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quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Paulo Coelho em entrevista à BBC News

Academia Virtual de Letras
Patrono: Paulo Coelho
Acadêmico: Mauricio Duarte
Cadeira: 39



Paulo Coelho em entrevista à BBC News:
"Tudo em torno de Paulo Coelho é superlativo. Do banheiro para visitas decorado com um quadro assinado por Andy Warhol, ao elevador de vidro que vai da sala de estar ao enorme terraço sob os Alpes suíços. Dos mais de 325 milhões de livros vendidos e um bilhão de leitores em 150 países, ao recorde de escritor vivo mais traduzido do mundo e quase 50 milhões de seguidores em redes sociais. Da tortura a que foi submetido durante três meses, em 1974, à forma contundente como critica o governo brasileiro, em 2019."
"O esfacelamento daquilo que o nosso país representava."
"Um delírio."
"Um Brasil totalmente polarizado" que está "caminhando para o mesmo clima de terror" da ditadura.
Em seu apartamento, em Genebra, o escritor falou sobre que pensa sobre Jair Bolsonaro, e disse à BBC News Brasil estar cumprindo um "compromisso histórico".
"O compromisso histórico é não ficar calado. Eu tenho que falar. Vou perder leitores? Vou. Tenho perdido? Devo estar perdendo? Não sei. Eu não fico contabilizando", diz, enquanto a esposa Christina Oiticica, que acompanha a entrevista, assente com um leve gesto de aprovação.
Em livros como Hippie, o mais recente (2018), ou O Aleph, de 2010, Paulo Coelho alerta que o passado pode destruir o presente. Mas, nesta entrevista, ele decide lembrar com detalhes dos meses em que foi espancado, teve os genitais presos a eletrodos e foi trancafiado nu, com um capuz, em uma sala gelada e escura por agentes da ditadura.
"Se o passado se repete no presente, já não é mais passado, é presente."
Em mais de uma hora de conversa, o escritor também fala sobre o momento em que rompeu com o PT ("estou fora"), a desilusão com o comunismo ("tudo cinza e triste"), a experiência no caminho de Santiago de Compostela ("a jornada é o que conta, e isso vale para política e religião") e a relação com os críticos ("sobrevivi a todos").
Também dá sua opinião sobre figuras contemporâneas como os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), o papa Francisco, o guru bolsonarista Olavo de Carvalho, o YouTuber Felipe Neto e o pintor Romero Brito.
Também fala sobre Jesus: "mais politicamente incorreto, impossível".
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Você é essa figura global. Estamos em Genebra, você está no Guinness Book como o autor vivo mais traduzido no mundo e conversa com gente de toda parte. O que as pessoas têm perguntado sobre o Brasil ultimamente?
Paulo Coelho - As pessoas ficam muito constrangidas em perguntar sobre o Brasil. Elas não perguntam. Eu tenho que dar uma entrada para as pessoas perguntarem. Eles vêm e dizem: "Ah, pois é, você viu que ele ofendeu a primeira-dama francesa". Aí eu tenho que falar alguma coisa. Mas eu procuro evitar a conversa Brasil porque eu não posso no momento falar bem do meu país, e falar mal é muito chato.
BBC News Brasil - Você tem, por outro lado, se colocado pelo Twitter. Como você vê este momento no Brasil?
Paulo Coelho - Eu tenho 72 anos e nunca vi nada igual. Eu já vivi ditadura, democracia, muitas fases do Brasil, mas nunca vi o que está acontecendo agora. É um delírio. Necessitava (Howard Phillips) Lovecraft, um escritor de ficção científica, para descrever o Brasil. Fico muito triste com o que está acontecendo.
Uma coisa é certa: não se morre de tédio com a política brasileira, porque todo dia tem-se uma coisa nova. Por outro lado, francamente, o que é isso? Que é isso? O que o presidente brasileiro está fazendo para colocar o Brasil em tanta saia justa?
BBC News Brasil - Você fala de alguma situação específica?
Paulo Coelho - Tudo, tudo, tudo. Vai desde o aquecimento global às queimadas na Amazônia. Parece que o Brasil virou um Estado de negação. As pessoas negam a realidade. "Ah, vou me fechar aqui e não quero ver o que está acontecendo." Isso é muito triste. Veja, você tem um chanceler, Ernesto Araújo, que é um cara completamente despreparado. Não tem maturidade, não tem experiência, não tem nada que justifique a posição que ocupa. E o cara diz qualquer coisa. "Ah, eu fui à Itália, estava frio, então não tem aquecimento global". Meu amigo, um dos sintomas do aquecimento global é o frio (nota da redação: o processo de mudança climática inclui temperaturas mais extremas isoladamente e uma média maior de aquecimento no longo prazo. Clique aqui para ler mais).
Você tem um presidente que, no fundo, eu nem sei se está muito contente de ter sido eleito. É muito confortável estar na oposição. O Brasil está assistindo horrorizado ao esfacelamento daquilo que nosso país representava. Ou seja: Uma luz em um mundo que vivia em trevas.
BBC News Brasil - Você fez críticas ao presidente, ao chanceler. Você se preocupa de alguma maneira que essas críticas desagradem a parte dos seus leitores?
