da baía nos últimos 17 anos", diz Skinner, acrescentando que desconhece casos em que a Ciona intestinalis tenha prejudicado os peixes que a consumiram. Para encontrar a espécie, a equipe de biólogos marinhos da Uerj realizou experimentos que tiveram como base uma tática de contenção dos predadores naturais da Ciona intestinalis, que vive em ambientes com até cerca de 200 metros de profundidade. "Colocamos uma armadilha, formada por caixas plásticas com blocos de granito em seu interior, mergulhada no mar da Urca, a uma profundidade de um metro e meio, para servir de local de colonização para a Ciona. Impedimos assim a aproximação dos peixes que se alimentam da Ciona, fechando a armadilha com telas. Em apenas 15 dias encontramos a espécie", diz o professor. E prossegue: "A falta de experimentos desse tipo – que impedissem os peixes de ter acesso à Ciona e a devorassem – certamente contribuiu para que ela não tenha sido registrada nas águas da Guanabara por esse período de 17  anos. A espécie sofreu predação."
Além de avaliar a espécie exótica, a pesquisa – enviada para análise do periódico britânico Journal of Marine Biology Association of United Kingdom – tem como objeto de estudo outros animais da fauna marinha. "O estudo, que tem prazo previsto até o fim do próximo ano, também propõe ampliar os conhecimentos sobre a diversidade da fauna marinha em diversos pontos da Baía de Guanabara, para conhecer melhor o ecossistema e relacioná-lo com os impactos da poluição orgânica e industrial", diz Skinner. Ele adianta que outras espécies marítimas exóticas devem ser registradas no local durante a pesquisa.



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