O jardim das aflições







Patrulha de cineastas de esquerda boicota filme “de direita” em festival, em guerra de patotas




RUTH DE AQUINO











Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma
flor do nosso jardim. Boicotam um filme no Festival de Cinema de
Pernambuco. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem:
pisam o cineasta maldito, matam o contraditório, e não dizemos nada. Até
que um dia, o mais frágil deles entra sozinho na sala escura, rouba o
projetor e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já
não podemos dizer nada.

É uma paródia do poema “No caminho com
Maiakóvski” (1968), de Eduardo Alves da Costa. Ajuda a ilustrar a
pataquada de diretores de sete filmes que retiraram seus curtas do
festival. Começaria no dia 23 de maio para celebrar 21 anos de vida. O
motivo maior do boicote foi um documentário de 81 minutos, O jardim das aflições,
sobre o filósofo de direita Olavo de Carvalho. Os revoltados afirmaram,
em nota, que a escolha “favorece um discurso partidário alinhado a
grupos que compactuaram e financiaram o golpe ao Estado democrático de
direito ocorrido no Brasil em 2016”. O festival foi adiado por causa da
debandada. A seleção era de nove filmes. Não seria isso o que se chama
diversidade?

“Não é possível ter debate, só entre esquerdistas”,
me disse o diretor Josias Teófilo. Ele revelou que sua vida ficou
“insustentável” em Brasília depois de resolver filmar Olavo de Carvalho.
“Grandes festivais disseram que eu não era bem-vindo e que nunca mais
eu conseguiria dirigir nada. Esse documentário foi feito com
crowdfunding porque seria impossível tentar a Lei Rouanet. Vivemos a
tirania da coletividade sobre o indivíduo. Quem está fora desse
establishment de esquerda só encontra má vontade no campo do cinema.”

A
patrulha, de esquerda ou de direita, não é só burra, primária e
insuportável. É perigosa. Favorece o obscurantismo, a ignorância. Na
chamada esquerda brasileira, há grupos numerosos, especialmente no PT,
que fazem distinção entre “a censura do bem” e a “censura do mal”. “As
ditaduras do bem”, como Cuba e Venezuela, e “as do mal”, de direita. É
de uma insensatez frenética e fanática a forma como tantos intelectuais
relativizam prisões, torturas, arbitrariedades, corrupção, censura,
preconceito sexual, força do Estado... desde que o regime seja de
esquerda.

“Esses cineastas que boicotaram o Festival de
Pernambuco conseguem ser piores que Mao e Hitler, que assistiam aos
filmes antes de censurar. Leonid Brejnev proibiu um filme de Tarkovski,
mas assistiu antes. Esse grupo aí não viu e não gostou”, disse o diretor
Josias Teófilo. “O jardim das aflições é muito mais metafísico
que político. Fala de Aristóteles e Platão. O documentário traz uma
mensagem a favor da individualidade. Discorre sobre a morte. Não tem
motivo esse desespero todo. Mandei mensagens simpáticas aos colegas
revoltados, agradecendo pela divulgação. Eu não podia pagar assessoria
de imprensa.”

Olavo de Carvalho tem 70 anos, vive hoje em
Petersburg, uma cidade americana de 30 mil habitantes com 80% deles
negros. Dá curso on-line de filosofia para 3 mil alunos. É apontado como
um dos mentores do conservador Movimento Brasil Livre (MBL), embora
recuse esse título e critique “a direita emergente”. É fervoroso
opositor do PT e de Dilma. E crítico do governo Temer, que considera
ilegítimo. “Como vice, Temer não tem rabo preso, ele é um rabo preso”,
disse ao repórter João Fellet, da BBC Brasil, em sua casa.

Militou
no Partido Comunista durante a ditadura, foi amigo de José Dirceu,
escondeu armas. Já se envolveu com esoterismo e astrologia. Mas se
aproximou da Igreja Católica. Hoje, reza antes de dormir. Mantém uma
espingarda sobre a cama para defesa pessoal e tem 30 rifles de caça.
Olavo de Carvalho é um provocador, um polemista, a favor da “democracia
plebiscitária”.

Uma das diretoras que se retiraram da mostra em Pernambuco, Gabi Saegesser, do curta Iluminadas, disse que “O jardim das aflições
vai contra qualquer possibilidade de diálogo”, ao falar sobre “um dos
maiores representantes do conservadorismo de direita”. Para a cineasta, a
presença do título na programação “é como se o festival desrespeitasse a
visão política e social de outros filmes”. Não é só Olavo o alvo do
boicote. Há outro filme, o longa de Rodrigo Bittencourt sobre as origens
do Plano Real. Entre os diretores rebelados, estão Savio Leite, Cíntia
Domit Bittar, Eva Randolph, Leo Tabosa.

Na arte, como na política
e na vida, o Brasil passa por um momento delicado de torcidas e patotas
que urram a favor e contra, distorcem a realidade e tentam calar o
outro com discurso de ódio ou de vitimização. Tapar os ouvidos e os
olhos a quem discorda de você é um atestado de fraqueza e autoritarismo.
Você pode ou não acreditar que Lula não tem nenhuma influência sobre o
PT. A cabeça é sua ainda. A aflição também.





fonte: ÉPOCA

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