Paulo Coelho - Mas óbvio. Não, não. Preocupar é uma palavra muito forte. A essa altura, eu tenho um compromisso histórico e o compromisso histórico é não ficar calado. Eu tenho que falar. Vou perder leitores? Vou. Tenho perdido? Devo estar perdendo? Não sei. Eu não fico contabilizando isso. No Brasil. Mas, fora do Brasil, eu não acredito. Acho que todo mundo está olhando o Brasil neste momento com muita suspeita.
"Eu estava nu o tempo todo. Só com capuz. Tortura é uma violência total", diz Paulo Coelho à BBC News Brasil — Foto: BBC NEWS BRASIL"Eu estava nu o tempo todo. Só com capuz. Tortura é uma violência total", diz Paulo Coelho à BBC News Brasil — Foto: BBC NEWS BRASIL
"Eu estava nu o tempo todo. Só com capuz. Tortura é uma violência total", diz Paulo Coelho à BBC News Brasil — Foto: BBC NEWS BRASIL
BBC News Brasil - Um assunto delicado, mas trazido por você mesmo recentemente frente a declarações do presidente Bolsonaro. Pode contar o que aconteceu no dia 28 de maio de 1974 - e nos dias que se seguiram?
Paulo Coelho - Bom, durante o governo militar eu era um louco. Nada mais aceitável do que ser um louco com 26 anos. Você tem que passar por um período de loucura para não ficar fazendo loucura depois. Então era tudo: sexo, drogas, rock'n roll. Era o "hipismo". E os militares achavam, como acham hoje em dia, porque o Brasil vive um momento também muito conservador, que tinham que entender tudo. Aí eles não entendiam as minhas músicas. Eles achavam: "bom, se está fazendo sucesso, se está todo mundo cantando, alguma coisa está errada". Quem são esses caras aí? Raul Seixas e Paulo Coelho. Alguma coisa está errada porque a gente não entende o que eles estão falando. Então, chamaram o Raul para depor. O Raul era o cantor. Como diz o Elton John, "Don't Shoot Me, I'm Only the Piano Player" (Não atire em mim, eu sou apenas o pianista). Mas a eminência parda, o cara perigoso, o ideólogo era o letrista. Então eles me prenderam. Agora, tem que justificar uma prisão. Não acharam nada.
Quando eu estava preso oficialmente, fichado, com impressão digital, meus pais conseguiram mandar um advogado. Aí eu falei para o meu advogado "olha, não aconteceu nada, está tudo bem". Aí, me soltaram no mesmo dia e me sequestraram em frente ao aterro do Flamengo. Me arrancaram do táxi, me jogaram na grama, me botaram a arma. Eu olhei para aquele hotel e disse "Putz, eu tenho 26 anos, vou morrer olhando o hotel Glória? Isso não é justo. Eu não estou pronto para morrer." Mas aí há um bloqueio, há um mecanismo de defesa que você simplesmente entrega ao seu destino. Acho que fiquei uns 20 ou 30 minutos (pensando) "Ah, tá. Já que eu vou morrer, eu vou morrer".
Aí, em um dado momento, quando cheguei ao centro de tortura, que só fui descobrir muito tempo depois que era na rua Barão de Mesquita, voltou o instinto de sobrevivência. Mas até lá eu estava entregue. Aí eu fui torturado, apanhei, essas coisas todas.
BBC News Brasil - Qual era a sua situação nesse momento?
Paulo Coelho - Eu estava de capuz, em uma cela. Não via ninguém. Apanhando, óbvio. Mas apanhar não é uma coisa séria. Mas quando eu olhei, debaixo do capuz, os caras tinham posto a máquina de choque. Eu já tinha levado choque feito doido, mas choque de doido não dói. (Nota da redação: Aos 20 anos, Paulo Coelho foi internado pela primeira vez pelos pais em um manicômio). Agora, aquele choque ali era para machucar, tá? Eu olhei assim e me assustei muito. Aí eu disse: "ah, deixa que eu me torturo". Lembrei da casa de saúde. Aí comecei a me lanhar. Enfiei as unhas no corpo e comecei a me arrebentar. E começou a sair sangue.
Os caras disseram: "é maluco". Aí a tortura diminuiu, aí no dia seguinte voltou. Eles queriam saber como estava a guerrilha na Bahia. Porra, meu amigo. Eu confesso! Como está a guerrilha? Eu assino aqui. O que você quer é que aquilo pare. Agora, a pior tortura não é aquela que te agride fisicamente. A pior tortura é a psicológica.
Então, eles me botaram numa coisa chamada geladeira. É uma caixa, de 3x3, estou chutando, a porta hermeticamente fechada. Um ar condicionado. Você está nu. Eu estava nu o tempo todo. Só com capuz. Tortura é uma coisa que é uma violência total. Essa geladeira, é uma coisa que eles não me tocavam. Me fechavam lá dentro, botavam aquele ar condicionado tremendamente frio, e era tudo escuro, pintado de preto. Você não tem mais nenhuma sensação.
BBC News Brasil - Noção de tempo?
Paulo Coelho - Noção de tempo, distância, nada, você só tem um frio congelante. Ali eu pirei. Acho que o pior momento da tortura foi o tempo que eu passei na geladeira. Porque eu disse "estou enlouquecendo, estou enlouquecendo". Até então eu era um maluco beleza. Um cara que fez minhas loucuras, da minha juventude. Mas ali eu estava virando louco mesmo. Estava perdendo a minha capacidade de pensar. Não sabia se era reversível ou não.
