Roteiro para um artista pop


 
American pop artist Keith Haring.

 

by Leo


Fase 1 – O artista mora num conjugado e divide um ateliê/estudio/escritorio
com outros cinco. Nesse momento a arte é tudo, inclusive porque não
sobra dinheiro para mais nada. Tem que pedir ajuda aos pais e aos amigos
para pagar o aluguel do conjugado, e, principalmente, a conta do
boteco. O que importa é criar.

“O mundo precisa da minha arte”, sonha o artista.
Fase 2 – O artista produz muito mas não vende nada. Reclama das editoras,
das gravadoras, dos marchands. O sistema é inimigo da arte, brada no
conjugado, para júbilo dos companheiros. “Abaixo Romero Britto, Paulo
Coelho e os sertanejos!”. Para mudar o sistema o artista organiza o
movimento, forma coletivos, lança manifestos. Vira o rei do alternativo,
do underground, do off-Broadway.

“A arte é subversiva” acredita o artista
Fase 3 – O artista aparece nos radares e é captado pelas antenas. Seu nome é
citado em todas as conversas. Faz sucesso nas redes sociais. Chega a
hora do primeiro show/exposição/livro. É incensado pelos críticos de
vanguarda, que se tornam seus grandes amigos. Ganha fama de cult e
chovem tapinhas nas costas.

“É tudo tão rápido...” divaga o artista
Fase 4 – O artista, para dar conta do sucesso, contrata assessores, que
trocam suas camisetas por pólos, o All Star por Prada e os antigos
companheiros por contatos influentes. Assina o seu primeiro contrato com
uma gravadora/editora/galeria. Sua agenda agora é repleta de festas,
reuniões e eventos. Aconselhado pelo staff, dá entrevistas para
revistas, blogs, televisões, jornais, sempre falando o que querem ouvir.
O sucesso só aumenta e a conta bancária também. O artista dá um perdido
nos amigos do boteco e passa a frequentar os bares da moda.

“Quem podia imaginar que espumante é tão bom? ” se surpreende o artista
Fase 5 – O artista se torna uma celebridade. É o oráculo da cidade, dá
opinião sobre a maioridade penal, o desempenho do Neymar e o fim da bala
Juquinha. Recebe homenagens de todo lados e comparece até em
inauguração de banheiro químico. Com tantos compromissos mal sobra tempo
para o trabalho. Não importa.

“Viver bem é a grande arte!” ensina o artista
Fase 6 – O artista domina a cena. Aconselhado por seus assessores, investe
no que o público gosta, no que dá certo. Aparecem as primeira críticas
negativas mas ele não fica sabendo, não tem mais tempo para essas
coisas. Na mansão com vista para o mar recebe outros artistas famosos,
incluindo Paulo Coelho, Romero Britto e os sertanejos.

“São tão simpáticos!” constata o artista.
Fase 7 – O artista, devido a um descuido da assessoria, tem acesso às
críticas. O consideram repetitivo e ultrapassado. Não dá atenção. Agora
acha os críticos incultos, despreparados e desrespeitosos.

“Bando de invejosos” desdenha o artista.
Fase 8 – O artista, no seu luxuoso estudio/ateliê/escritório, procura
culpados pela fuga do prestígio. Está indignado com a cena
contemporânea, pensa que não há mais respeito, que qualquer um acha que é
artista. Antes isso não acontecia. Reclama de tudo, principalmente da
nova geração.

“ Minha arte não precisa desse mundo” conclui o artista





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