“Elegia 1938”




“Elegia 1938”

“Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

“Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

“Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

“Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

“Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.”

Carlos Drummond de Andrade

(Poema de Carlos Drummond de Andrade publicado em Antologia Poética – 12a edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, p. 107)

Visite a página da poetisa, escritora e palestrante Bartira Mendes . RESPIRANDO POESIA . https://www.facebook.com/bartiramendesrespirandopoesia/

Imagem: Peça de arte de Mauricio Duarte . Disponível para venda. Distúrbio . nanquim e colagem s/ papel couché e cartão triplex . 21,9 x 32 cm . 2018

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A breve vida da página "Armandinho morrendo violentamente"

Prefeito Joaquim Lavoura