Aí foi isso. Quando eu saí da prisão, saí como entrei. Sem explicação. Nunca fui processado, nunca fui ao Tribunal Militar. Nada. Fui preso em maio, fiquei preso até junho. Você perde a noção de data.
Mas aquele medo fica. Aquele terror fica.
BBC News Brasil - Li histórias de que ser preso acabava virando um estigma, porque as pessoas ficam com medo de se aproximar, ou se associar.
Paulo Coelho - Todo mundo. O meu próprio parceiro na época, o Raul, não deu mais notícias. Não atendeu meus telefonemas. Os meus amigos sumiram. Porque ser visto com um preso... E isso existe até hoje. Se esse cara foi preso... Alguma coisa tem de errado, então é melhor não ser visto com ele, podem estar fotografando...
O Brasil vivia um clima de terror. Para o qual está se encaminhando eu acho agora. O Brasil está totalmente polarizado e eu acho que as coisas infelizmente estão caminhando para o mesmo clima de terror. Você já não diz o que pensa. Nem na família. Não é porque vão te prender, torturar ou bater. É porque as pessoas perderam completamente a capacidade de diálogo. Ou você é a favor, ou é contra. Não existe conversa. E a mesma coisa naquela época.
BBC News Brasil - No seu livro Hippie, você diz que a gente precisa fazer as pazes com o passado para não destruir o presente. Em O Aleph, você diz que o passado é um bom lugar a se visitar, mas não um bom lugar para se viver. Em 2013, você tuitou - visite a sua alma, não visite o seu passado. Por que agora é importante trazer esse passado agora?
Paulo Coelho - Porque é um presente. Não é um passado. Eu, por exemplo, se fosse visitar meu passado, não escrevia mais. Escrevi durante tanto tempo, escrevi tantos livros, graças a Deus, sucesso no mundo inteiro. Estou com 325 milhões de livros vendidos até junho. Isso significa, tomando uma média de três leitores por livro, quase um bilhão de pessoas lendo os meus livros. Então, se vou visitar isso, eu não escrevo mais. Primeiro, fico paralisado pelo medo desses leitores, do que eles querem ou deixam de querer. Pô, o meu prazer é escrever. É isso que eu gosto e é isso que justifica a minha existência.
Caramba, eu poderia estar vivendo só de música e de memórias. Aquele cara chato que chega no bar "Ah, eu fiz uma música. Gita. (Paulo Coelho cantarola) "Eu sou, a luz das estrelas..." E o cara: "Ah, já sei qual é, já ouvi". Viver no passado é um perigo, é mortal.
Agora, se o passado se repete no presente, já não é mais passado, é presente.
Paulo Coelho
BBC News Brasil - Ainda sobre esse passado que reaparece: a censura é outro tema que voltou à tona com o episódio da Bienal. E você citou no Twitter seu livro 11 Minutos, que fala sobre sadomasoquismo, prostituição, e estava ali exposto sem ser recolhido.
Paulo Coelho - É, eu sugeri que censurassem meu livro porque é um livro sobre prostituição. Curiosamente, e o meu segundo livro mais vendido.
Os caras não têm muita noção de nada. Eles vão pelos trending topics do Twitter para ver o que está acontecendo. Eu disse ao meu editor lá no Brasil: "Põe aí bem visível, quero ver se eles vão pegar. Se pegarem, eu vou criar um problema mundial'. Não pegaram.
Acredite se quiser: mesmo durante a ditadura, com todas essas músicas, eu sendo considerado um subversivo potencial, porque eles não tinham nada para provar contra mim, eu só tive uma música censurada. Que se chamava Óculos Escuros. Eu troquei o título e botei um que não tem nada a ver que diz Como Vovó já Dizia, mandei para a censura e passou. Não existia a menor lógica na repressão.
BBC News Brasil - O Felipe Neto fez aquela ação de comprar todos os livros e distribuí-los. Você chegou a elogiar inclusive.
Paulo Coelho - Não só elogiei, senti uma certa inveja positiva. Disse: porra, o cara teve essa ideia e eu não tive. Eu disse, porra, eu queria ter tido essa ideia. Mas aí ele começou a ser ameaçado. E eu resolvi me posicionar para que a pessoa seja defendida. Na época da repressão, digo no governo militar, quando as pessoas eram presas, elas eram agarradas na rua, sei lá, em qualquer lugar, e elas tinham que gritar o nome para que todo mundo soubesse que a pessoa estava sendo presa. Porque uma vez que as pessoas sabem, isso já é um escudo de proteção. A mesma coisa valia para o Felipe Neto. Não vamos deixar que as coisas sejam assim, não. Além do mais, o Twitter é uma falsa caixa de repercussão porque existem as milícias virtuais e você nunca sabe o que é real. Eu posto uma coisa e eu não leio comentário, porque a maioria é robô.
Paulo Coelho
"Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu", afirmou o presidente nesta sexta (16).
Entendeu bem, Moro?
BBC News Brasil - Ainda sobre o Twitter, você postou uma frase do Bolsonaro dizendo várias vezes que é ele quem manda. "Sou eu quem manda, sou eu quem manda".
Paulo Coelho - É, era para o Moro! (Risos)
BBC News Brasil - Exato. Você pergunta se Moro entendeu bem. Qual era o recado?
Paulo Coelho - O Bolsonaro é quem manda! O Bolsonaro tem isso, ele é um capitão, tem educação militar e tem esse senso de hierarquia. Você, se fizer alguma coisa errada, quem manda sou eu. Você vê que há um conflito entre Moro e Bolsonaro desde que Moro entrou para ser ministro da Justiça, contra o conselho de várias pessoas. Mas quem manda é Bolsonaro.
BBC News Brasil - E qual é o seu conselho ao Moro?
Paulo Coelho - Eu não tenho conselho ao Moro. O Moro não faz parte do meu universo. Moro é uma pessoa que eu não entendo muito bem, sabe? Eu vi agora os desmandos da "Vaza Jato". Esse sim que é um cara corajoso. O...
BBC News Brasil - Glenn Greenwald?
Paulo Coelho - Esse cara é um ícone para mim. Ele está lá, está falando tudo aquilo e desmascarando uma coisa que você diz "Ah, vamos fazer isso porque está certo". Voltando a Maquiavel: "Ah, os fins justificam os meios". Não justificam.
Vamos usar um exemplo concreto. Santiago de Compostela, eu fiz em 1986. Eu demorei 56 dias, a média é 30. Eu ficava o tempo todo no começo querendo chegar a Santiago de Compostela. Quando cheguei, foi um anticlímax. Acabou. E agora?
A jornada é o que conta. É o que é importante, né? E isso vale para política, para religião, vale para tudo. É o processo que vai te deixar em paz com a vida ou de mal com a vida, e não aonde você vai chegar. Porque nós vamos chegar todos a um mesmo lugar chamado morte.
Paulo Coelho
“Antigamente dizíamos: as paredes têm ouvidos “
“Hoje dizemos: os ouvidos tem paredes”
(M.A., amiga minha)
BBC News Brasil - Outro dia você disse que "antigamente as paredes tinham ouvidos e que agora os ouvidos têm paredes". Você estava falando sobre polarização, fake news... É isso?
Paulo Coelho - Acho que hoje em dia se criou um universo completamente artificial e existe uma mudança irreversível. Não adianta dizer que a comunidade social está criando isso ou aquilo. Mas hoje em dia você consegue se aproximar da sua tribo, seja ela de luz ou de trevas, e entende que não está sozinho. Quando você entende isso, aquilo te cria uma barreira em torno. E acabou. Você tem lá seus 10 amigos que compartilham da ideia de que a Terra é plana, que os ETs estão lá na Área 51 dos EUA e pronto.
BBC News Brasil - A gente está emburrecendo por isso?
Paulo Coelho - Eu não sei se a gente está emburrecendo, eu não sei se a gente sempre foi burro, eu não sei se eu sempre acreditei em coisas que queria acreditar. Óbvio, não vou acreditar que a Terra é plana. Mas eu acredito em extraterrestres. E muita gente não acredita. Eu acredito em Deus. E tem gente que pensa que Deus não existe. Então, você é você e a maneira como vê o mundo.
Eu, como todas as pessoas da minha geração, namorei o comunismo. Eu queria visitar os países comunistas. E já era muito difícil. Conseguimos, eu atravessei o muro de Berlim, e o cara me perguntou "Quanto dinheiro você tem?". Digo: "Tenho em torno de 4 mil dólares", vamos dizer. Aí o cara diz "Não, exatamente, os trocados". Eu disse, tá bom. Sentei com minha mulher e começamos a contar as moedas. E passavam outras pessoas que moravam da DDR, na Alemanha Oriental. E aí eu comecei a ver a humilhação que eram as pessoas que chegavam.
Fomos para a DDR, para a República Tcheca, Romênia, Hungria. E era tudo cinza. Tudo triste. As pessoas eram infelizes. Eu disse, porra, é isso que eu estou defendendo? Nem defendendo, eu não era um cara atuante. Era um simpatizante. Eu disse "Não, isso não está com nada". É muita repressão e... estou fora.
BBC News Brasil - Em 2016, em abril, você disse em um texto: "Fui petista, fiz campanha, me decepcionei, resisti o quanto pude às constantes desilusões, incompetência, etc. Mas chegou um dia em que eu disse basta". E aí, há pouco tempo, você disse que pode amar o seu país, mas você deve...
Paulo Coelho - Você pode amar o seu país e desprezar o seu governo. Eu flertei com o PT. Mais do que flertei. Eu fiz campanha, eu fui apoiar nas Olimpíadas, apoiei a Copa do Mundo. E aí eu comecei a ver que era uma coisa que não estava levando a lugar nenhum. Não digo que os resultados dos governos Lula não foram bons, mas da Dilma já não foi. Já é uma coisa meio falsa.
Não sei. Aí eu disse: "Ah, não, estou fora do PT."
BBC News Brasil - Você tem essa frase de você deve amar seu país, mas desprezar seu governo. Você é um cara desiludido com a política?
Paulo Coelho - Boa pergunta. Eu não sei te responder. Eu acho que o mundo vem do seu momento auge, a Acrópole, Atenas, de onde vem a palavra "política", onde as pessoas realmente discutiam. Aí depois se criou uma casta e depois essa casta se julgou no dever de ditar o que a gente pensa. "Ah, mas seria Anarquia!". Eu não acredito.
Acho que se todo homem tivesse o poder de interferir no seu país e no seu governo nós teríamos um Congresso, um Executivo, um Judiciário, que é um poder muito importante, mas nós teríamos uma voz popular muito importante. Então eu acho que infelizmente nós caminhamos para a consolidação dessa casta política. Acho que a política tem que passar por uma reforma muito grande.
BBC News Brasil - Essa discussão sobre a desilusão com os políticos, a descrença com o político tradicional é algo que está em voga e, por exemplo, teria ajudado a eleger figuras como Donald Trump, nos EUA, ou, no Brasil, o João Doria, que vem do mercado, ou no Rio de Janeiro o Wilson Witzel, que é um juiz. Como vê esse fenômeno?
Paulo Coelho - Aí é que está. Quando não se oferece alternativas concretas, você parte para coisas que terminam dando no Bolsonaro. O cara acredita que o nazismo é de esquerda, meu amigo. "O nazismo é de esquerda..." Os judeus ficaram chateadíssimos com esse comentário.
BBC News Brasil - Você falou hoje sobre uma tristeza sobre o Brasil de hoje, uma série de preocupações que você tem. Queria saber o que ainda te dá orgulho no Brasil.
Paulo Coelho - O povo. O povo. O povo. Eu espero que esse povo não seja contagiado com o que está acontecendo. Embora, no momento, você veja que as pessoas estão ficando muito radicais. Muito. O evangélico já não tolera o católico, o cara de esquerda não tolera o de direita, o de direita odeia todo mundo. Você vê nas biografias do Twitter. "Fulano de tal ferrenho anticomunista". De onde esse cara tirou que é anticomunista? O que ele acha? Que o Brasil vai ser de repente invadido por hordas de soviéticos que estavam ocultos na Amazônia, depois que queimarem sai aquele bando de soviéticos para atacar o Brasil, todos com aquela estrelinha vermelha? Comunismo não existe mais. Nunca existiu, existia um regime soviético horroroso.
Aí eu digo, que é isso, porque as pessoas falam isso? Ah, porque as pessoas precisam de uma bandeira para defender. O cara vai lá e tem a bandeira anticomunista. Podiam inventar uma coisa melhor, mais moderna. "Antipoluição". Mas o cara é anticomunista porque sofreu ali uma lavagem mental. Esse anticomunismo é muito recente, é da eleição do Bolsonaro para cá. Todo mundo da direita virou anticomunista.
Na Academia Brasileira de Letras eu fui eleito na vaga de um ícone da direita, que era o Roberto Campos, que eu atacava enquanto estudante. E o Roberto Campos tem uma frase muito boa. Ele diz que "A violência da flecha dignifica o alvo". Então, quando é atacado com muita violência, de alguma maneira aquele ataque te dignifica. Ou te mata ou te faz viver, mas ao menos você é dignificado. Não há nada pior do que ignorar.
BBC News Brasil - O termo guru já foi muito usado para descrever você e é algo que você rechaça. Hoje esse termo voltou à tona e vem sendo muito usado para descrever outro escritor, o Olavo de Carvalho. Queria saber se você já o leu e o que acha dele?
Paulo Coelho - Não, não li e não tenho opinião. Não é uma coisa que entra no meu universo.
BBC News Brasil - E porque a ideia de guru incomoda?
Paulo Coelho - A mim? Porque guru é um cara que mostra o caminho. Eu sempre fui a favor de que cada um de nós saiba o caminho que deva seguir. A vida nos dá todas as ferramentas, faz a gente encontrar as pessoas certas, no momento certo, o problema é reconhecer.
BBC News Brasil - Sobre religião e espiritualidade. Você é um cara que se reconciliou com o catolicismo, depois de experimentar outras filosofias e religiões. Hoje, estima-se que na próxima década o Brasil deve se tornar um país de maioria evangélica, protestante.
Paulo Coelho - Eu acredito que sim.
BBC News Brasil - Queria saber como vê esse fenômeno.
Paulo Coelho - Bom, cada um tem direito de escolher, não é? Eu acho que religião é uma coisa de foro íntimo. Sou católico, tenho uma grande admiração pelo protestantismo. Eu acho que cada um tem sua escolha, sobretudo nessa área. Essa coisa "Ah, paga dízimo". E daí, meu amigo? A pessoa paga dízimo, o cara que lê meu livro paga direito autoral, alguém paga a BBC...
O problema é a radicalização. O cara invadir uma bienal em nome dos costumes. Cristo era um cara mais politicamente incorreto, impossível. Vivia cercado de mulher. Bebia. O primeiro milagre dele, nas bodas de Caná, ele transforma água em vinho, não vinho em água. Se cercava dos piores elementos, do cobrador de impostos, Matheus, dos pescadores. Amaldiçoava a elite da época. Por exemplo: ele passa por uma figueira, ele olha, a figueira não dá figo para ele porque não é época. Ele amaldiçoa a figueira! Então é um cara que eu adoro, porque é uma pessoa feito todos nós.
Agora, a leitura da Bíblia são outros quinhentos. As pessoas leem o que elas querem. E isso está gerando um fanatismo. E o Brasil infelizmente pode caminhar para um conservadorismo cultural.
BBC News Brasil - A gente está perto do Sínodo da Amazônia, essa grande reunião de bispos no Vaticano, e o Brasil vai acabar sendo assunto por lá. Lembro que você não gostava de Bento 16. Queria saber sua impressão sobre o Papa Francisco.
Paulo Coelho - Muito boa. Muito boa. Eu estou pensando se vou ou não ao Vaticano agora, porque vai ser canonizada agora uma santa que me deu de comer chamada irmã Dulce. A primeira santa brasileira. Eu estava mendigando na Bahia, eu tinha fugido de casa, e ela me deu de comer. Hoje em dia, graças a Deus, a gente ajuda aos hospitais dela, a gente tem uma fundação que ajuda algumas coisas, entre as quais algumas unidades dos hospitais da irmã Dulce.
Penso se vou ou não, estou nessa fase de preguiça, para encontrar o papa. Porque eu já recebi sinais de que ele gostaria de encontrar comigo também.
BBC News Brasil - Você o vê fazendo um trabalho interessante?
Paulo Coelho - Vejo um trabalho muito interessante. Que as pessoas atacam, mas as pessoas atacam tudo. Atacar é livre. Fazer o trabalho que é difícil.
BBC News Brasil - Você é o único escritor que eu já vi na vida defendendo a pirataria dos próprios livros. Por quê?
Paulo Coelho - Claro.
BBC News Brasil - Por quê?
Paulo Coelho - Eu defendo a pirataria porque tem gente que não tem dinheiro ou acesso à livraria. Agora mesmo a gente mandou containers de livros para a África. Na África, não existem muitas livrarias, mas existe o celular e as pessoas podem baixar. Então, baixa pirata.
E depois, ao contrário do que as pessoas pensam, o mundo não é ganancioso. As pessoas respeitam quando você é generoso. Eu respeito quando são generosos comigo. Então, não vivo na defensiva. Nem com direitos autorais, nem com relação a nada. Acredito na maldade e na bondade humana.
BBC News Brasil - Como acha que você vai ser descrito no futuro nos livros de história e literatura? Que lugar você acha que vai ocupar lá para frente na nossa literatura?
Paulo Coelho - Não tenho a menor ideia e não é uma coisa que me preocupa.
Eu me lembro que no começo diziam que eu ia durar 3 anos, que era moda. Eu estou ocupado com o aqui e o agora. Uma coisa seja dita: eu, Paulo Coelho, sobrevivi a todos os meus críticos. Eles simplesmente sumiram, desapareceram. Mas eu continuei e continuei porque não tentei agradá-los. Eu nunca tentei agradar ao crítico. Eu sempre fui absolutamente consciente do que eu queria fazer e continuei fazendo e sobrevivi aos críticos.
BBC News Brasil - Lembrei de uma frase sua: você inclusive compara os críticos aos eunucos. Qual é a frase do harém?
Paulo Coelho - Crítico é que nem eunuco de harém. Vê fazer, sabe a melhor maneira de fazer, mas não pode fazer porque não tem material necessário. Então, o crítico é o cara que, coitado, não deu para nada e vai ser crítico.
A história está cheia de exemplos de gente que foi pisada. Isso vai desde Richard Wagner, o compositor, até o que se faz com o Romero Brito hoje em dia no Brasil. O Romero Brito é um fenômeno mundial e também não liga para crítica.
Se o meu trabalho vai ficar ou não vai ficar, eu espero que fique, óbvio. A literatura está passando por várias mudanças, então vamos ver.
BBC News Brasil - Você é um cara que chora? Qual foi a última vez?
Paulo Coelho - Eu choro muito. Não me lembro a ultima vez, deve ter sido ontem, eu vi um documentário e chorei. Eu acho a lágrima um dom. Um dom. Ela expressa. Eu não choro de raiva, nunca, mas choro de emoção.
Eu nunca posso ter como garantido o que aconteceu comigo. Então tem que estar sempre reverenciando esse milagre. E reverenciar esse milagre é fazer alguma coisa seja por mim, seja por meu semelhante.
Quando eu doei meus livros, era na língua dos colonizadores. O francês e o inglês. Você começar a ver seus livros surgindo em línguas locais, suaíli, iorubá... Que prêmio maior existe para o escritor? Que seu trabalho viaje, que sua alma seja compreendida. No fundo, se escreve para isso.
BBC News Brasil - Você também se emociona com música? Pensando no Paulo Coelho roqueiro, parceiro do Raul, compunha para Elis, Rita Lee... A música ainda emociona ou o rock morreu?
Paulo Coelho - A música é sempre geracional. Eu escuto o que escutava quando tinha 26 anos. Eu não evoluí. Nem eu e nem ninguém. Você fica naquela fase e pronto, e ouve aquilo várias vezes. Eu escuto o que escutava, desde Led Zeppelin a Chitãozinho e Xororó, ou Raul Seixas, ou Roberto Carlos. Antigos.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Entrevista à Ceiça Carvalho do Arca Literária

Entrevista minha à Ceiça Carvalho do Arca Literária (27/07/2016).

http://www.arcaliteraria.com.br/30746/




1. Fale-nos um pouco de você.
Eu sou um meditador.  Tanto no sentido que nós, no ocidente temos; meditar sobre um determinado assunto ou sobre um tema, quanto no sentido oriental: esvaziar a mente de pensamentos e conectar-se com o amor divino.  O enlevo é que traz as coisas celestes e esse enlevo pode vir pela arte, pela literatura, tanto quanto pela oração e pela meditação.  Só no enlevo podemos fazer a escolha certa, a escolha pela evolução espiritual.  Escolha que é livre, tem que ser livre, nunca por coação.  Como neossanyasin e católico eu me utilizo da arte e da poesia para atingir o enlevo, dentre outros objetivos, como a reflexão, o pensamento crítico ou apenas a fruição estética.  Acesse meu blog: Arte para enlevo . http://www.arteparaenlevo.blogspot.com.br .  Leio muito e gosto de futebol e vôlei.  Adoro traduzir textos antigos sobre espiritualidade do inglês para o português.  A sensualidade feminina me fascina muito. Gosto de ouvir música clássica, rock e new age.
2. O que vc fazia/faz além de escrever? De onde veio a inspiração para a escrita?
Sou artista visual e ilustrador, além de designer gráfico e web designer por formação.  Trabalho com poesia, contos e romance como escritor e também estou cursando a pós-graduação em Docência do Ensino Superior para me dedicar ao ensino.  A inspiração para a escrita veio pela coleção de história-em-quadrinhos de super-heróis na minha infância e juventude, primeiramente.  E também por algumas experiências em romance na minha adolescência no colégio em concurso e depois por conta própria.  Os jogos de RPG (Role Playing Game) e a atividade como anarquista – um período mais ou menos recente da minha vida que já passou – também me levaram a escrever.
3. Qual a melhor coisa em escrever?
Trazer à realidade os mundos e universos interiores, colocando para fora sentimentos, pensamentos, reflexões e meditações a respeito da vida e do cotidiano. Escrever é manter viva a conexão com todo o arcabouço histórico e literário do imaginário da nossa identidade como povo brasileiro e como cidadão cosmopolita que a globalização, embora tão nociva e destruidora em inúmeros aspectos, também permite, sob outros pontos de vista.
4. Você tem um cantinho especial para escrever?
Escrevo normalmente na mesa da sala de estar, da minha casa, embora eu tenha um espaço reservado e separado na área de entrada junto com o computador com mesa de desenho e pintura, junto com livros e materiais diversos.  A foto que eu envio é da mesa da sala de estar.
5. Qual seu gênero literário? Já tentou passear em outros gêneros?
Como poeta me situo num eu lírico em versos livres, geralmente. Gosto do romantismo e do expressionismo, trafegando por essas vertentes, bem como pela poesia social e espiritualista.  Gosto de Carlos Drummond de Andrade, nosso mestre maior.  Em contos e romances passo pelo inusitado e pelo insólito, bem como pelo texto simples e direto, espiritualizado e envolvente.  Gosto de Paulo Coelho, por exemplo.  Já escrevi ficção científica em contos e em prosa poética, que não é meu gênero literário favorito.
6. Fale-nos um pouco sobre seu(s) livro(s). Onde encontra inspiração para título e nomes dos personagens?
VOZES QUE CALAM é o resultado da minha seleção no Concurso da Editora Literacidade com a Coleção Sementes Líricas. Esse livro é composto por poemas de pequeno número de versos e bastante concisos com temas muito variados, mas com uma linha condutora nas vozes que muitas vezes se calam ou que calam outrem; vozes enfáticas e contundentes ou abafadas e sufocadas.  São as vozes mais necessárias.
OS ARCANOS é proveniente do Desafios dos Escritores, programa do Núcleo de Literatura de Brasília que eu participei pela internet.  O livro narra a aventura de um dia de vida do devoto caminhante Nonato Cardoso dos Santos que larga a esposa e o filho para ir até Juazeiro do Norte. Nessa cidade comemorava-se a procissão de Nossa Senhora das Candeias e a saga de Nonato por meio de visões e acontecimentos sobrenaturais o leva à santidade nesse dia.
A inspiração  para títulos e nomes dos personagens vem de dois aspectos que levo em consideração: pesquisa; em relação ao tema proposto e à sonoridade do título ou do nome e evocação pessoal; ao que me remete aquela frase, palavra ou nome.
7. Qual tipo de pesquisa você faz para criar o “universo” do livro?
Pesquiso ambientes, lugares e estilos de época relativas à história do romance que estou fazendo ou contos. Pesquiso uma linha norteadora de visão do mundo para poesia.  Muitas vezes, começo um texto “pela metade”; quero dizer que começo num diálogo ou no meio do poema ou num acontecimento no meio da história e daí, racionalizo e componho o final e depois o início, ou ao contrário, primeiro o início e depois o final.  Portanto, a minha pesquisa vai sendo direcionada, de acordo também, com esse recorte da criação.
8. Você se inspira em algum autor ou livros para escrever?
Inspiro-me muito em Paulo Coelho que é inclusive meu patrono na Academia Virtual de Letras, que eu participo na internet. Alexei Bueno e Cecilia Meireles na poesia.  Também gosto muito da linguagem seca de Graciliano Ramos. Com relação aos livros que me marcaram: Frankenstein de Mary Shelley , Macunaíma de Mário de Andrade,  o Pequeno Príncipe e Meu Pé de Laranja Lima; esses dois últimos que sempre esqueço de citar.
9. Você já teve dificuldade em publicar algum livro? Teve algum livro que não conseguiu ser publicado?
Minhas publicações são todas sob demanda no Clube de Autores. Somente esse ano, finalmente, consegui publicar de forma convencional pela Editora Literacidade, meu primeiro livro de poemas com ISBN, ficha catalográfica, tudo pronto, a partir do Concurso dessa Editora do Pará, capitaneada pelo grande Abílio Pacheco.  Antes disso, procurei e recebi várias propostas para publicação de editoras pequenas e médias, mas não pude acertar com nenhuma delas por impedimento financeiro, já que essas editoras precisavam que eu bancasse totalmente ou parcialmente a publicação.
10. O que você acha do novo cenário da literatura nacional?
A geração que estreou em livro nas primeiras décadas do nosso século XXI é muito diversificada. Gosto do Lourenço Mutarelli e do Michel Melamed. Mas tem muitos outros.  E são todos muito bons. 2/3 da população brasileira é analfabeto funcional, só 15% da população entre 20 e 60 anos de idade tem curso superior.  Vivemos um abismo social.  Nesse contexto vejo com bons olhos o nosso literário atual.  Poderia ser melhor, mas não é ruim.  Já tive uma opinião muito diversa dessa.  Acho que o tempo vai passando e a gente vai percebendo que nada é tão ruim que não possa piorar e nada é tão bom que não possa melhorar (risos). Enfim, é a realidade, temos que aceitar.
11. Recentemente surgiram vários pessoas lançando livros nacionais, uns são muito bons, outros nem tanto, outros são até desesperadores, o que você acha sobre este boom?
A facilidade e a difusão da internet permitem uma ampliação do conhecimento nunca antes vista. Tanto no sentido do conteúdo do que se escreve e do como se escreve quanto na editoração e na publicação desses escritos.  Todos tem voz e vez.  Isso é positivo, no meu entender.  Tem mercado suficiente, ao menos potencialmente, para o kitsch, para o misticismo barato e para obras de grande valor literário.  Tem literatura para todos os gostos, tanto para o leitor médio quanto para o leitor sofisticado.  Já fui muito mais crítico do que hoje sobre esse assunto.  Dizem que é a idade, a gente vai amadurecendo (risos) e aceitando certas realidades.
12. Qual sua opinião sobre os preços elevados dos livros nacionais?
Se você pensar que a educação, um bem universal, é tratado como mercadoria ou semi-mercadoria na nossa atualidade, podemos perceber que não há preocupação com a cultura, de maneira nenhuma. Na verdade, os preços dos livros nacionais refletem essa opção pela elite que o Brasil está fazendo. Hoje, não sou de direita nem de esquerda, sou de centro, sou centrista, mas é inegável que a política neoliberal tem aumentado a exclusão social grandemente.
13. Qual livro você falaria: “queria ter tido esta ideia”?
O Vencedor está só de Paulo Coelho. É um livro que foge um pouco do padrão do autor.  Ele narra o mundo do show bussiness, das celebridades e dos grandes negócios de forma espetacular.
14. Se tivesse que escolher uma trilha sonora para seus livros qual seria?
Fire de Kitaro, Esse tal de Roque Enrow de Rita Lee e Persuassion de Santana
15. Já leu algum livro que tenha considerado “o livro de sua vida”?
Frankenstein de Mary Shelley. É um livro aterrador e impressionante como está tão atual e novo, a cada dia que passa.  O cientificismo e a tecnociência ameaçam nos levar a um mundo sem ética nem valores e a criar monstros se não estivermos atentos.
16. Você tem novos projetos em mente? Se sim, pode falar sobre eles?
Gostaria de manter segredo sobre o que estou planejando, mas posso adiantar que estou trabalhando em contos e num romance, mas sem nenhuma perspectiva de término ainda. Fora isso, participarei de muitas coletâneas de poesia brevemente.
17. Você acompanha as críticas feitas por blogueiros nas redes sociais? O que você acha sobre isso?
Os blogueiros tem muito a contribuir para o nosso cenário literário e efetivamente o fazem. Gosto de alguns blogs, mas raramente acompanho.
18. Se pudesse escolher um leitor para seu livro (escritor, alguém que admire) quem seria?
Gostaria que o Lourenço Mutarelli lesse um livro de minha autoria. Gosto muito dos quadrinhos dele.
19. Qual a maior alegria para um escritor?
A maior alegria, sem dúvida, é ser lido. Cada vez que um  leitor(a) se emociona com o que o escritor(a) colocou no papel, ou na tela, é um novo alento para que continue seu trabalho.  Para mim, em particular, é uma vitória dupla porque minha formação é muito mais visual do que literária, mas talvez por causa disso mesmo, eu tenha enveredado pela literatura.  Se eu tivesse feito uma formação em Letras, teria ficado nas artes visuais, somente, contrariamente, não sei.  A imagem hoje domina e não tem como escapar.
20. Deixe uma mensagem a nossos leitores e para aqueles que estejam iniciando no mundo da escrita literária.
Agradeço a oportunidade à Ceiça e à Arca Literária de falar sobre meu trabalho. A mensagem que eu deixo é:  Leia sempre e aprenda sempre.  Não tenha medo de errar quando estiver escrevendo. Só no erro se acerta.  E não tenha pressa de publicar.  Tudo tem seu tempo.  Publicar só para dizer que publicou não quer dizer nada.  Tenha em mente que o bom texto aparece ao deixarmos fluir nosso imaginário mais íntimo, mais visceral e isso leva tempo.  Acredite que o trabalho do escritor é 99% de transpiração e 1% de inspiração.  Trabalhe sempre.